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MUNDO

Greve geral começa forte no Chile e pode ser a maior em 30 anos

Gustavo Sixel, direto de Santiago
Reprodução

Noticiário na TV chilena, na manhã de hoje, mostra os protestos e bloqueios

Esta terça-feira, 12, é um dia decisivo para o levante popular que ocorre no Chile, há três semanas. Cerca de 150 entidades reunidas na frente Unidad Social convocam uma greve geral, na qual já confirmaram a adesão trabalhadores da mineração, portuários, petroleiros, professores, bancários, aeronautas, da alfândega e da saúde. Diversos setores já estão em greve por tempo indeterminado, como a educação superior e outros órgãos públicos. E outras categorias prometem aderir parcialmente, como os comerciários.

Esta pode ser a mais forte greve geral dos últimos 30 anos no país, desde a greve geral de 1986. A legislação do país é muito rígida com a organização sindical e as greves, como herança da ditadura. Os sindicatos são por empresas ou por ramo de atividade, o que dificulta uma paralisação comum em uma grande planta ou empresa. Também há muitos impedimentos para realizar uma greve, especialmente em setores essenciais e no transporte, como o metrô, que é totalmente proibido de parar, sob risco de prisão das lideranças. Ainda assim, a maior parte das categorias aderiu ao protesto de hoje.

O dia amanheceu com fortes bloqueios de estrada, nas principais cidades. Em Santiago, a quantidade de carros na rua é bem menor e boa parte da população deixou de ir ao trabalho ou está adiando a ida. As principais vias de acesso à cidade estavam bloqueadas, com barricadas de pneus e pedras e protestos. Em outras cidades, como San Antonio, a cerca de 100 km, os trabalhadores do porto paralisaram e há bloqueios nas estradas.

Os caminhoneiros também se somaram ao protesto de hoje. Na Rota 5, que liga o sul à capital, caminhões estão bloqueando a passagem, exigindo também o fim dos pedágios.

Na TV, os comentaristas condenam os bloqueios , enquanto empresários já ligam e ordenam que os trabalhadores sigam à pé ao trabalho.

Ao longo do dia ocorrerão grandes marchas. A principal delas está sendo convocada para às 11h da manhã, em Santiago, saindo da Praça Itália, percorrendo toda a avenida. Mas ocorrerão outras, às 14h e às 17h, e também em outras cidades, como Valparaíso, onde fica o Congresso Nacional.

Marcha dos professores

Os protestos desta segunda-feira, 11, já indicavam a força da greve. Pela manhã, Santiago foi tomada por uma grande marcha da Educação, com cerca de 100 mil professores, das várias comunas de Santiago. Foi uma grande marcha, exigindo nova constituição, o fim da privatização da educação e que denunciou a violência contra a juventude. Muitas faixas lembravam Paulo Freire, patrono da Educação brasileira, que viveu no país, durante o exílio. Ao final da marcha, as(os) trabalhadoras(es) ocuparam o gramado do antigo prédio do Congresso Nacional e fizeram um grande ato.

Outros atos seguiram ao longo do dia. Ainda pela manhã, trabalhadores da saúde realizaram um ato em frente à um órgão do governo em Santiago.

No final da tarde, como ocorre todos os dias, um grande ato, com maioria da juventude, tomou conta da Praça Itália, sob forte repressão e confrontos nas ruas vizinhas. Pouco antes, estudantes realizaram uma plenária ampliada na sede da FECH, preparando a participação dos universitários na greve geral e as atividades da semana.

À noite, a cidade foi tomada por um “cacerolazo”. Ao longo das principais pistas, em dezenas de sinais de trânsito, grupos com 30, 40 ou até 100 pessoas batiam panelas e cantavam, recebendo o apoio dos motoristas. Os protestos foram organizados pelas assembleias de bairros e comitês da greve locais. Em uma região da periferia, em uma comunidade (poblacion) houve ontem uma forte ocupação de um terreno por dezenas de famílias, que foi reprimida na noite de ontem, com feridos e presos.

