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BRASIL

A aposta de Bolsonaro

Marco Pestana, do Rio de Janeiro (RJ)
Agência Brasil

Jair Bolsonaro, em coletiva de imprensa

Do ponto de vista da garantia da saúde do conjunto da população, o comportamento de Bolsonaro em relação à pandemia do novo coronavírus tem sido absolutamente desastroso até aqui. Entretanto, isso não impediu que a última pesquisa do Datafolha (realizada entre 18 e 20 de março) indicasse um índice de ótimo/bom superior ao ruim/péssimo (35% x 33%) na avaliação desse mesmo tópico. Note-se, inclusive, que esse índice de ótimo/bom é muito similar ao apoio que o presidente vinha colhendo na maioria das sondagens de opinião acerca de seu governo nos últimos meses (em torno dos 30%). Isso parece indicar que há uma parcela significativa da população ainda disposta a apoiar Bolsonaro sob quase quaisquer circunstâncias, possivelmente em função do efeito da propaganda (fake news incluídas) disseminada por grupos de whatsapps, pastores charlatões, etc.

Embora significativo, esse é apenas um retrato (não exaustivo) da situação alcançada ao término do que podemos pensar como o primeiro estágio da pandemia no Brasil. A partir dessa semana, os números de casos confirmados e de óbitos em função do novo coronavírus devem crescer exponencialmente (a despeito da escassez de testes e da notória subnotificação), o que também acelerará ainda mais o tempo político e a dramaticidade dos efeitos sociais da pandemia. Considerando essa mudança de estágio, é fundamental atentarmos para as inflexões e permanências no discurso de Bolsonaro, a fim de melhor compreendermos suas movimentações.

Assim, por um lado, fica evidente que nessa segunda-feira (23 de março), ao anunciar seu novo pacote de medidas, ele alterou seu posicionamento público acerca da gravidade do quadro sanitário e do papel dos governadores. Ao invés de minimizar os riscos e criticar as medidas dos governos estaduais como excessivas, passou a reconhecer a gravidade do cenário e a preconizar a parceria entre as distintas esferas de governo. Com isso, faz um aceno aos setores que cobram maior seriedade no enfrentamento da pandemia, ao mesmo tempo em que tenta se colocar como um coordenador do conjunto das iniciativas públicas. E, ao liberar recursos pleiteados pelos próprios governadores, atua para debelar possíveis focos de crítica por parte dos mesmos. Outras medidas anunciadas hoje incluem o reforço do orçamento destinado à assistência social, o que também responde a críticas que vinham sendo formuladas. Ao que tudo indica, trata-se de uma aposta em se apresentar como o guia capaz de ajudar o país a atravessar o momento mais drástico.

Por outro lado, mantém as constantes referências ao tema do desemprego, ainda que as inserindo na nova moldura geral de seu posicionamento. Antes a questão aparecia em seu discurso como algo que o diferenciaria dos governadores, os quais não estariam preocupados com essa dimensão da crise (as medidas tomadas por eles, inclusive, eram criticadas como potenciais agravadoras da situação econômica nacional). Agora, é apresentada como um elemento do desafio comum cujo enfrentamento se propõe a coordenar. Em um país com cerca de 12 milhões de desempregados e outros quase 5 milhões de desalentados (números que certamente crescerão bastante nos próximos meses), a insistência nesse tema opera como uma tentativa de diferenciar Bolsonaro do conjunto do establishment político, que pouco destaque confere a essa questão.

Evidentemente, essa referência discursiva não significa que Bolsonaro esteja efetivamente enfrentando o problema, como demonstrado pela Medida Provisória 927, editada na noite de domingo (22 de março), que previa a possibilidade de suspensão de contratos de trabalho por até quatro meses, sem remuneração. Muito pelo contrário, embora a retirada desse esse item específico do texto tenha sido posteriormente indicada pelo próprio Bolsonaro, o restante do texto aponta unicamente para a flexibilização de direitos dos trabalhadores e a antecipação de certos recursos a que esses já teriam direitos, não apresentando qualquer medida real para combater o desemprego.

Em síntese, a se confirmar essa leitura, o próximo momento da estratégia discursiva de Bolsonaro parece apostar numa articulação de neutralização de parte dos focos de oposição (governadores e parcela da opinião pública) e tentativa de sintonização aos anseios de grande parte da classe trabalhadora. Incorporação à corrente majoritária de opinião (que enfatiza a gravidade da crise – o que não impede a modulação desse traço específico em seus canais de comunicação com a sua base mais fiel, que não assume formas claramente publicizáveis), com manutenção de um traço distintivo. Caso essa manobra efetivamente surta efeitos no sentido de fortalecer sua posição, não deve ser descartada a hipótese de Bolsonaro garantir o apoio de frações importantes da burguesia, possibilitando a continuidade de seu mandato.

Sendo assim, do ponto de vista daqueles que buscam derrotar Bolsonaro, um ponto essencial da estratégia deve ser a construção de respostas alternativas e efetivas ao problema do desemprego e das dificuldades econômicas enfrentadas pela classe trabalhadora, que impeça que ele consolide a imagem de principal portador dessa bandeira.