No momento em que o país passa das mil primeiras mortes pelo covid-19, Jair Bolsonaro mantém o convite à morte, convocando a população a retornar ao trabalho, em particular os trabalhadores autônomos e informais. A rápida escalada da doença se entrelaça com a explosão de uma crise econômica monumental, que anuncia uma tragédia social de consequências imprevisíveis.
Remover o presidente fascista do poder é condição primeira para enfrentar essa crise sanitária, econômica e social sem precedentes. Afinal, a permanência de Bolsonaro significará a elevação acelerada do número de mortes, sobretudo da população trabalhadora mais pobre e negra das periferias e favelas. Assim como provocará o aumento exponencial do desemprego e da pobreza, dado que o governo não proibiu demissões em massa e autorizou reduções salariais.
Bolsonaro perdeu força política
Como demonstra a última pesquisa Datafolha, a rejeição a Bolsonaro cresceu em todas as classes sociais, ainda que o governo mantenha uma base de apoio considerável. Há uma ampla maioria da população favorável às medidas de isolamento social, apesar da maior preocupação, em especial dos trabalhadores mais precarizados, com os efeitos da paralisação parcial das atividades econômicas.
Jair Bolsonaro encontra-se mais isolado. Os governadores dos estados, o Congresso, o Supremo Tribunal Federal e a maioria dos partidos e da grande mídia se contrapuseram ao Presidente. A crise se instalou inclusive no interior do próprio governo, com o Ministro Luiz Henrique Mandetta sustentando em público uma linha, em alguns aspectos, diferente do seu chefe.
Diante desse quadro, houve rumores de que o núcleo militar, encabeçado pelo general Braga Netto, havia tomado o controle do governo, afastando o presidente miliciano do centro das decisões. Não concordamos com essa avaliação. Apesar de enfraquecido, Bolsonaro preserva uma expressiva base de apoio social e capacidade de mobilização de seus seguidores. Nada indica que cairia sem lutar.
O mais provável é que a ala militar, perante a crise do governo, tenha pressionado Bolsonaro a amenizar o discurso e fazer concessões para manter a governabilidade, como foi no episódio da manutenção de Mandetta. Por seu turno, esse, para se manter no governo, aceitou flexibilizar as orientações do Ministério da Saúde, possibilitando que prefeitos e governadores relaxem as regras de isolamento social.
Em resumo: o capitão reformado perdeu força, mas ainda está no comando.
Direita tradicional polariza com o governo
Nesse momento, o bloco da direita tradicional tem o protagonismo na oposição a Bolsonaro. Os governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro, João Dória e Wilson Witzel, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o do Senado, Davi Alcolumbre, a TV Globo, entre outros atores políticos, polarizam com Bolsonaro ao defender o isolamento social parcial como instrumento de combate à doença.
Os setores majoritários da esquerda, como o PT e o PCdoB, parecem aceitar que a direita tradicional lidere o enfrentamento com Bolsonaro. O governador do Maranhão, Flávio Dino, chegou a afirmar que seria positivo que o general Mourão, reconhecido defensor da ditadura, assumisse a Presidência. Lula, por sua vez, trocou tuítes simpáticos com João Dória.
Consideramos essa estratégia do PCdoB e da maioria do PT um grave erro. Primeiro, porque a direita tradicional defende junto com o governo federal as medidas econômicas que despejam o custo principal da crise na classe trabalhadora, para salvar os lucros dos grandes capitalistas e banqueiros.
Segundo, porque os governadores estão aplicando um isolamento parcial, absolutamente insuficiente para fazer frente ao avanço do coronavírus. A cada dia, há mais gente nas ruas e no transporte público, e vários prefeitos e governadores começaram a flexibilizar as regras da quarentena. Na cidade de São Paulo, houve até trânsito de carros na quinta-feira (10), e o metrô fica lotado nos horários de pico.
Desse modo, a direita tradicional se opõe apenas moderadamente a Bolsonaro, buscando se credenciar como alternativa para as próximas eleições presidenciais. Como não poderia ser diferente, não é do interesse desse bloco burguês a derrubada de Bolsonaro pela ação das massas trabalhadoras. Para essa ala da classe dominante, uma saída política pactuada como os generais (como a posse de um governo militar) pode ser uma alternativa, caso a crise política se agrave.
Em síntese: a direita defende um projeto econômico e social antagônico aos interesses da maioria explorada e oprimida do povo brasileiro. Portanto, não é nossa aliada, embora unidades pontuais possam ser feitas com ela na luta contra Bolsonaro e seu governo neofascista.
É hora da esquerda entrar em campo unificada
Como vem afirmando o PSOL, a esquerda não pode ficar a reboque da direita, aceitando seu protagonismo na oposição. Não podemos depositar a esperança de derrotar Bolsonaro nas mãos de Dória, Mourão ou Maia. Este pode ser um erro fatal, que custará caro. A esquerda precisa se apresentar de modo independente, como um terceiro campo na disputa política nacional.
A unidade dos partidos da esquerda (PT, PSOL, PCdoB, PCB, PSTU), centrais, sindicatos, movimentos sociais, apresentando uma alternativa política e programática unificada para a crise, teria enorme força de impacto social e política no país. Esta Frente Única teria como tarefa a reivindicação de medidas emergenciais para crise sanitária e econômica, a organização de ações de solidariedade e resistência nos bairros e locais de trabalho e a apresentação de uma alternativa de governo.
A defesa do direito à quarentena remunerada a todos trabalhadores de serviços não essenciais; verbas suficientes para compra de testes em massa e de todos equipamentos hospitalares necessários ao SUS; renda básica de 1 salário mínimo para todas as famílias pobres; proibição de todas demissões e de redução de salários, entre outras medidas urgentes, comporiam o programa-base dessa Frente de Esquerda.
Com a suspensão do pagamento da dívida pública aos grandes credores e a taxação dos super-ricos e banqueiros, haveria recursos suficientes para sustentar as medidas elencadas acima. A plataforma das Frentes Povo Sem Medo, Brasil Popular e de dezenas de outras entidades e movimentos é uma referência para a construção desse programa emergencial.
A Frente Única deveria também, além de defender o Fora Bolsonaro, incluir a exigência de novas eleições presidenciais diretas e livres. Afinal, a posse de um governo militar, com Mourão ou outro general golpista à cabeça, não pode ser considerado uma alternativa progressiva.
Infelizmente, a Direção Nacional do PT decidiu, por maioria, não aderir à campanha pelo “Fora Bolsonaro”, que está sendo chamada pelas Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular, pelo PSOL e centenas de sindicatos e movimentos sociais. Consideramos um equívoco importante essa definição, entre outros motivos, porque dificulta a articulação política da esquerda.
Na nossa opinião, a defesa do “Fora Bolsonaro e Mourão” e de “eleições presidenciais diretas e livres” deve vir acompanhada da reivindicação de um governo da esquerda e dos trabalhadores, com um programa anticapitalista de salvamento de vidas, empregos, renda, direitos e salários. Pois apenas um governo da e para a maioria do povo explorado e oprimido pode tirar o país dessa crise.
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