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BRASIL

Ressurgir com o novo ou perecer com o velho: A esquerda na encruzilhada e as provocações do professor Safatle

Guilherme Barbosa e Gustavo Leão, de Maceió (AL)

Quem infrigiu a lei da eternidade
que não permite recomeçar a vida?
Trecho do poema “Os velhos”de Carlos Drummond de Andrade.

 

Seja pelo seu título forte ou por suas provocações a respeito do atual estágio em que se encontra a esquerda brasileira, o mais recente artigo de Safatle Como a esquerda brasileira morreu vem causando diversas reações. Desse modo, o Esquerda Online, enquanto organismo ativo dessa própria esquerda, publicou dois textos em diálogo com o artigo anteriormente referido que são: Ainda estamos vivos: um diálogo com Safatle, de Gabriel Santos e Nem toda a esquerda está morta, camarada: uma nota crítica ao artigo de Vladimir Safatle, de Felipe Demier.

O intuito do presente artigo é contribuir tanto para uma compreensão das ideias do professor Safatle, quanto para uma reflexão de como se encontra a esquerda brasileira.

O que não está em debate

Antes de se iniciar uma discussão, é preciso construir um acordo sobre o assunto que será discutido, ou seja, é necessário “limpar o terreno” de falsas polêmicas e afins para que haja a possibilidade de um entendimento entre as partes ou da reafirmação de suas antigas convicções.

Nesse sentido, extrair a ideia central do autor é dever de quem deseja dialogar com o próprio. É a partir disso que se colocam as condições para o acordo ou desacordo.

Portanto,contrapor a afirmação de Safatle sobre a “morte” da esquerda com exemplos como a atual greve dos petroleiros é, no mínimo, injusto. Safatle não está discutindo a incapacidade da esquerda de agir em sua totalidade. O que o professor questiona é a capacidade de a esquerda reagir de maneira qualitativa, que seja à altura dos desafios que a realidade exige.

Em determinado momento no texto, o professor diz: “Nossas ações até agora não se demonstraram à altura dos desafios efetivos”. Tais palavras parecem estar em acordo com nossa interpretação da problemática que Safatle propõe em seu texto. Tal problemática seria que a esquerda chegou a uma encruzilhada e, se “não quiser ver sua morte definitiva como destino, seria importante se perguntar sobre qual é esse ciclo que termina, o que ele representou, quais seus limites.”

Isso nos leva a uma segunda reflexão. Safatle não está igualando todas as esquerdas que existem no Brasil quanto às suas posições programáticas, compreensões estratégicas, formas de atuação etc. O que o autor do artigo quer dizer é que, não há hoje na esquerda qualquer setor que consiga rivalizar com Bolsonaro na disputa sobre os rumos do país de maneira eficaz. Sua hipótese é que isso tem uma raiz histórica, ou seja, a conciliação da esquerda com setores da burguesia é um motivo para que nesse momento, no qual não há uma perspectiva de conciliação, a esquerda fique paralisada.

Entretanto, no mesmo texto ele nos fornece as “lições de Marighella” que se perderam ao longo das décadas quando o principal partido da esquerda brasileira, o PT, reeditou a mesma estratégia. Para nós, revolucionários, isso deve ser interpretado de uma maneira diferente de como um membro da direção do PT faria, falaremos disso adiante.

Como último ponto desse tópico, as posições de Safatle devem servir para os militantes da esquerda que não compactuam com a proposta do partido dos trabalhadores como um alerta e um chamado à responsabilidade. Isso significa que, nesse momento, torna-se vital, para que a esquerda não tenha uma “morte definitiva”, superar as práticas e politicas do PT. Ou seja, Safatle não está decretando uma “derrota histórica” da classe trabalhadora. O que faz com que, se formos rigorosos em nossas críticas e interpretações, cheguemos à conclusão que Safatle não afirma em momento nenhum que a classe trabalhadora brasileira está derrotada, atomizada, desmoralizada ou algo parecido. Suas reflexões são, em especial, para os partidos e sindicatos que não apontam umcaminho para essa mesma classe, pois estão reféns das velhas práticas e não conseguem propor uma alternativa. Se quisermos utilizar o conceito de “derrota histórica”, podemos, no máximo, dizer que é uma derrota histórica para a conciliação de classes, pois como escreve Safatle, não parece que o que acontece na Argentina com o peronismo acontecerá aqui no Brasil.

Como devemos interpretar o alerta de Safatle?

Como mencionado anteriormente, para nós revolucionários o “incômodo” perante o artigo deve ser diferente do de um membro da direção nacional do PT.
Uma interpretação cabível para o dirigente petista seria acusar o professor de “derrotista”, de “não ter confiança na classe trabalhadora”, de “menosprezar o trabalho que temos feito até então” e algo nessa linha.

Nós não podemos cair nessa interpretação, seria um erro trágico para nós“tomarmos as dores” do PT. Safatle propõe uma reflexão, diz que um modelo de esquerda morreu e que se continuar nessa linha morrerá em definitivo. Para nós isso deve ser uma lição do que não fazer, de qual caminho não seguir.

Tampouco podemos ser saudosistas. Não podemos ter afirmações do tipo “somos oposição ao PT desde o primeiro governo de Lula” ou expressões auto proclamatórias, e até um pouco desesperadas, como “estamos vivos! Nos veja!”.

É certo que nossa história não pode ser jogada na lata do lixo, é altamente valioso o fato de ocuparmos uma posição à esquerda do PT nesses últimos anos, no entanto não podemos viver do passado. A intenção de Safatle é justamente nos provocar, é nos mostrar que ao mesmo tempo que um modelo velho de esquerda faliu, torna-se urgente um novo modelo que supere essas limitações. Não há uma “derrota histórica” pra esse novo, a pior derrota seria ele nem ser gerado.