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MUNDO

Wiphala, a bandeira símbolo da união das nações andinas

Gabriel Santos, de Cândido Rondon (AL)

“Essa Wiphala se respeita, irmão, se respeita” 
Mulher indígena em entrevista durante ato contra o Golpe

 

A situação política na América Latina tem destacado um aspecto central, que é a importância da herança e do legado dos povos e nações originárias de nosso continente. No Equador a vanguarda linha de frente dos protestos foram os indígenas e a CONAIE. No Chile a destruição de monumentos em homenagem aos colonizadores, a presença constante de bandeiras mapuches, que acabaram se tornando uma espécie de símbolo das manifestações, e a histórica foto dos manifestantes erguendo a mesma na praça Itália.

Agora, na Bolívia, um Estado Plurinacional que teve o primeiro presidente indígena na história da região, a questão dos povos originários toma nova centralidade. Após o Golpe de Estado no país, o racismo dos golpistas ficou escancarado, com destruição de diversas bandeiras Wiphalas e com vídeos das mesmas sendo queimadas viralizando nas redes sociais.

A resposta contra o Golpe veio na mesma medida. Milhares de indígenas, camponeses, mineiros, marcharam com a Wiphala na mão. A bandeira se tornou o símbolo de resistência contra o Golpe, na defesa da democracia e dos direitos do povo de nosso país vizinho.

Sua importância para os povos andinos

Ela pode ser vista no Equador, mas também a muitos quilômetros dali, no Peru. No norte da Argentina e no Sul do Chile sua presença também será notada. Na Bolívia é hasteada ao lado da nacional. Ultrapassando fronteiras, resistindo ao tempo, e se enchendo de ressignificados, a Wiphala tremula de norte a sul da cordilheira dos Andes, e é um símbolo de união a todos povos originários andinos e toda a América Latina.

A Wiphala é mais que uma bandeira e o emblema na nação andina. Ela é um símbolo sagrado para diversos povos. É a representação material de sua filosofia e doutrina da Pachakama (início, fim Universal), e da Pachamama (cosmos), que constituem de forma harmônica os cosmos, o tempo, a energia, e o planeta, de modo que se expressam na Wiphala a partir da noção da totalidade.

Formada por 49 quadrados coloridos, um xadrez pintado a sete cores, separados por uma faixa de quadrados brancos, cortando a bandeira na diagonal e marcando a distribuição da mesma pelas demais cores que deslizam pelo pano. A Wiphala tem sua origem incerta, mas o padrão xadrez da mesma foi encontrado em diversos tecidos, pinturas e cerâmicas de povos anteriores aos Incas.

A gravura da bandeira, é também uma espécie de representação dos quatro pontos cardeais, em uma metáfora sobre a compreensão do espaço geográfico. A Wiphala tem significados ligados a natureza, ao tempo a relação com o divino e ao sistema filosófico e político andino.

A faixa de sete quadrados brancos, além demarcar a divisão da bandeira e sua divisão em cores, representa também a diversidade geográfica e étnica dos Andes, simbolizando aquilo que seriam as Suyus (regiões). Essa faixa central na Wiphala marca também o princípio da dualidade e da complementaridade dos opostos, servindo como ponto de junção entre lados opostos. A filosofia dos antigas nações andinas eram marcadas pela junção de seres opostos que acabam se complementando, como o ser humano e a natureza, assim como as constantes transformações e embates entre estes.

A representação dessa filosofia em uma bandeira, apesar de ser incerta sua origem, vem do fato dos quadros lados da Wiphala serem os quatro festivais que marcam as quatro estações do calendário do povo aimará, assim como os quatro personagens míticos de sua cultura.

Suas cores e seus significados

O significado do nome da bandeira não é um consenso. Alguns historiadores afirmam que vem da língua falada pelos aimarás, sendo a junção das palavras eiphay e phalax, que seriam alegria e sonho. Para outros, ela significa objeto flexível, ondulante e quadriculado.

A Wiphala surge como representação da paz, da unidade, da solidariedade, e da harmonia, entre as diferentes etnias no interior do Império Inca. O desenho feito de forma simétrica busca mostrar a igualdade criada por esses povos, rejeitando o individualismo, por exemplo.

Acredita-se ainda que surgiu para ser usada em festividades de acordo com o calendário agrícola. Mas após a chegada dos espanhóis ela se tornou em um símbolo de guerra. Os colonizadores usavam estandartes vermelhos e outros que além da cor traziam também símbolos cristãos. Para enfrentá-los em confronto, os Incas passaram a organizar seus exércitos e na frente deles a Wiphala era orgulhosamente levantada e erguida.

Após a colonização espanhola, a bandeira Wiphala foi proibida por todo o território dominado nos Andes.

