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A fantasia de petroleiro

FNP

Felipe Demier

Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É autor, entre outros livros, de “O Longo Bonapartismo Brasileiro: um ensaio de interpretação histórica (1930-1964)” (Mauad, 2013) e “Depois do Golpe: a dialética da democracia blindada no Brasil” (Mauad, 2017).

“Aquele que sai da batalha
Entra no botequim, pede uma cerva gelada
E agita na mesa logo uma batucada
Aquele que manda o pagode
E sacode a poeira suada da luta e faz a brincadeira
Pois o resto é besteira
E nós estamos pelaí…”
(Gonzaguinha)

 

O termo “cancelar”, a nova moda do identitarismo “de esquerda”, diz muito sobre sua condição de classe, sua culpa pequeno-burguesa e, por conseguinte, a compensação a esta que aparece na forma de “populismo” ideológico – no conceito talvez primevo de populismo mesmo, o de culto acrítico ao povo, ou ao que se acha que é o povo ou do povo. Recusando a noção de totalidade e a perspectiva de uma cultura universal, produzida historicamente por trocas, intercâmbios e, claro, também violência, identitários segmentam as práticas culturais umas das outras, fetichizam-as e, por fim, as cultuam à maneira do velho obrerismo estalinista, definindo o que é e o que não é próprio a certa “identidade” (antes o que era ou não a “cultura operária”), e quem pode e quem não pode praticá-las, delas usufruir ou com seus adereços se fantasiar no carnaval.

A relação destes pós-modernos fiscais etnográficos com seus supostos companheiros e amigos é estabelecida como que por meio de aplicativos, nos quais os pecadores – normalmente de esquerda, e sobretudo marxistas militantes – são “cancelados”, ação a qual deve ser seguir, talvez, o preenchimento de uma rápida pesquisa de satisfação do cliente com a start up que “prestou o serviço” de cancelamento. Enquanto os identitários digitais, tal qual fazem nos aplicativos de comida, “cancelam” figuras e amigos pecadores, suas grandes batalhas virtuais pela sacralização de identidades supostamente puras e intocáveis – entre as quais, claro, não constam as de classe trabalhadora, de sindicalista militante, de grevista, de comunista etc. – não fazem senão lhes tornarem (assim como a esquerda, como a qual são pelas massas identificados) cada vez mais distantes dos trabalhadores de carne o osso, dentre os quais se encontram, também cada vez mais, os entregadores de tais aplicativos, para não falar de uma massa de desempregados que só faz crescer, mas que não parece incomodar os “canceladores”.

Por fim, como seria bom se nesse carnaval os que gostam de carnaval e odeiam as opressões e o fascismo que este governo promove se vestissem todos de petroleiros. Ajudaria, e muito, a cancelar o veto que muitos setores das massas impõem aos grevistas, funcionários públicos e tantos outros setores atacados pelo neofascismo no poder.

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carnaval / petroleiros