Para a professora da UERJ Graziela Scheffer. Agradecer os seus ensinamentos sobre a loucura e de que é necessário, em tempos como esses, defendermos os loucos!
A mídia, parte da categoria dos médicos e dos trabalhadores da saúde, os políticos brasileiros de direita e parte da população – que outrora defendiam com fé inabalável a mão invisível do mercado – estão indignados com o discurso do presidente Jair Bolsonaro proferido em rede nacional. Alguns atestam insanidade mental ou loucura do presidente. Eu, ao contrário, atribuo-lhe lucidez e pergunto: – qual discurso queriam? O fato é que Bolsonaro não é louco, desde o começo é um neofascista e genocida convicto e se elegeu com esse projeto societário – diga-se ultraneoliberal – chancelado por uma parte da população brasileira nas urnas, estimulada por discursos de ódio, fake news e apoio da elite brasileira.
Se não me falha a memória histórica recente, o mesmo protagonizou um discurso anti-Estado para os mais pobres, afirmando que os direitos e benefícios sociais perpetuam a vagabundagem e os privilégios; atacou o conhecimento científico e as universidades públicas, disseminando inverdades absurdas contra os/as pesquisadores/as do país, mentiras utilizadas como manobra para reduzir os investimentos no ensino superior e na ciência; seu Ministro da Economia Paulo Guedes desrespeitou duramente os funcionários públicos tratando-os de parasitas para angariar apoio com o objetivo de reduzir direitos sociais e salários; foi conivente com a destruição do meio ambiente e com o ataque à vida e a cultura dos povos indígenas e tradicionais; implantou um pacote de medidas contra o Sistema Único de Saúde (SUS); comprou com dinheiro público a aprovação da contrarreforma da previdência social nefasta para os trabalhadores; apoiou o pacote que incrementou ainda mais o genocídio cotidiano da população jovem, negra e pobre das periferias, através de uma política de segurança pública para eliminar a pobreza; agravou ainda mais as medidas da Emenda Constitucional nº 95 de Temer, que já havia limitado os investimentos com as políticas sociais.
Com a pandemia de Covid-19 o que se manifestou foi uma grande instabilidade política que poderia atrapalhar a continuidade de sua necropolítica vigorosamente posta em ação. Sabemos que todas as medidas genocidas colocadas em ação, desde o início de seu governo, se deu em fluxo contínuo, quase que ininterrupto, pelos canais abertos pela burguesia brasileira que o apoia, mas não morre de amores, é verdade! Mas, sempre gostou de flertar perigosamente com o fascismo.
Agora a manutenção da macroeconomia neoliberal temperada com o sabor amargo do bolsonarismo inculto, que tem como principais medidas: o incremento da desoneração fiscal das frações mais ricas da burguesia, exorbitante transferência de fundos públicos ao setor rentista via privatizações das políticas sociais, com destaque para a previdência e para o processo de destruição do SUS público e universal e etc., podem ser todas colocadas em xeque por um momento. Essa pandemia traz à tona algo fundamental: a intervenção do Estado é necessária, passando até a ser reivindicada pelos sicofantas do neoliberalismo de plantão.
Por ironia, essa pandemia suscitou um problema existencial que “poderá” atrapalhar os interesses econômicos, colocando uma nuvem de fumaça nos discursos economicistas e pibistas (com base no “deus PIB”) há muito tempo disseminados pela humanidade. E não podemos isentar o Banco Mundial e o FMI como os principais responsáveis por esse estilo de vida. O grande temor não é que a economia capitalista quebre por si só, mas os resultados das disputas de classe, que essa crise agravada pela pandemia, podem trazer.
Um aspecto é que a covid-19 pode colocar “em risco” a hegemonia neoliberal ao ameaçar as vidas não só da classe trabalhadora, mas de todas as classes sociais. É evidente que as frações mais precarizadas da classe trabalhadora serão duramente afetadas e a proeminência da luta de classes é essencial para uma disputa societária entre a vida e o lucro. Nessa disputa entre a vida e o lucro encontra-se a mediação dos direitos sociais, ou seja, condições para que todos/as possam se proteger da pandemia. Entretanto, assegurar proteção social a todos/as é uma política incompatível com a sanha capitalista do lucro e com o projeto da elite brasileira e estrangeira que sustenta Jair Bolsonaro no poder.
A luta entre a vida e o lucro se acirra pela necessidade de isolamento social para conter a contaminação rápida pelo vírus e não colapsar os sistemas de saúde, o que significa “parar” por um tempo com o “rumo normal das coisas” (a produção e a organização diária da vida para tal), significa colocar em suspenso a exploração capitalista. O que é aterrorizante para a burguesia, devido à possibilidade de se deparar com um colapso do sistema capitalista mundial, ou da gestão da capitalista da economia tal como a conhecemos hoje. Estamos assistindo a uma verdadeira luta épica de classes, suscitado por uma ameaça invisível e mortal à humanidade, trazendo à tona as contradições fundamentais desse sistema. Suas vísceras foram arrancadas e expostas!
O presidente Jair Bolsonaro, coerente e lúcido com seu projeto de nação, para o qual foi eleito, segue com suas propostas necrófilas em meio à pandemia mundial que assola o Brasil. Dotado de uma lucidez e consciência de classe inabalável, este homem não é irresponsável, é totalmente fiel depositário da classe e do projeto que o elegeu. O problema não é Jair Bolsonaro é o capitalismo e a elite anti-povo brasileira. Elite que outrora, historicamente promoveu imensas tragédias humanitárias. Estão conscientes e lúcidos de que vidas não importam, devem ser sacrificadas para garantir seus lucros e privilégios de classe.
* Professora Adjunta da Universidade Federal do Tocantins (UFT), lecionando na graduação e no mestrado em Serviço Social. Militante da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde, do Fórum de Saúde do Tocantins e da Resistência/PSOL Tocantins.
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