Opinião: Brasil já transitou à barbárie
Publicado em: 4 de dezembro de 2019
A dicotomia entre barbárie x civilização não faz mais parte da realidade brasileira. Em um país com índices de assassinatos acima do de países em estado de guerra a política que se consolida neste ano é a da afirmação do Estado de exceção. O cenário é trágico e nada a curto prazo indica que isso se alterará, o país campeão de mortes praticadas pela polícia parece não ver limites para o banho de sangue, ao contrário, mira-se agora a construção de um verdadeiro rio de sanguinolência. Este texto não é uma constatação, nem um alerta, é um mero atestado. Com ele visamos apontar o que é viver em um estado de barbárie.
Em média o número de mortes praticadas pela polícia no Brasil beira a casa dos milhares, mas se somarmos a isso os casos que não são investigados e a ausência de um aparelho que iniba tal prática pela polícia, chegamos à conclusão que certamente o número é bem maior, aliado a essa prática existe a ideologia por trás que mascará e legitima tais assassinatos. E mesmo assim, este ano conseguimos bater o recorde por mortes policiais. Para exemplificar isso usaremos alguns casos que atestam o modo de operação onde policiais envolvidos em casos de assassinatos passam a alterar a cena do crime e impor uma versão fictícia de “atos de resistência” e “troca de tiros”.
Agosto de 2015, no dia 29 policiais registraram uma ocorrência seguida de morte no Morro da Providência. Na nota os policiais alegaram “alto de resistência” e que teriam sido recebidos a balas pelo “indivíduo”. Entretanto, moradores gravaram um vídeo onde mostram os policiais alterando a cena do crime, primeiro, colocando a arma nas mãos de Eduardo Felipe Santos, e em seguida, efetuando um disparo para simular a troca de tiros. O vídeo é estarrecedor. Ele mostra exatamente como é feito esse tipo de forjamento. Contudo, o mais estarrecedor é a notícia que em maio deste ano o juiz da 2ª Vara Criminal Daniel Werneck Cotta, absolveu e mandou soltar os policiais.
No mês de abril de 2019, outro vídeo vem à tona, mas agora no estado do Paraná. A mesma história: os polícias afirmaram troca de tiros e que o sujeito, Leandro Pires Cordeiro, que estava em uma moto, estaria armado. Contudo, as imagens gravadas pela concessionária do trecho da BR-277 desmentem a afirmação dos dois polícias que estavam no episódio. O vídeo é claro: os polícias atiraram nas costas de Leandro e depois plantaram uma pistola em suas mãos.
A medida que adentramos ao longo do ano os casos de assassinatos se aguçam e intensificam, demonstrando a profundidade e gravidade da situação. Lucas Eduardo Martins dos Santos, jovem de apenas 14 anos, negro e morador de periferia, desaparece na porta de sua casa após ser visto embarcar em uma viatura policial no último dia 12/11. Seu corpo é encontrado morto em plena represa Billings em Santo André (SP), no dia 15/11. Gustavo Xavier, 14 anos. Denys Quirino da Silva, 16. Marcos Paulo dos Santos, 16. Dennys dos Santos Franca, 16. Luara Victoria de Oliveira, 18. Gabriel de Moraes, 20. Eduardo Silva, 21. Bruno Gabriel dos Santos, 22. Mateus dos Santos Costa, 23. Esses são os nomes dos jovens assassinados na madrugada do último sábado (30/11) na favela de Paraisópolis. Os jovens curtiam um baile funk quando foram surpreendidos por uma ação da polícia militar. Suas vidas foram ceifadas, a princípio, por pisoteamento da multidão em pânico. Moradores afirmam que os choques entre a comunidade e a polícia se intensificaram desde a morte de um polícia na região, o que, na visão deles, acabou descambando em uma espécie de sentimento vingativo da polícia sobre a comunidade.
Todos esses casos são exemplos que se somam a outras centenas de casos, esses casos não têm solução, já que no Brasil o combate aos crimes cometidos pela polícia não é feito de forma real, ao contrário, existe o incentivo a tais práticas pelo Estado. A eleição de Jair Bolsonaro criou um tipo de “clima” que facilita a execução sumária, estamos diante de um verdadeiro estado de exceção. Não existe perspectiva de punição aos policiais assassinos e sim condecorações. A barbárie representada em Paraisópolis não é mais apenas um capítulo obscuro de nossa história, ela é a nossa própria história, uma história onde negros, pobres, favelados e todos os desvalidos são atacados violentamente por um tipo de aparelho de repressão que entrou numa nova lógica: a lógica da espetacularização.
Na esteira de Bolsonaro surgiu toda a sorte de vis oportunistas que vêm no rio de sangue feito pelas ações polícias uma oportunidade para se lambuzarem e pregarem uma “guerra aos bandidos”. No Rio de Janeiro a tragédia carioca parece não ter fim. Wilson Witzel, desconhecido há pouco menos de dois anos, tornou-se governador com o discurso de “atirar na cabeça”. Estarrecidos ficamos ao ver o governador pular de alegria após uma ação policial que acabou na morte de um sequestrador em plena ponte Rio-Niterói, não existem limites para Witzel, assim como não existem para João Dória em São Paulo, o governador milionário já flertou com o bolsonarismo mais radical e afirmou em campanha eleitoral que daria carta branca para a polícia paulista matar.
Não estamos mais em período eleitoral, mas a retórica da barbárie não se dissipou, comprovando que atravessamos uma fronteira, a fronteira do que era aceitável. A agitação fascista impulsionada por Bolsonaro contaminou todo o cenário político, agora a luta diária é pela manutenção mais básica de questões como a inviolabilidade da vida e da liberdade. Hoje a pauta do dia é explicar porque a polícia não pode matar! Ao mesmo tempo vemos hordas de pessoas rindo, aplaudindo, comemorando e pedindo mais mortes, mais assassinatos da polícia, um frenesi histérico tomou conta de uma parcela da população que se identificou com a política fascista. Todo este texto pode ser exemplificado e resumido em uma coisa: excludente de licitude.
A proposta de Bolsonaro que só é comparável com sociedades de caráter abertamente fascista, vai além, inclusive, do despudor da própria ditadura civil-militar! Essa proposta é apenas o verniz final de uma arquitetura de repressão que já está colocada, digo isso porque no Brasil existe uma lenda, a lenda de que a lei escrita se transforma em lei de fato. Não é preciso que o excludente de licitude seja votado para que ele seja implementado. A eleição de Bolsonaro já demonstra isso, tudo indica que a tragédia brasileira não se resume ao programa de Bolsonaro em si, mas aquilo que ele representa. Desde o primeiro dia estamos vendo o poder executivo conclamar abertamente a favor da violência policial, da postura belicista e do ataque armado. A agitação fascista feita por Bolsonaro já é em si o pior cenário que poderíamos ter, já que ela toca em quem tem uma arma na mão e pode decidir sobre a vida de alguém, isto é, a polícia.
Um cenário de tamanha catástrofe nos força a agir, é de suma importância que nossa política se foque na denúncia sistemática para a população que está na mira do tiro. Precisamos de uma aliança com os debaixo e contra todos aqueles que acham que é apenas através das eleições que iremos combater o fascismo galopante. Nossas tarefas são pregar o enfrentamento, violento se necessário. Além de conclamar uma aliança pela defesa da democracia que não seja um puxadinho para campanhas eleitorais e que seja propositiva e não apenas defensiva. Precisamos esgarçar as amarras do bolsonarismo até que a opinião pública perceba que a guerra é do Estado contra o povo. Que nossos mortos sirvam de catapulta à aurora da justiça revolucionária!
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