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BRASIL

O avanço da burguesia sobre a educação pública em tempos de crise: EAD e pandemia do coronavírus no Brasil

Amanda Rodrigues[i] e Dermeval Marins de Freitas[ii]
EBC

A pandemia da Covid-19 causada pelo novo coronavirus impôs ao mundo uma completa mudança de hábitos coletivos e com ela o prejuízo da realização das mercadorias em escala global. O mundo ocidental está praticamente aquartelado, com metade da população mundial sofrendo algum tipo de restrição quanto ao contato social como medida de atenuação do caos que a ciência aponta como certo. As economias do centro do capitalismo entrarão em uma recessão com consequências piores que a crise de 2008 segundo análises de economistas dos grandes polos financeiros. No Brasil, o cenário ainda é incerto, apesar dos piores prognósticos rondarem os principais noticiários que escancaram, inclusive, a divergência entre as frações de classe burguesa no interior de um país ainda profundamente dependente das economias centrais.

A dualidade entre as ações dos governos estaduais que seguem a orientação do Ministério da Saúde e o presidente Jair Bolsonaro mostram que estão em jogo dois processos distintos em disputa pela burguesia, ainda que ambos avizinhem o caos social que tomou praticamente todo mundo ocidental: Um de caráter genocida que pretende deixar a população pobre a própria sorte no sentido de que ela crie imunidade natural ao mesmo tempo que a economia não fica totalmente paralisada e outro que, considerando o caos social decorrente do aumento expressivo do número de mortes, adota as políticas recomendadas pela OMS para mitigar os óbitos e assim estimar um retorno à normalidade da democracia burguesa no menor espaço de tempo. Certamente o segundo projeto vem ganhando maior adesão popular e sua narrativa é a oficial da maior empresa de telecomunicação do país.

Nesse sentido, a escola, sobretudo a pública, tem importância central no intento do retorno à normalidade institucional burguesa. Sabemos que a escola é um espaço privilegiado de disputa de hegemonia porque é lá onde os projetos de sociedade se manifestam de maneira mais clara. É ao conjunto do estrato social que proporcionalmente vai sobreviver à pandemia que se dirige a tarefa de reproduzir a normalidade da reprodução social em termos capitalistas. Assim, não é de se estranhar que inúmeros Estados coloquem os seus sistemas de ensino a disposição de uma plataforma de Educação a Distância empresarial e privada, coagindo seus profissionais a uma adesão compulsória e sem discussão sobre as implicações sociais e pedagógicas de uma modalidade de ensino que contém em si diversas especificidades.

No Rio de Janeiro, perante a iminência da chegada da pandemia do Covid-19, o governador Wilson Witzel decretou a antecipação do recesso escolar iniciando a política de isolamento social como retirada de direitos, ainda sob uma perspectiva de manutenção de alguma normalidade institucional.  Na segunda semana do isolamento, o secretário de Educação lança oficiosamente por meio de uma live e com ampla repercussão pela grande mídia, uma tentativa de Educação a Distância a partir da plataforma Google ClassRoom sem nenhum tipo de transparência quanto aos termos e custos do contrato, tampouco consulta aos profissionais da educação e comunidade escolar. A SEEDUC defende que as contradições das condições de vida tanto dos alunos quantos dos professores que poderiam inviabilizar a implementação do projeto serão aparentemente resolvidas a partir de um sistema de distribuição de vouchers e materiais impressos que supostamente chegarão às residências dos alunos.

Já em São Paulo, o governador João Dória também aproveitou o momento de pandemia para apresentar uma plataforma de Ensino à Distância acessível por intermédio de smartphone, o “Centro de Mídias SP”. Segundo o governo, o acesso ao aplicativo será realizado através de um pacote de dados gratuito viabilizado pelo contrato do governo com as operadoras de telefonia celular, estes também pouco transparentes sobre custos e limitações na implementação.

No Pará, o governador Hélder Barbalho, após suspender as aulas implementou a política de Ensino a Distância para todo o estado a partir de transmissão de videoaulas pela TV Cultura e pela internet, em um modelo muito semelhante ao vendido pela Fundação Roberto Marinho (metodologia Telessala) cujo custo de implementação e avaliação dos resultados são tão obscuros quanto aqueles implementados pelos estados do Rio de Janeiro e São Paulo.

No Paraná, o Conselho Estadual de Educação (CEE-PR), aprovou no dia 31 de março a oferta do ensino a distância durante o período da pandemia do coronavírus. No dia 6 de abril, o secretário de Educação apresentou o projeto: um chat online no qual os professores inseririam informações e vídeo-aulas e os alunos receberiam em casa através de aparelho tecnológicos.[4]

É certo que todas essas iniciativas criam jurisprudências que fragilizam ainda mais o já precarizado trabalho docente, além de introduzir um precedente perigoso com a abertura de um novo nicho de mercado aos grandes conglomerados educacionais. Expandir a Educação a Distância para a escolarização de crianças e jovens significa intensificar o esvaziamento do papel da escola enquanto local de produção de sentido ao conhecimento com a finalidade de fortalecer uma escola com caráter emancipador. A burguesia aproveita esse momento histórico de uma pandemia para impor seu projeto de educação pública sem muitos distúrbios, na medida que a própria organização de classe docente – seus sindicatos e associações – estão com baixo poder de mobilização. Ainda assim, é preciso cumprir essa tarefa de forma crítica e problematizadora, organizando a luta em torno da defesa da escola pública universal, laica e de qualidade para os dias vindouros.

 

[i] Mestranda em Educação pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Professora e militante do SEPE.

[ii] Doutorando em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Diretor Sindical do núcleo do SEPE – Itaboraí, membro da executiva do diretório do PSOL – Itaboraí.