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Nada será como antes. Três notas diante de uma emergência

Valerio Arcary

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

1 – Tudo vai mudar para muito pior, e será rápido e intenso. E não temos muitos parâmetros de comparação histórica. A escala da emergência que estamos vivendo nos distancia dos possíveis exemplos de processos assemelhados no passado. Eles são úteis, mas parecem remotos. As transformações serão sincronizadas, como nunca, à escala internacional, com poucas semanas de diferença. O mais provável é que ocorram vertiginosas mudanças. Não podemos prever em que medida os fatores que hoje são as determinações da situação política permanecerão. Nada será como antes. A mente humana é menos plástica, maleável, e flexível do que se pensa, e o humor das grandes massas, quando se precipita uma realidade nova, com perigos imprevistos e inusitados, reage com atraso, mas reage. A psicologia de massas obedece a um padrão conservador. Quando ocorrem mudanças bruscas a primeira reação é a negação da nova realidade. Na sequência se instala o medo em diferentes graus. Depois prevalece uma pressão poderosa de busca de uma solução para os novos conflitos. As pessoas tendem a se unir em busca de uma redução de danos. Não podemos prever se o governo Bolsonaro estará mais fraco ou mais forte, por antecipação. Mas devemos lutar contra os irresponsáveis que desconsideram a máxima gravidade da pandemia, e que mais adiante tentarão responsabilizar os que vão morrer pelo seu trágico destino. Devemos lutar com garra, com firmeza, com paciência, mas também com fúria pela disputa de consciência dos trabalhadores e do povo. E dizer que é possível salvar vidas se houver disposição política de salvar vidas, tomando as medidas de emergência necessárias. A disputa se dará, em grande medida, nos ambientes virtuais, porque os espaços presenciais irão diminuir, até abruptamente. A esquerda pode e deve confiar na classe trabalhadora e no povo. Deles virão exemplos inspiradores e maravilhosos de solidariedade social. Mas, sobretudo, devemos denunciar Bolsonaro e o seu governo, a ordem capitalista mundial e a burguesia. São muitas milhares de vidas que estarão em risco crescente. Eles são um perigo.

2 – A crise sanitária é de máxima gravidade. Nunca vimos nada remotamente parecido no Brasil. E já vivemos muita desgraça com as epidemias recentes de dengue, zika, sarampo, chikungunya e outras. O direito à vida vem antes de tudo o mais. O grau de civilização de uma sociedade se mede pelo que ela está disposta a fazer para proteger os mais vulneráveis. Nesta emergência, os mais idosos. Existem várias hipóteses de modelos de projeção da dinâmica da expansão. Todas são terríveis, mas há uma diferença entre o desastre e a tragédia. Logo, o único critério responsável é que devemos nos preparar para a pior hipótese, mesmo sendo conscientes que uma interrupção drástica, radical, extrema da vida econômica deixará consequências. Precisam ser considerados vários fatores, sendo o mais importante, neste momento, a velocidade da implantação da quarentena para garantir o isolamento social, e a contenção do contágio, além da injeção de recursos na infraestrutura de saúde para os casos graves. Estamos atrasados. O tempo é uma variável crucial em uma emergência sanitária. A experiência acumulada na China e na Itália indica que o auge da epidemia entre nós deverá ser em maio, mas há tantas incertezas sobre a real dimensão da contaminação, porque muito poucos fizeram o teste, que pode ser pior. Uma quarentena efetiva só é possível, em uma nação de altíssimo grau de urbanização como o Brasil, acima de 85% da população, se as massas trabalhadoras não forem trabalhar. Mas para isso é necessário que suas condições de existência sejam garantidas, portanto, os salários sejam pagos. As previsões sobre o piso de contágio são, por enquanto, exploratórias. Mas se a Alemanha considera 60% da população, e não parece um exagero, temos uma ideia da escala dos desafios. Por que seria menor no Brasil? Estamos falando de algo entre 160 e 180 milhões de pessoas. Um em cada cinco terão dificuldades respiratórias em diferentes graus. Algo entre 30 e 40 milhões de pessoas, em especial os mais idosos, precisará recorrer aos hospitais. UTI’s com respiração assistida para, talvez, 3% dos contaminados, ou cinco milhões ou mais. Um cataclismo, se pensarmos na mortalidade.

3 – Uma emergência sanitária diante de uma epidemia infectocontagiosa exige medidas extraordinárias. Existe a necessidade de mudança nas rotinas dos hábitos pessoais. Mas a gravidade da pandemia impõe uma disciplina social nova na construção da quarentena que é uma questão política, porque nos remete á qualidade da direção da sociedade que está concentrada no governo, no regime, no Estado. A questão é terrível, porque estamos, também, diante de uma crise econômica que mergulha o futuro, quando o pico da pandemia for ultrapassado, em uma incógnita. A luta política muda de patamar, porque se trata de uma questão de vida ou morte, como quando a sociedade está diante de uma guerra. Todas as nações atingidas pela crise passarão por desafios excepcionais, porque a crise é de máxima gravidade e deixará, além de muitos mortos, sequelas econômicas e sociais imprevisíveis. A pandemia não atinge as diferentes sociedades da mesma forma, e nem se abaterá sobre as classes da mesma maneira. Os países da periferia irão sofrer muito mais. Os trabalhadores e o povo pobre muito mais. Mas não fosse o bastante, o fator Bolsonaro, no Brasil, um governo de extrema direita, liderado por uma ala neofascista, eleva a crise para um patamar totalmente diferente de outros países.

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