Aumento da incerteza, queda nas bolsas: o risco de uma pandemia de uma infecção respiratória grave causada por um Coronavírus identificado na China, hoje maior mercado mundial para commodities e produtos manufaturados, eleva a tensão nos mercados mundiais e reduz previsões de crescimento da economia mundo afora.
Infecções respiratórias são o pesadelo dos sanitaristas: usualmente de fácil transmissão, o controle de surtos e epidemias requer ações que implicam muitas vezes em mudanças de hábitos do dia-a-dia de populações inteiras, e têm alto potencial de produzir apreensão.
No caso do Coronavírus chinês, as medidas de proteção não se diferem das relacionadas às preconizadas para outras doenças respiratórias:
– definição de caso suspeito e caso confirmado;
– tratamento dos casos graves com as tecnologias disponíveis;
– ampliação do sistema de vigilância para a identificação rápida e bloqueio de casos;
– atualização em tempo real das informações sobre o comportamento da epidemia;
– pesquisa de meios de proteção coletivos (usualmente vacinas) para controle definitivo do vírus.
– lavagem de mãos, cuidado com secreções respiratórias, uso de proteção individual, cuidado com alimentos crus e mal cozidos.
Para isso funcionar, o que se requer?
Primeiro, e fundamental, conhecimento científico. É necessário haver instituições confiáveis e reconhecidas pela comunidade que sejam capazes de produzir informações a serem disseminadas e seguidas, com autoridade sanitária. Num tempo de Fake News, boatos e informações falsas são comuns e podem gerar pânico coletivo, medidas ineficazes e até situações de violência e discriminação. Essas instituições não são criadas nas crises, seu trabalho é permanente e deve ser capaz de se articular em rede com instituições de todo o mundo e, também, de todo o território de atuação.
Segundo, a capilaridade. Uma epidemia viral com transmissão respiratória pode surgir em qualquer lugar. Havendo um sistema de saúde capaz de promover atenção no conjunto do território, com profissionais capacitados, integrados em rede, com funcionamento hierarquizado, com sistemas de retaguarda para casos graves, com tecnologia (meios de transporte, equipamentos de segurança individual, leitos com equipamentos para suporte de vida, medicamentos e insumos) distribuída e acessível é necessário para salvar vidas.
Terceiro, a autoridade sanitária. Numa epidemia, cabe ao Estado, respaldado pelo conhecimento científico, estabelecer normas que permitam reduzir o impacto e mitigar os riscos de morte e de dano permanente à população. Há medidas que podem gerar forte impacto econômico, como a restrição à circulação de pessoas e de bens de consumo, que, num espaço democrático, devem ser tomadas pelo Estado e implementadas em tempo adequado.
No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) possibilita essas ações. No entanto, se enfraquecido, com territórios descobertos pela falta de profissionais, com instituições de pesquisa inoperantes pela falta de financiamento e restrições obscurantistas à linhas de investigação, com redução de fomento à pesquisa básica, com governos desestimulando medidas básicas de controle como uso de vacinas e pondo em questão, inclusive, meios simples de proteção como uso de preservativos, o SUS se torna menos capaz de responder.
Para exemplificar: hoje, os hospitais universitários e institutos de infectologia, como o Emilio Ribas, em São Paulo, e o São Sebastião, no Rio de Janeiro, se encontram esfacelados. A rede de atenção primária, porta preferencial de acesso da população aos serviços de saúde, se encontra desorganizada, com poucos médicos e outros profissionais e não acessível facilmente em áreas remotas e periferias de grandes centros. Os laboratórios de saúde pública se encontram em restrição orçamentária severa, pelo teto de gastos, ou mesmo foram extintos. Os leitos de terapia intensiva, via de regra, se encontram inacessíveis em tempo adequado até mesmo na saúde privada, e em quantidade insuficiente.
Nessa hora, o “Mercado” precisa do Estado. Precisa do SUS. Sem o SUS, sem o Estado, as bolsas cairão mais, o crescimento diminuirá, a ciranda financeira irá abandonar as áreas afetadas que se tornarão zona de exclusão.
No Brasil, a vacina para esse desastre responde por três letras: SUS.
*Carlos Vasconcellos é médico de Família e Comunidade, médico sanitarista e militante do SUS
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