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BRASIL

Movimentos culturais juvenis da periferia x esquerda brasileira: uma relação a ser repensada

Mano Magrão, de São Luís (MA)
Basquiat

No nosso primeiro texto para este espaço afirmei que a quebrada é a resistência neste ano de 2020, coloquei que é necessário a esquerda brasileira repensar suas relações com a periferia. Hoje venho trocar uma ideia a respeito da relação da esquerda com os movimentos juvenis que aproximam da esquerda e como eles são tratados. 

Minha experiência vivenciada durante quase vinte anos em uma organização de hip hop me levou refletir como se dá essas relações entre a esquerda revolucionária e os movimentos juvenis da periferia. Como bom esquerdista, marxista, leninista e trotskysta que sou, sei da importância de um partido revolucionário como instrumento de organização da classe trabalhadora para a transformação radical da sociedade vigente, contudo, em pleno século XXI, parece que esquecemos que a realidade é dialética e parece que queremos refundar o Partido Bolchevique aos moldes do que ele foi em 1917. Se fizermos isso, o que isso significaria: uma farsa ou uma tragédia? Respondemos serem as duas coisas, uma vez que não temos como fazer isso tal como foi na Revolução, sendo isso uma farsa, mas pior ainda será a tragédia que ocorrerá se quisermos fazer isso como os movimentos sociais e culturais juvenis da periferia, pois a juventude quando se organiza nesses espaços não tem (isso não significa que não possa vir a ter) nitidamente definido em suas ações a transformação radical da sociedade como seu plano, pelo contrário, estes são mobilizados pelo fazer cultura e arte. O Hip Hop, movimento a qual faço parte, mesmo surgido no olho do furacão da reestruturação do capital e urbana nos Estados Unidos não surgiu como um ferrenho defensor de uma revolução proletária, mas sim buscando alcançar espaços e formas de lazer para uma juventude que se encontrava sem o mínimo necessário para tal fato. 

A juventude sempre foi pivô de grandes transformações, traz em si uma carga forte de descontentamento com certas situações vivenciadas, aponta questionamentos a ordem vigente, fatos que podem caracterizar essa faixa etária como propensamente revolucionária. Mas qual revolução? A revolução proletária não ocorrerá sem a juventude e o mais importante, a revolução não acontecerá sem a participação da juventude das periferias. Esse é um fato! Mas esse fato requer uma relação entre os adultos da esquerda que dirigem nossos partidos totalmente diferentes da que vem sendo estabelecida. 

Não dá para um movimento juvenil da quebrada, seja ele cultural ou contra as opressões, apenas replicar as insígnias e palavras de ordem da esquerda. Ora, a esquerda já se perguntou com quem dialoga essa juventude organizada da quebrada? Já percebeu como são construídas essas organizações? Já entendeu o que mobiliza essa juventude? Já parou para conversar com os jovens desses coletivos ou “dialoga” apenas com as lideranças? O que tem ocorrido com frequência é a captação das lideranças desses movimentos e coletivos, mas não são vistos esforços para ganhar o conjunto dos coletivos e movimentos. A ideia que parece ser colocada em prática é a de que se trouxermos os líderes, os outros membros vêm a reboque. Essa atitude desprestigia os outros membros (não estou falando de ego), não valoriza o conjunto das organizações juvenis da quebrada e pode criar cisões profundas nesses coletivos. 

Tem sido muito importante ver a juventude da quebrada em movimento e em lutas que reivindicam as pautas da nossa classe, mas o questionamento é: como está sendo construída essa participação? Os coletivos estão lá conscientemente ou só porque seus líderes foram captados? Ao nosso ver, parece que nossa esquerda ainda baila sob a sonoridade dos grandes líderes que arrastavam multidões, se esquecem que são as multidões mais importantes que seus líderes. Não foi Lenin quem fez a Revolução Russa, mas sim a multidão que estava nas ruas, nos fronts lutando para derrubar o czar. Mas do que ganhar as lideranças juvenis das organizações das quebradas, devemos nos esforçar para ganharmos as bases dessas organizações. Isto deve ser feito de modo que se preserve a autonomia destas organizações, desses jovens que, no cotidiano da periferia, se organiza para fazer cultura, por direitos básicos… 

O que temos observado nessa relação entre movimentos juvenis da quebrada e a esquerda brasileira é a criação de movimentos e coletivos fisiológicos, sem inserção na quebrada, onde o que vale é postar uma foto nas redes sociais, sem, no entanto, expressar a realidade dessa relação. Os movimentos juvenis da periferia não foram/são construídos para ser massa de manobra da esquerda (nem da direita), pois estes se forjaram em contextos e lutas específicas que os colocam em um lugar social que a esquerda brasileira quer se apresentar como redentora, não valorizando e desconhecendo a história, a luta, as conquistas… o que vale é ter um membro destes coletivos e movimentos em seus quadros para posar e dizer que existe um trabalho sendo realizado na quebrada.

A juventude da periferia brasileira tem que ter voz ativa e sua ação compreendida pela esquerda e não ser moldada como massinha para agradar meia dúzia de intelectuais que não sabem o que é viver na periferia do Brasil.

Marcado como:
periferia / rap