Após a colonização espanhola, a bandeira Wiphala foi proibida por todo o território dominado nos Andes. Aqueles que as carregassem em público eram perseguidos, e as que eram vistas eram queimadas pelos europeus. Apesar de todo o perigo que representava usá-la, povos indígenas continuam a mantê-la na clandestinidade como um símbolo de resistência.

Na Guerra Civil Boliviana em 1899, o indígena Pablo Zárate Villca, comandou uma rebelião do povo aimará que levavam orgulhosamente a Wiphala. Assim como no século anterior, nos fins dos anos 1780, o líder indígena da mesma etnia, Tupac Katari organizou uma revolta popular em Alto Peru contra os espanhóis. Nos dias atuais, a Wiphala ressurge, durante os anos 70 do século XX, durante as mobilizações camponesas e o sindicalismo indígena na Bolívia.

Hoje, a Wiphala tem sua versão com 49 quadrados coloridos e as sete cores do arco-íris, cada uma delas possuindo um significado. O vermelho representa a terra. O laranja a sociedade e a cultura. O amarelo a energia, a força e a expressão da moral do andino. O branco é o tempo e o desenvolvimento através deste. O verde é a economia e a riqueza naturais do andes, tratado aqui como indivisíveis. O azul é o espaço cósmico, os fenômenos naturais, as estrelas. O violeta por fim, representa a política e a ideologia do poder comunitário.

A Wiphala como símbolo do Estado Plurinacional na Bolívia

A chegada de Evo Morales ao poder em 2005 marcou a primeira vez que no continente um presidente tinha origem indígena. Evo é fruto do sindicalismo e movimento camponês dos anos 70 no país. Sua eleição é fruto e representação do movimento popular liderado por estes setores que sacudiu o país no início do século XXI.

Evo e o MAS (Movimento Al Socialismo) buscaram ter uma visão de conquista pacífica das instituições do Estado. A partir de uma mistura de determinadas leituras de Lênin pré-Fevereiro, com Rosa Luxemburgo e Gramsci, se buscou construir uma via boliviana ao socialismo, ampliando a democracia e constituindo uma espécie de Governo Operário e Camponês. Álvaro García Linera, um dos principais intelectuais do continente, e vice-presidente do país, representa bem a escolha por esse caminho de conquista e construção do que seria um Poder Popular. Não cabe aqui fazer as críticas e apontar os limites desta visão, mas a existência do Golpe aponta na história o fim trágico e a impossibilidade dessa experiência se prolongar sem medidas anticapitalistas que toquem no controle da propriedade privada.

Apesar dos limites, o governo Evo trouxe inúmeros avanços para a Bolívia, antes o país mais pobre da América do Sul, e hoje aquele com melhor economia. Avanços em todas as áreas sociais, melhoria do PIB, redução da pobreza, entre muitas coisas. Porém, um dos grandes avanços do processo boliviano foi a construção do Estado Plurinacional.

Em 2009 uma nova Constituição foi feita no país, reconhecendo o pluralismo cultural, político, jurídico e econômico. Admitindo nações autônomas, com suas próprias leis, tribunais populares, e incentivando a construção dos mesmos, além da incorporação no governo central de medidas e representantes destas nações.

Desde então a Wiphala passou a ser hasteado ao lado da tradicional bandeira nacional em edifícios públicos, atos cívicos e oficiais. Ela passou a ser um dos símbolos do Estado, ao lado da antiga bandeira, do hino, do escudo de armas, e da flor kantuta (típica dos Andes) e do patujú.

O ódio expresso a Wiphala por parte da elite e da direita boliviana é a expressão do preconceito e do ódio aos povos indígenas e dos avanços que estes tiveram durante os últimos anos. A elite boliviana tem o espírito de sócio menor do imperialismo vindo do Norte, que querem ver o Sul e seus povos subjugados e de joelhos. Um pensamento de colonizador, e por isso age tão violentamente por meio de grupos fascistas.

Felizmente existe resistência ao Golpe, e ela vem por meio das barricadas, do bloqueio de estradas, dos gritos de camponeses, indígenas, mineiros, do povo pobre que trazem a bandeira dos 49 quadrados e sete cores na mão.

Na Bolívia e em todo continente a Wiphala voltará a tremular e um dia não representará mais um símbolo de guerras e confrontos, mas em um tempo futuro ela será para os momentos de festividades e paz. Deixará de anunciar o confronto, mas será o anúncio da tolerância entre os povos e da união dos andinos e de toda Pátria Grande. Até lá, vai ser preciso derrotar, o imperialismo, o neoliberalismo e seus sócios locais.

Voltaremos e Venceremos!