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BRASIL

Governo do Ceará (PT-PDT) quer combater a Covid-19 atacando o serviço público

Frederico Costa*, de Fortaleza, CE
Marcelo Camargo/Agência Brasil

Foi-se o tempo que o Ceará brindava o Brasil com boas notícias. Em 25 de março de 1884, o presidente da província do Ceará, Satiro de Oliveira Dias, declarou todos, homens e mulheres escravizados, livres, antecipando assim a revolução abolicionista em quatro anos. Claro, não foi um ato de bondade das classes dominantes locais. Tal ato foi precedido por uma mobilização popular, tendo à frente o jangadeiro Dragão do Mar ou Chico da Matilde. Dragão do Mar, em 1881, organizou seus colegas a se recusarem a transportar para os navios negreiros os escravos vendidos para o sul do Brasil, o que dinamizou a campanha abolicionista nas terras alencarinas e no restante do país.

Hoje, 136 anos depois do protagonismo na abolição da escravatura, a conversa é outra. O governo Camilo Santana (PT-PDT), ao mesmo tempo que mantém uma política de isolamento social contra a pressão do empresariado, de setores religiosos e da extrema-direita, ataca os servidores públicos.

Por meio da Resolução do Conselho de Governança Fiscal Nº 01/2020, do dia 07/04, foram estabelecidas diretrizes para todos os órgãos e poderes estaduais de contingenciamento de  gastos necessários ao enfrentamento da pandemia de coronavírus que enfraquecem o principal mecanismo de combate à crise sanitária, a esfera pública. O art. 2º, da referida resolução, dispõe.

I – postergação, para o exercício de 2021, da implantação em folha e dos consequentes efeitos financeiros das ascensões funcionais referentes ao exercício de 2020 de todos os agentes públicos estaduais dos órgãos e Poderes de que trata o “caput”, deste artigo, vedado o pagamento retroativo de quaisquer valores a esse título;

II – vedação, enquanto perdurar a situação de emergência em saúde e de calamidade pública no Estado, da nomeação de candidatos aprovados em concursos públicos realizados no âmbito de quaisquer dos órgãos ou Poderes a que se refere o “caput”, deste artigo;

III – promoção conjunta de tratativas junto às empresas de serviços terceirizados contratadas pelo Estado, por quaisquer de seus órgãos e Poderes, com vistas à pactuação para que, no exercício corrente, não haja impacto financeiro, nos referidos contratos, decorrentes da reposição da inflação ou de dissídios coletivos;

IV – Os valores relativos à inflação e aos dissídios coletivos não repassados para os contratos no ano corrente em função das situações postas nesta Resolução não poderão ser utilizados como argumento para reposição acumulada nos anos seguintes.

V – Os órgãos e Poderes estaduais avaliarão a possibilidade de aplicação aos seus contratos de terceirização dos termos da Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020, almejando a não demissão de trabalhadores. (DOE, Série 3, Ano XII Nº 071, Fortaleza 07/04/2020)

Em resumo, suspensão do direito garantido de ascensão funcional, vedação de nomeação de candidatos aprovados em concurso público, arrocho salarial para trabalhadores terceirizados e servidores. Traduzindo, enfraquecimento do setor público num momento em que a iniciativa privada revela, além de sua crueldade impessoal, sua incapacidade histórica de superar uma crise econômica, ecológica e sanitária.

Esses são os fatos. Mas, é preciso ir além deles, buscar seu conteúdo e racionalidade.

O governo Camilo Santana (PT-PDT) é de oposição, isto é, não é mesma coisa que o bolsonarismo. No entanto, revela os limites da estratégia política do PT e do PCdoB de não se vincular aos interesses e necessidades populares. Como a socialdemocracia europeia, a esquerda hegemônica nacional (PT e PC do B) embarca de mala e bagagens na orientação neoliberal (capitalista) de austeridade: projeto econômico que despreza a esfera pública e qualquer outra coisa que não seja o funcionamento do mercado e a reprodução do capital.

Daí, no Ceará, as tímidas medidas do governo Camilo Santana para setores sociais de baixa renda, como o pagamento de energia elétrica para 534 mil famílias por três meses e a compra de 200 mil botijões de gás. Noutras palavras, para pagar os oligopólios de energia elétrica e de gás butano, há dinheiro, para fortalecer os serviços públicos de saúde, educação e assistência social, por exemplo, com concursos e política salarial, nenhum tostão.

Diante disso, só a mobilização dos servidores públicos, trabalhadores e setores populares pode impor medidas voltadas para a preservação da vida e não dos lucros. Pela reestatização do setor elétrico e pela distribuição gratuita de gás butano sem onerar os cofres do Estado. Pela revogação imediata da Resolução Nº 01/2020 e da Emenda Constitucional Nº 88/2016 (teto de gastos do Estado do Ceará). Que os grandes grupos econômicos paguem pela crise.

 

* ´Frederico Costa é professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisa do Movimento Operário (IMO)

 

 

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