Nova Constituição

A greve foi convocada oficialmente no dia 05, por um manifesto assinado pela Mesa Unidad Social. A Unidad Social é uma experiência recente, uma frente que une as principais entidades sindicais do país, como a CUT e o Colegio de Professores, e importantes movimentos sociais, como a Coordinadora 8M, que protagonizou importantes lutas das mulheres, como a da legalização do aborto, e a Coordinadora NO+AFP, que luta contra o sistema de previdência por capitalização e os lucros dos fundos de pensão, as AFPs. Além disso, a Unidad Social reúne as principais entidades estudantis, como a FECH, CONFECH E FEUC, entidades de luta por moradia, terra, dos mapuches, por direitos humanos e pela memória.

O texto inicial de convocação da greve um programa de reivindicações, e dava um prazo de cinco dias para que o governo Piñera aceitasse as medidas, que incluíam mudanças da previdência, o fim de subsídios às empresas, punição aos culpados pela violência policial, entre diversos pontos. Na sequência, um manifesto confirmou a greve, reafirmando o tema da Assembleia Constituinte como um dos eixos centrais.

“Nosso objetivo é que o povo que habita o território chileno produza uma nova Constituição através de uma Assembleia Constituinte. Consideramos que a razão de fundo das demandas populares é o modelo neoliberal e o caráter subsidiário do Estado para com as empresas. Depois de três décadas governado pela atual Constituição, nos temos constatado que os abusos são sintoma de um problema estrutural: a falta de democracia política e de um modelo econômico que garanta igualdade para todos e todas.”

Nos últimos dias, o governo Piñera aceitou a realização de uma nova Constituição, o que pode ser um fato histórico no país, derrubando a atual carta, feita pelo ditador Augusto Pinochet. Ao contrário de outros países, o Chile não alterou a sua legislação após a queda da ditadura e permanece com a principal lei do país feita pelos militares. Este é um tema de massas e o principal assunto nas ruas do país.

Apesar de acenar com a Constituição, o governo, o Congresso, a mídia e a Igreja Católica preparam armadilhas, para retardar o processo ou controlá-lo, impedindo uma mudança real no país. Uma das formas seria entregar a produção do texto ao atual Congresso, repleto de deputados da direita ou mesmo de partidos de centro, do que foi o governo da “Concertación”, apenas com mecanismos de consulta ao povo. Outro seria “bloquear” alguns temas, como pretende a Igreja, em relação ao aborto.

Por outro lado, de uma forma geral, Unidad Social, movimentos sociais, as assembleias de bairro, e todas as organizações e partidos de esquerda exigem que o processo seja feito pelo povo, através de uma assembleia constituinte convocada para este fim, com autonomia e poder para realmente transformar o sistema político. Como diz o manifesto da Mesa Unidad Social:

“A maneira de discutir, abertamente, um novo sistema político e um novo modelo econômico, é através de uma Assembleia Constituinte. Por isso, nosso objetivo estratégico é e será dotar nosso país de uma verdadeira democracia política e econômica.”

Unidad Social

A mesa Unidad Social é um desafio para o movimento social chileno. É uma forma de construir a unidade e uma frente única para lutar durante esta rebelião. “Nós, trabalhadoras e trabalhadores do país, temos querido estar a altura do que demanda o povo chileno e temos forjado un espaço de UNIDADE da classe trabalhadora que permita colocar a força das(os) trabalhadoras(es) a serviço da mobilização social”, diz o texto.

Ao mesmo tempo, parte dos ativistas e dos movimentos sociais tecem críticas à forma de condução da Mesa, e a ausência de organismos de base e democráticos e as diferenças entre as práticas do movimento sindical, mais burocratizado, e dos outros movimentos. Por outro lado, parte da juventude, que impulsiona os combates radicalizados nas ruas, não se vê representado neste espaço e, nesta semana, uma entidade estudantil secundarista deixou a mesa.

O fortalecimento da Mesa Unidad Social é fundamental para se criar um espaço real de Frente Única no país. No entanto, ao mesmo tempo, é necessário manter o combate às posições burocráticas ou que apostem no diálogo com o governo, buscando construir uma frente única com democracia, unidade e respeito às diferenças, apoiada no levante que acontece nas ruas e nas formas embrionárias de poder que se gestam nos bairros e territórios.

 

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