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MUNDO

A América Latina de veias abertas: entre militares, oligarcas e o povo

telesur

A realidade, às vezes, parece saída de um conto fantástico de Gabriel Garcia Márquez. Este é o caso da situação política na América Latina. Em três semanas, as noites de domingo para segunda, que marcam o inicio da semana, viram reviravoltas impressionantes.

Se há alguns dias este sofrido continente foi dormir com a imagem da Bandeira Mapuche sendo erguida no topo do maior protesto da histórica chilena. Hoje, os latinos americanos aguardam o nascer do sol no horizonte tendo o sentimento oposto. Os militares, os fascistas, os fanáticos religiosos tomam o poder na Bolívia. Um dos símbolos disto foi o golpista Camacho rasgando a bandeira Wiphala, sagrada para os povos indígenas andinos e que representa o Estado Plurinacional da Bolívia.

A América Latina mais uma vez tem suas veias expostas. No dia 10 de novembro de 2019, entra para a história como o Golpe de Estado contra Evo Morales, o primeiro presidente indígena da região. Um golpe contra uma Bolívia soberana, contra um Estado plurinacional, contra o bolivarianismo e a tentativa de integração latino-americana.

No momento que estas linhas são escritas, Evo Morales se refugia no interior do país, militares, policiais, e grupos fascistas organizam uma perseguição contra o presidente deposto, seus seguidores e militantes sociais contrários aos golpes. Não sabemos qual será a realidade do país no instante que este texto for publicado. Os fatos se desdobram cada vez mais rápidos.

As vidas de Evo, de quadros políticos do MAS e de dirigentes sindicais e da militância social estão em risco. Os golpistas deixaram nítido que querem prender o presidente, mas para alguns isso não basta. A renúncia de Evo aparentemente não esfriou o ódio reacionário. Ao contrário. Agora, a elite, os militares golpistas, a polícia, e a direita fascista estão fortalecidas e partem para violência ainda maior que teria a cabeça de Evo em uma bandeja como prêmio. E sabemos que o imperialismo não tem nenhuma vergonha de banhar mais uma vez o solo boliviano com sangue.

Os incêndios de prédios públicos e de casas feitos pela oposição não são mostrados pela mídia tradicional brasileira. A tortura, os sequestros, a humilhação e os assassinatos muito menos. Os atos racistas do golpista Camacho e seu fanatismo religioso são escondidos. Tudo é apresentado apenas como uma renúncia de um presidente desgastado.

O que aconteceu ontem, na Bolívia, mostra que os Golpes de Estados por meio das ações militares ainda são uma arma para as burguesias. Durante bom tempo, parte da esquerda afirmava que os golpes militares tinham ficado no passado. Que hoje, no século XXI, caso existam rupturas democráticas elas se dão por dentro da institucionalidade, sem mudar o regime, via Congresso e baseados em regras constitucionais. São os ditos Golpes Parlamentares, como os ocorrido em Honduras (2009), no Paraguai (2012) e no Brasil em (2016). A queda de Evo mostra que, quando necessário, as elites, em conjunto com a direita latino-americana, não têm o menor escrúpulo em usar a força para alcançar seus objetivos.

O Golpe de 2019 na Bolívia surge, porém, com algo novo. Não é um tradicional golpe militar. É notável que os militares foram o último setor a passar para a oposição e pedir a renúncia de Evo. Antes disto, já existiam diversas ações nas ruas de milícias atuando. Militantes foram sequestrados, prefeitos forçados a renunciar por meio da força, ativistas assassinados, casas destruídas. Grupos e tropas fascistas atuaram como ator político central na crise boliviana, e isso não pode ser secundarizado.

O processo de luta no Chile dava sinais de que, para manter o Poder, e continuar a aplicar o projeto neoliberal, a burguesia usaria a força bruta sem a mínima vergonha. Nos dias de Outubro, dois países chegaram a estar em estado exceção ao mesmo tempo (Chile e Equador). E a utilização deste “estado” parece ser uma constante que deve se repetir cada vez mais no sub-continente.

No melhor estilo século XX, a burguesia latino-americana e o imperialismo deixam tudo que jogam pelo tudo ou nada. Transformaram a Bolívia em uma colônia novamente. Vai ser mais um país do continente governado pela direita ou extrema-direita, com um plano neoliberal e políticas antipovo.

Aqui no Brasil, é preciso está atento a como o golpe boliviano vai ter reflexo no governo Bolsonaro. Se o mesmo se mostrou incomodado e com medo das manifestações do Chile e Equador chegarem no Brasil, o golpe fascista na Bolívia pode deixar o ex-capitão mais confiante para seu projeto de fechamento de regime.

Desde a redemocratização, esse é o momento mais difícil que a América Latina já passou na sua luta pela integração e soberania de seus países. As elites nacionais querem que nossos países estejam novamente ajoelhados diante do Império que vem do Norte. Dessa forma, é o momento também de lutarmos e combatermos mais a fundo o imperialismo, de exercitarmos o nosso internacionalismo, e de combater a extrema-direita enraizada em nossos países.

Hoje, a sorte e o destino do continente estão jogados tanto nas ruas das cidades bolivianas, quando em Santiago, no Chile. A disputa entre as forças revolucionárias e contrarrevolucionárias no continente se dará nos próximos dias. O movimento de massas no Chile continua forte, movendo milhares de pessoas e contando com o apoio de milhões. Caso este movimento se coloque contra o golpe no país vizinho e consiga derrotar o governo Piñera, as forças progressistas do continente ganham fôlego, podendo impulsionar movimentos de luta na própria Bolívia, que pelo que parece, hoje não tem forças para confronto com os golpistas. Caso contrário, entraremos em 2020 com a queda de Evo, e apesar dos protestos, a manutenção dos governos de Lenin-Moreno e Piñera. O governo Trump buscará recolonizar de vez o continente.

Os acontecimentos deste dia 10, na Bolívia, vão ter reflexos em todos os países da região. Repudiar o Golpe é a tarefa central. As discussões sobre erros e acertos do governo Evo podem esperar alguns dias para serem feitas. Nestas horas que os militares assumem o poder junto de fanáticos religiosos, fascistas e tudo isso em nome de uma oligarquia submissa ao imperialismo, só se tem dois lados para ficar.

Ou se está do lado dos golpistas. Ou do lado do povo, da Bolívia soberana, de uma América Latina forte e de Evo Morales.

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