Mais um ano se inicia e as lutas que virão pela frente não serão poucas. O nosso campo, a esquerda, cometeu uma série de equívocos, para não falar erros, ao desconsiderar o papel da periferia no processo de transformação da realidade. Essa autocrítica merece ser feita e reconhecida. Até tentamos incorporar a periferia nas lutas, mas não o fizemos de maneira orgânica, não consideramos este setor como protagonista, mas sim como algo secundário ou terciário. Essa prática fez com que as organizações da periferia brasileira, a medida que as lutas se manifestassem, fossem apenas elementos alegóricos para autoproclamações de partidos. Isso também pode explicar a ausência da massa periférica na luta contra o golpe e a votação que setores conservadores tiveram nas últimas eleições.
A periferia, para além de um território precarizado pela ausência de políticas públicas, é território fruto de lutas e de luta. Ser sujeito periférico e se auto-reconhecer como tal traz consigo toda historicidade que esses lugares possuem. A mera incorporação de sujeitos periféricos no quadro das organizações da esquerda brasileira não significou a elaboração de programas para a periferia elaborados pela própria periferia, ou seja, tem sido comum, na esquerda brasileira, pensar a periferia a partir das escrivaninhas de nossos intelectuais que em sua maioria não sentem na pele os percalços do que é viver na periferia. Aqui surge uma das tarefas para a nossa esquerda: organizar a quebrada a partir das pautas que mobilizam a quebrada e nesse processo de luta por condições mínimas de sobrevivência nos educarmos ligando essas pautas mínimas a nossa estratégia de transformação radical da sociedade.
Com a ascensão de Bolsonaro a Presidência da República a periferia tem sido alvo do endurecimento das políticas de repressão, do sucateamento dos serviços públicos e da retirada de direitos. Isso não é nenhuma novidade, o que pode ser novo nesse momento é a forma como o nosso campo pode avançar com a incorporação dos sujeitos e organizações da periferia nessa luta. Não tenho uma fórmula de como isso deve ser feito, mas tenho a certeza que o afastamento desse setor não é o caminho. A esquerda brasileira para enfrentar o obscurantismo do atual desgoverno deve se atentar para as ações que a quebrada já tem realizado, valorizando o protagonismo da quebrada, não dá mais para a quebrada ficar só ouvindo os intelectuais da esquerda, é chegado o momento da esquerda ouvir os gritos dos intelectuais orgânicos forjados nas lutas que a quebrada enfrenta, mas não ouvir de qualquer, a quebrada se organiza sem saber o que é um partido leninista, basta vê como tem sido o enfrentamento das favelas as políticas de segurança pública que transforma nosso lugar em rios de sangue. Sabemos nos organizar, sempre soubemos, mas o que tem ocorrido é que na visão da esquerda nossa forma de organização não respondem aos anseios e formas que foram construídas sem nossa presença.
A quebrada sempre foi lugar de resistência e em 2020 não será diferente: a quebrada vai seguir na trincheira resistindo. Contudo, nossa resistência deve ser colocada como central, pois aqui nas ruas de terras, nos barracos de maderite e palafitas é que o bicho pega, é aqui que sentimos o que é a perda de direito, é aqui que a polícia mata, é aqui que falta escola, é aqui o salário mínimo é sonho, enfim, aqui se manifesta todas as políticas anti-classe trabalhadora do governo e é por isso que a quebrada deve ser a resistência, que a esquerda deve priorizar a organização da periferia, pois sem os sujeitos dos morros ocuparem as ruas não tem como derrotar o governo miliciano, por isso afirmo: a quebrada é e deve continuar sendo a resistência.
* Mano Magrão é Mc e professor de História.
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