Num artigo1 muito recente, os cientistas Carlos Nobre e Thomas Lovejoy alertam para o perigo iminente do colapso da floresta Amazónia e a sua rápida transformação numa savana seca. No artigo intitulado “Ponto de Inflexão da Amazónia: última oportunidade para agir” os investigadores afirmam que “o ponto de inflexão é aqui, é agora”.
A expressão “ponto de inflexão” – em inglês tipping point – é uma versão mais cuidadosa da expressão “ponto de não-retorno”. Refere-se, no contexto das alterações climáticas, ao momento a partir do qual o colapso de um ecossistema, ou do conjunto do sistema terrestre, já não pode ser evitado mesmo com o fim absoluto de todas as causas que originaram o esse mesmo colapso. Isto acontece assim porque os sistemas terrestres são complexos, feitos de inúmeras dinâmicas vivas que se cruzam e alimentam entre si e que não podem ser totalmente controladas pelo ser humano. Isso faz com que a progressiva degradação de um ecossistema causada pela ação humana atinge, a dado momento, um ponto qualitativo em que mesmo que a ação humana cesse a degradação vai continuar pois já foram engendradas forças incontroláveis nesse sentido, independentes da ação humana. Por exemplo, o IPCC2 calcula que o ponto de inflexão da crise climática global se dará quando (ou se) atingirmos o aumento global da temperatura média de 1.5º face ao período pré-industrial. A partir desse momento, mesmo que cesse toda a queima de combustíveis fósseis, o efeito de estufa e o aquecimento global já desataram efeitos como o degelo dos polos, a libertação do permafrost3 ou a perda da biodiversidade que irão, mesmo sem ajuda humana, continuar a aquecer o planeta por milhões de anos com efeitos imprevisíveis. A isto chamamos mecanismos de “feedback positivo” ou seja, mecanismos em que o aquecimento gera mais aquecimento. Ou no caso da Amazónia, em que desflorestação gera mais desflorestação.
Também a Amazónia tem um ponto de inflexão, a partir do qual a desflorestação e a seca tornam a floresta pasto para incêndios, levando ao colapso da floresta e a sua transformação em uma savana. Segundo Carlos Nobre e Thomas Lovejoy, a maior floresta do mundo aproximou-se perigosamente desse momento – estamos precisamente a vivê-lo, alertam os cientistas. Baseados num estudo recente da NASA, Nobre e Lovejoy afirmam que estamos a ver os primeiros mecanismos de “feedback positivo” – “o que previmos está agora a acontecer na vida real. Não se trata mais de uma previsão teórica sobre o futuro”. Há cerca de um ano, os dois investigadores, publicaram uma análise que atualizava o chamado “ponto de inflexão” ou de “não retorno” do colapso amazónico. Se até 2007 os investigadores pensavam que seria necessário um desmatamento de 40% da Amazónia para atingir esse patamar, agora atualizaram esse valor para 20-25%. Hoje o desmatamento atinge já os 17%, 20% se tivermos em conta apenas a Amazónia brasileira.
O que se está a passar é que, com as sucessivas secas, as espécies de plantas adaptadas a climas húmidas estão desaparecer rapidamente e, em seu lugar, estão a proliferar aquelas mais adaptadas a climas secos. A forma como este ano os fogos florestais proliferaram tem certamente a ver com uma ação conjugada do agronegócio, apoiada pelo Governo Bolsonaro. Mas a forma como alastraram é em grande medida explicada por esta mudança na natureza da Amazónia. Segundo Carlos Nobre, a amazónia se não for perturbada é “quase impenetrável” pelos fogos. O aumento dos fogos, por sua vez, acelera a substituição das espécies húmidas pelas secas, aumentando assim o risco de novos incêndios. Trata-se assim de um efeito cumulativo e que se acelera, levando rapidamente a maior floresta tropical do planeta à beira do ponto em que não há retorno. Só o colapso.
