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BRASIL

Bolsonaro e Marielle: a obviedade insuportável da situação política brasileira

Carolina Freitas, de São Paulo, SP
Antonio Cruz /Agência Brasil

O símbolo maior da situação política brasileira, o possível envolvimento da família Bolsonaro com a execução planejada de Marielle, é insuportável. É uma ideia tão óbvia quanto repulsiva, e parece ser essa mobilização de reações emocionais que faz alguns exigirem tanta cautela e “prudência” nas denúncias baseadas nas evidências que vão aparecendo. A negação é um sentimento humano de proteção e, nesse caso, negar esse roteiro banal e mal feito de filme de segunda linha como realidade, tão forjada em meio a conspirações torpes já descobertas, pode dar alguma falsa sensação de proteção.

Embora todo tipo de ligação dos Bolsonaros com os assassinos esteja comprovado – casas vizinhas, namoro entre filhos, fotos em redes sociais, benesses como emprego em mandatos, passaportes diplomáticos, homenagens oficiais –, fato é que a ligação com o assassinato ainda não está. Não saberemos se estará um dia. O trabalhador do condomínio, que foi ameaçado publicamente por Sergio Moro e sabe-se lá por quem nos bastidores, deve temer pela sua vida e a de sua família (agora mais vulnerável depois da reportagem vil da revista Veja revelando sua identidade, seu endereço e seu cotidiano familiar). Esse porteiro “mudou” sua versão. Há uma mobilização das principais instituições do país para coagir um trabalhador e ninguém na imprensa achou estranha a mudança do relato.

O ato falho no piti audiovisual da Arábia Saudita – “Não vão sossegar enquanto não prenderem um filho meu” quando ninguém tinha aventado a ligação com Carlos – e o sumiço do próprio das redes sociais que eram alimento único de sua existência – são outros anúncios insuportáveis da trama.

Alguns jornalistas sugeriram uma provável motivação de Carlos. Briga na Câmara de Vereadores quando seus gabinetes dividiam o mesmo corredor. Mas, vejam, se há algo mais angustiante do que a ligação direta da família com o assassinato, é o fato de não precisarem de qualquer motivação. Pelo menos não das motivações do repertório investigativo que aprendemos nas séries policiais ruins de TV. Não dos interesses mafiosos nas tramas cariocas do poder por dinheiro ou posição. O nome dessa história é ANIQUILAÇÃO DOS INIMIGOS. Essa é a máxima histórica dessa turma. A isso eles vieram. Ninguém, sabemos, condensava tantos inimigos da neurose fascista como o corpo e a vida da nossa companheira.

Bolsonaro só poderá ser derrotado no dia em que houver verdade e justiça para e por Marielle. Isso transcende investigações, inquéritos, condenações, penas, competências jurisdicionais. Não devemos depositar na Polícia Civil do Rio de Janeiro, ou no Ministério Público, ou em qualquer outra instituição de um regime carcomido pelos tentáculos da extrema-direita – saída diretamente dos porões para as poltronas oficiais – o desfecho dessa saga trágica.

O único desfecho possível só reside na cova do fascismo, um mal que deve instar todos nós à luta. Sim, é duro, perturbador, mas devemos combater a obviedade insuportável que bordeja os noticiários. Nossa justiça – não a deles – só será twittada depois de finalmente realizada nas ruas.