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Os Jacobinos negros e a Revolução no Haiti, a história que não nos contam

Gabriel Santos, de Maceió (AL)

No momento que estas linhas sobre o processo de independência do Haiti estão sendo escritas, os trabalhadores e as massas populares da ilha caribenha se levantam contra o presidente Moïse em uma revolta popular que já dura quatro meses.

O Haiti tem ao longo de sua história revoltas e lutas, além do fato de as mesmas terem inspirados processos de luta de negros e negras em todo o resto da América Latina. Aqui no Brasil, por exemplo, a Revolta dos Malês teve na Independência haitiana uma importante referência. O ex-presidente venezuelano Hugo Chávez costumava dizer que toda a “América Latina tem uma divida com o Haiti por conta de seus ensinamentos a nossos povos”.

A Revolução Haitiana

No século XVIII, a ilha de São Domingo estava dividida em duas partes. A primeira sob o controle colonial francês, e outra era de domínio espanhol. Esta última hoje se tornou a Republica Dominicana, enquanto aquela controlada pelos franceses mais tarde se tornou o que conhecemos como o Haiti.

A ilha teve os primeiros contatos com os europeus na primeira viagem feita por Colombo ao continente. Ao longo dos anos de dominação os nativos na parte colonizada pela França foram completamente dizimados.

Nos anos de 1780, quando se tem início o processo de independência, 500 mil escravos negros habitavam a ilha. Esses negros que foram arrancados de seus países, trazidos acorrentados para o outro lado do oceano, e sendo forçados a trabalhar diante da morte e dos chicotes até a completa exaustão de suas forças físicas, eram mantidos sob a escravidão por cerca de 30 mil brancos. O regime escravista na ilha de São Domingo era um dos mais lucrativos em todo o Caribe. Da ilha vinha 40% de toda produção de açúcar do mundo. 

Em São Domingo a violência era tamanha que os brancos dono de escravos chegavam a enterrar vivos e de pé aqueles escravos que eram “indisciplinados”, deixando apenas a cabeça de fora para que a morte fosse um processo agonizante e estes tivessem o rosto devorado por abutres e outros animais. Enquanto isso, na França, em nome da Liberdade, Fraternidade e Igualdade, ocorria a Revolução Francesa, que marcava a passagem de domínio do poder político para a nova classe dominante e a derrocada do absolutismo monárquico.

Após a constituição da Convenção de Paris, foi proclamada a libertação de todos os escravos nas colônias francesas, algo que encontrou resistência em se efetuar na prática, por conta da negação das elites brancas locais em libertar os negros mantidos em estado de escravidão. Imediatamente se iniciou um movimento de rebelião dos negros do lado francês da ilha de São Domingos. Aquilo que começou em 1791 como uma revolta de escravos contra a situação que estavam sendo forçados, se tornou o início do processo de independência da região.

Os milhares de negros que habitavam a ilha passaram a abandonar as plantações, destruíram engenhos e a matar os brancos que usufruíam e o mantinham em estado de escravidão. Instaurava-se uma situação caótica e de guerra. O movimento de libertação inicialmente não tinha nenhuma liderança. Somente em 1794, Toussaint L’Ouverture passar a organizar um exército rebelde no combate aos brancos senhores de escravos.

Toussaint era um escravo instruído, sabia ler e falar o francês culto, se formou militarmente através da leitura de escritos do general romano Júlio César, o que o ajudou a elaborar formas de combate e destacamentos militares superiores aos que os negros da ilha utilizavam até então, fortalecendo o movimento rebelde. Na liderança das tropas estavam ex-escravos como Dessalines, Henri Chirstophe, Pétion e Moïse. A história da luta pela independência do Haiti passa então a se misturar com as ações e decisões desta figura que foi Toussaint. 

Em 1801 se construiu uma nova Constituição na ilha, abolindo a escravidão e declarando todos os habitantes da mesma como iguais perante a lei. Apesar disso, Toussaint não avançou em alguns pontos. Os engenhos e fazendas, por exemplo, ficaram nas mãos de seus antigos donos. A elite branca que dominava o país durante a escravidão, continuou exercendo o controle após a abolição. Isto gerou um sentimento de revolta em muitos, pois, tinham que continuar trabalhando para aqueles que antes os escravizavam.

Na França, aqueles setores que continuavam a defender a liberdade, a fraternidade e a igualdade, sofriam uma feroz repressão. A guilhotina decepava a cabeça dos jacobinos em Paris. Napoleão Bonaparte assumia o poder e planejava abolir o decreto da Convenção de Paris e restaurar a escravidão nas colônias para com o lucro financiar seu exército. Para impedir novas ações dos negros revoltosos em São Domingos e buscar reestabelecer domínio total Francês, Napoleão envia ainda em 1801 seu cunhado e general Charles Leclerc e outros 25 mil homens para a ilha caribenha.

Os franceses da ilha se juntaram ao exército de Napoleão, e o número das tropas se tornou quase 40 mil homens. Estava iniciada uma guerra sangrenta, que marcaria ou a independência da ilha de São Domingos, ou a volta do cruel momento de escravidão e um banho de sangue que acabaria com os rebeldes.

O exército negro liderado por Toussaint e Dessalines lutava com uma determinação e coragem que as tropas francesas jamais haviam visto. E apesar de terem bem menos poder de fogo, conseguiram alinhar audácia, vontade de ser livre, convicção e ideias que por ironia do destino surgiram organizados na própria França. As tropas de Toussaint eram herdeiras diretas dos ideiais de liberdade, igualdade e fraternidade que derrubaram a Bastilha em 1789. Foram os negros de São Domingos que mantinham vivo o espírito revolucionário dos jacobinos.

Apesar de Toussaint ter sido capturado por tropas francesas um ano após o inicio do confronto. A rebelião negra em São Domingos conseguiu sair vitoriosa e expulsar da ilha o exército francês que foi completamente dizimado, assim como praticamente toda população branca da ilha, que ou morreu em confronto, ou foi alvo das ações revolucionárias por conta dos crimes durante a escravidão.

Dois anos após última invasão francesa, a Declaração da Independência foi lida pelos revolucionários negros no dia 31 de dezembro, e o novo Estado recebeu a dominação indígena de Haiti (terra das altas montanhas).

Dessalines se tornou o primeiro chefe de Estado haitiano, sendo coroado imperador em outubro de 1804. Os negros da ilha se viram definitivamente livres do trabalho escravo nas plantações de cana e nos engenhos de açúcar.

Fruto da guerra, a economia da ilha foi completamente destruída, e após a independência passou a se dedicar a economia de subsistência. Após a independência os ataques externos continuaram, porém de outra forma. Insatisfeitos com a derrota na guerra, a França articula junto dos Estados Unidos um bloqueio econômico a ilha que dura 60 anos. Era um campo de batalha no qual a ilha caribenha estava destinada a perder. Como fim do bloqueio o Haiti teve que pagar uma “divida” com a França de 150 milhões de francos, que eram exigidos pelos franceses como uma indenização por conta das terras dos antigos senhores de engenho. Os anos seguintes foram de conflitos internos, interferência norte-americana, chegando inclusive a ocupação militar no início do século XX.

A luta negra no Haiti, sua independência, e sua revolução, foram atos extraordinários de grandeza que não têm a história e a memória que merecem. Os revolucionários negros da ilha de São Domingos, que mais tarde por conta de defenderem os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, passaram a ser conhecidos como Jacobinos negros, merecem ser lembrados. A luta deles faz parte da luta do nosso povo e do nosso continente. Que os Jacobinos negros nos inspirem: é possível lutar e é possível vencer.

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Haiti