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OPRESSÕES

Tithi Bhattacharya: A teoria da reprodução social e por que precisamos entender a crise do coronavírus

Tithi Bhattacharya*. Tradução: Carolina Freitas

Quando penso nessa crise nos próximos anos, duas imagens ficarão comigo. Uma é a de italianos comuns cantando juntos nas varandas em solidariedade a vizinhos isolados e a cuidadoras na linha de frente. A outra é da polícia indiana que ataca com jatos de alvejante trabalhadores migrantes e seus filhos por ‘ousarem’ andar pelo país depois que seus locais de trabalho fecham durante o bloqueio e não há transporte público disponível para chegarem em casa.

As imagens incorporam, respectivamente, a resposta das pessoas comuns à pandemia do coronavírus e a resposta própria do capitalismo. Uma é a solidariedade e o cuidado com a manutenção da vida; a outra, a força disciplinar no interesse do lucro.

Exemplos de respostas diametralmente opostas marcam o cenário da atual crise. Os agricultores palestinos estão deixando produtos frescos na beira da estrada para pessoas que não podem comprar alimentos; enquanto Victor Orban, da Hungria, usou a crise para governar por decreto. Trabalhadores da General Electric nos EUA estão forçando a empresa a produzir ventiladores; enquanto empresas de planos de saúde estão tentando manter seus lucros, cortando salários e benefícios para os funcionários que estão tratando pacientes com coronavírus.

A pandemia está expondo tragicamente que, enquanto o necessário é uma concentração em salvar e sustentar a vida, o capitalismo se preocupa apenas em salvar a economia ou os lucros; é nessa medida que um político texano, representando totalmente sua classe, deseja que os americanos sacrifiquem seus avós para salvar a economia.

Essa relação entre lucro e vida no capitalismo é o foco da Teoria da Reprodução Social (TRS). Os principais argumentos da TRS são os seguintes:

Enquanto o capitalismo como um sistema se preocupa apenas com o lucro, sendo o lucro o sangue e o motor da vida do capital, o sistema tem uma relação de dependência relutante com processos e instituições de reprodução da vida. O sistema depende dos trabalhadores para produzir mercadorias que são vendidas para obtenção de lucros. O sistema, portanto, só pode sobreviver se a vida dos trabalhadores for reproduzida de forma contínua e confiável, enquanto vai sendo substituída geracionalmente. Comida, moradia, transporte público, escolas públicas e hospitais são ingredientes de vida que reproduzem socialmente os trabalhadores e suas famílias. O nível de acesso a esses bens determina o destino da classe como um todo, e são as mulheres que realizam a maior parte desse trabalho de manutenção das vidas globalmente. Mas o capital reluta em gastar qualquer parcela de seus lucros em processos que sustentam e mantêm a vida. É por isso que todo o trabalho de assistência é desvalorizado ou não remunerado no capitalismo, ao mesmo tempo em que instituições de reprodução da vida, como escolas e hospitais, são constantemente privatizadas ou subfinanciadas.

A pandemia do coronavírus está forçando o capitalismo a priorizar temporariamente a manutenção de vida. Novos hospitais estão sendo criados para cuidar dos doentes. Leis draconianas de imigração estão sendo flexibilizadas, enquanto hotéis elegantes estão sendo requisitados para abrigar os sem-teto. Mas também estamos vendo uma escalada simultânea nas funções coercitivas dos estados capitalistas. Israel usou a crise para melhorar sua vigilância. A Bolívia adiou as eleições, enquanto a Índia está testemunhando um aumento da brutalidade policial.

Enquanto estivermos no auge desta crise, precisamos exigir que os trabalhadores que prestam serviços essenciais, a grande maioria deles mulheres – nossas enfermeiras, nossos trabalhadores da alimentação, médicos, faxineiros, catadores de lixo – recebam a dignidade e os salários que merecem. Os corretores da bolsa ou os bancos de investimento não são de nenhuma lista de “serviços essenciais” do governo. Como feministas, devemos exigir que agora e sempre a renda da elite reflita sua utilidade.

Mas, uma vez que a crise da pandemia passe, não podemos voltar aos “negócios como sempre”. Devemos exigir que, em vez de o capitalismo colocar nossas vidas em crise, ponhamos em movimento sua dinâmica de lucro em função da vida.
Que a vida e a reprodução da vida se tornem a base da organização social, para o florescimento de muitos e não para a prosperidade de poucos.

 

*Tithi Battacharya é Professora e especialista em Historia Moderna do sul da Asia e Diretora do Centro de Estudos Globais na Purdue University. Ativista da causa Palestina, Feminista Marxista, é coautora do livro “Feminismo para os 99%:Um Manifesto”. Escreve sobre Colonialismo, Formação das classes e Nações, e Gênero.
Artigo publicado em 02/04/2020 em: http://www.tithibhattacharya.net/new-blog/2020/4/2/social-reproduction-theory-and-why-we-need-it-to-make-sense-of-the-corona-virus-crisis

 

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