Derrotar a política de Bolsonaro para salvar a Amazónia
Um eventual colapso da grande floresta húmida carretaria resultados catastróficos para o Brasil, a América Latina e o mundo: “um súbito colapso na biodiversidade, a liberação de grandes quantidades de carbono na atmosfera devido à morte das árvores (tornando o objectivo do Acordo de Paris de limitar aquecimento a 1,5 graus impossível) e uma drástica viragem regional no ciclo natural da água – provavelmente impactando fortemente os aquíferos brasileiros, o agronegócio e o suprimento de água das principais áreas urbanas.” A nível continental os resultados, principalmente no acesso à água, seriam semelhantes, dado que grande parte dos aquíferos da América do Sul se origina nos Andes, em grande medida alimentados pela humidade que evapora da Amazónia. À escala global, a libertação de dióxido de carbono que o colapso amazónico acarreta, somado a perda de mais uma enorme área florestal essencial para mitigar o efeito de estufa, significaria um grande passo em frente em direção ao precipício climático.
Temos por isso muito pouco tempo. Mas ainda temos tempo. O colapso amazónico e o caos climático global não são inevitáveis. Podem e devem ser travados por ação coletiva e revolucionária dos povos do mundo – sobretudo dos mais explorados e oprimidos, que são aqueles que mais estão a sofrer com a crise do clima. O perigo maior tem nome e sobrenome e pode e deve ser derrotado. Chama-se Jair Bolsonaro. Ele é a prova de que o negaciosmo climático dos neofascistas é uma ameaça enorme para o futuro da humanidade.
“Bolsonaro não está prestando atenção a isto e está completamente alinhado com os negacionistas das alterações climáticas”, diz Monica deBolle, economista do Instituto Peterson de Economia Internacional. Segundo o Observatório do Clima, a taxa de desmatamento em 2018-19 foi a maior da década, em particular nos territórios indígenas, onde aumento foi r4 65%. O ataque aos povos indígenas e os cortes no Orçamento do IBAMA, organismo responsável por monitorizar e combater os fogos florestais, não são apenas uma política que defende os interesses dos madeireiros e do agronegócio em detrimento dos povos indígenas. É um crime contra a humanidade e o planeta que recairá em primeiro ligar sobre os mais pobres, os trabalhadores e agricultores pobres.
Porém há soluções. O respeito e alargamento da demarcação de terras, assim como o reforço do IBAMA e dos meios de monitorização e combate aos fogos são essenciais. Nobre e Lovejoy propõem soluções: “A boa notícia é que podemos recuperar uma margem de segurança através de reflorestamento imediato, ativo e ambicioso, particularmente nas regiões desmatadas, que são grandes fazendas de gado e áreas de cultivo abandonadas, cerca de 23% do território florestal destruído”. Eles acrescentam que “o único caminho sensato a seguir é lançar um grande projeto de reflorestamento, especialmente no sul e leste da Amazônia, ações que poderiam fazer parte do Brasil implementando seus compromissos sob o Acordo de Paris”. Ainda que o Governo brasileiro seja essencial para isso, cabe aos países desenvolvidos, cujas grandes multinacionais e bancos financiaram os desmatamento da Amazónia, apoiar estas medidas com financiamento e tecnologia.
Por todo o mundo, jovens, trabalhadores e povos indígenas têm saído à rua, aos milhões para exigir aos Governos que tomem medidas para reverter o aquecimento global. A luta por justiça climática é luta de classes: uma luta dos trabalhadores e dos povos contra as grandes empresas que rapinam o planeta, os governos que as protegem e os bancos que as financiam. O neofascista Jair Bolsonaro está evidentemente nesse rol, num dos lugares cimeiros. Esta é só mais uma razão – mas não uma razão qualquer – para unir os trabalhadores e a esquerda para derrotar este Governo o quanto antes.
1 ; As principais informações e as citações que usamos têm este artigo como fonte, complementadas pelo seguinte artigo, que fala da mesma investigação de Carlos Nobre e Thomas Lovejoy.
2 O IPCC é o Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas, ligado à ONU;
3 O o permafrost é uma camada de matéria orgânica coberta pelos gelos polares, rica em metano. Exposto, o permafrost pode rapidamente libertar grandes quantidades de metano, um gás com 20 vezes mais efeito estufa que o dióxido de carbono.
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