O túmulo do músico chileno Victor Jara, no Cemitério Geral, em Santiago, foi atacado na semana passada. Na noite do dia 16, o grupo de extrema direita Brigada Lobo 1109 postou em sua conta do twitter fotos do túmulo pichado com a frase “no hay manos”. O ataque foi imediatamente repudiado nas redes sociais, inclusive por setores da direita chilena, que condenaram o vandalismo. O mesmo grupo já realizou recentemente ataques a outros monumentos, como o do ex-presidente Salvador Allende.
A frase escrita é uma referência direta a violência da qual Victor Jara foi vítima no Estádio Nacional, que hoje leva o seu nome. Ele foi preso no dia seguinte ao golpe, na universidade onde dava aula. Ao chegar ao estádio, o músico teve os ossos das mão esmagados pelas botas dos soldados e por golpes de fuzil, na frente de todos. O objetivo era que não pudesse mais compor. Mesmo assim, ele conseguiu escrever um poema, que foi preservado por outros presos. “Somos cinco mil aquí/ en esta pequeña parte de la ciudad/ (…) Seis de los nuestros se perdieron/ en el espacio de las estrellas./ Uno muerto, un golpeado como jamás creí/ se podría golpear a un ser humano./ Los otros cuatro quisieron quitarse/ todos los temores, / uno saltando al vacío,/ otro golpeándose la cabeza contra un muro/ pero todos con la mirada fija en la muerte./ ¡Qué espanto produce el rostro del fascismo!”.
Os militares chilenos não se contentaram em esmagar as mãos de Jara e de torturá-lo. Cinco dias depois, fuzilaram o cantor e deixaram seu corpo em uma região pobre de cidade. Jara foi um dos principais nomes do movimento Canção Nova, cujas músicas tornaram-se símbolo da luta do povo chileno por transformações sociais. Depois de morto, suas canções foram gravadas em todo o mundo, e viraram sinônimo da resistência aos crimes da ditadura de Pinochet. Também foi militante do Partido Comunista chileno e secretário de Cultura do governo de Allende.
Os ataques da Brigada Lobo, que é acusada de possuir carabineros (policiais) entre seus integrantes, fazem parte da tentativa da extrema direita chilena de disputar a memória do período da ditadura militar. Setores da direita chegaram a lançar uma campanha para que o Museu de Direitos Humanos exibissem “os dois lados da história” sobre a ditadura, ou seja, que reproduzisse as mentiras dos generais e torturadores.
No entanto, ao contrário do Brasil, onde a direita e os militares convenceram parte da população de que a ditadura foi necessária, no Chile a memória política sobre os crimes do período está bastante viva. Os jovens manifestantes que perdem a visão com as balas dos “pacos”, associam, corretamente, o presidente Sebastian Piñera ao general Pinochet e se apresentam como “os netos daqueles que vocês não conseguiram matar [na ditadura]”. A exigência de uma Constituinte, um dos principais eixos dos protestos, significa também a conclusão de uma transição que não foi feita, pois o país ainda vive com uma Constituição escrita pelo general Augusto Pinochet. Em dezembro, ao vivo, uma apresentadora de TV expulsou um dos convidados de um programa de debates, depois que ele relativizou os crimes dos militares. Definitivamente, não será fácil para a direita chilena revisar a história.
Concerto de desagravo
mulher cantando uma das músicas da época da ditadura, de Violeta Parra, da janela de um dos prédios. A Biblioteca Nacional e outros espaços receberam um concerto com músicas de Jara, ao ar livre, que foram verdadeiros atos contra o governo.
As músicas de Jara e de outros artistas da Cancão Nova têm embalado os protestos que sacodem o país há três meses, ao lado de novas músicas de protesto, como o rap. Durante o toque de recolher, em outubro, ficou famoso o vídeo de umaNo sábado, dia 25, um novo concerto será feito. Desta vez no Cemitério Geral, no túmulo de Jara, em repúdio ao ataque. O evento de desagravo está sendo convocado pela internet, por organizações sociais e coletivos de cultura. Na internet, o convite anuncia as 12 músicas que serão cantadas, começando por Te recuerdo Amanda, a mais famosa de Jara, e incluindo El Derecho de vivir en paz, que embala esta nova onda de protestos e nunca pareceu tão atual.
A provocação da extrema direita chilena – assim como o vídeo do ex-secretário de Cultura do governo Bolsonaro – apenas demonstram como o neofascismo não abre mão de atacar os artistas, pois sabem como a cultura resiste a toda forma de autoritarismo e tentativa de impôr mordaças e normatizar a arte.
* Com informações de El Universal, Prensa Latina, Chile Okulto e do site memórias da ditadura
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