Na primeira semana de novembro, foi publicado o Mapa da Desigualdade 2019 de São Paulo, pela Rede Nossa São Paulo. As informações expressam a situação terrível de anos de pouco investimento em políticas públicas que contribuam para a melhoria da qualidade de vida da população subalterna na cidade.
Salta aos olhos a dimensão das desigualdades e das prioridades das políticas numa cidade conhecida como “a Nova York brasileira” e também já divulgada como uma das melhores cidades com mobilidade urbana.
Mas, tudo isso não passa de uma caricatura da lamentável realidade da maioria de pessoas que vivem em São Paulo à margem dos holofotes da Avenida Paulista e dos edifícios arranha-céus.
Quem já é rico ficou mais rico ainda
A capital paulista expressa o contexto da desigualdade no Brasil, o 2º país no mundo onde mais se concentra renda. Da população, 50% estão entre os mais pobres, 1% está entre os muito ricos. E o mais afetado pela crise é o povo oprimido: 17% dos pobres tiveram sua renda diminuída, enquanto dos muito ricos aumentou 10%.
Jovens perderam seus empregos: 17% menos jovens de 20 a 24 anos não possuem empregos, de 25 a 29 anos e chefes de família diminuíram 9%. Na região norte 13% a menos de empregos, nordeste 7% a menos de empregos. Entre negras e negros, 7% a menos estão empregados.
População negra na periferia e mulheres encarceradas
O Mapa confirma que a população preta e parda reside na periferia, sobrevivendo com difíceis condições. Negras e negros ocupam 60% da região do Jardim Ângela, periferia no extremo-sul, já a região de Moema tem 5% de negros.
A população feminina possui maior densidade na região de Santana, onde há uma penitenciária feminina que recebeu denúncias de surtos de epidemias, problemas de alimentação e mortes de mulheres por questões de saude.
A população masculina é majoritária no bairro Marsilac, já divulgado como “bairro esquecido” que não possui espaços de cultura, lazer e esportes.
Muitas favelas, pouca creche
A arrecadação de IPTU registra o maior valor arrecadado no Itaim Bibi, onde há sedes de empresas e possui um dos metros quadrados mais caros da cidade. No bairro Marsilac se registra o menor valor de arrecadação de IPTU.
Agora já se sabe que a São Paulo que aparece nos rankings de mobilidade urbana só pode ter sido registrada nessa região, porque quem vive na periferia não vê a maquiagem da urbanização, pelo menos não fora do período eleitoral.
A proporção de domicílios e favelas também aponta a intensa desigualdade: no distrito da Vila Andrade, que é literalmente do lado do Morumbi, um bairro dos muito ricos, concentram-se 49% de favelas em relação a domicílios.
Ainda na Vila Andrade, o tempo de espera para se conseguir uma vaga em creche demora 9 meses. Também o tempo médio de espera da cidade de São Paulo como um todo é preocupante: 3 meses e 16 dias.
Enquanto aguardam sua vaga, as crianças sem creche na periferia recebem algum auxílio alimentação do Estado, encontram espaços recreativos infantis ou brincam nas margens do poluído rio Pinheiros? Ou acompanham suas famílias no comércio ambulante nos faróis da cidade?
Centro de São Paulo: violência e ataques a Direitos Humanos
O centro de São Paulo é o coração da opressão e ataques a Direitos Humanos. Onde há maior quantidade de casos de violência contra mulheres, LGBTIs e negras e negros e onde residem diversas comunidades de imigrantes sobrevivendo em condições precárias de moradia.
No centro de São Paulo concentra-se a maioria de casos de violência contra a mulher, seja física, psicológica, simbólica ou patrimonial. Entre mulheres de 20 a 59 anos de idade, a Sé registra mais casos.
Essa região é frequentemente ocupada por imigrantes refugiados do norte do continente africano e de países latino-americanos, em que comunidades haitianas já sofreram ataques fascistas.
Além disso, a região da Sé é onde há uma delegacia da mulher aberta 24 horas, o que contribui para aferir essa maior quantidade de denúncias. O feminicídio na região da Sé registrou 8 casos, já o bairro Marsilac não apresenta dados de mortes por violência contra a mulher.
O distrito da República registra 18 casos de violência LGBTIfóbica e na Sé concentra-se a maioria de casos de violência e injúria racial.
Adolescentes grávidas e sem pré natal adequado
A maioria de adolescentes grávidas, de 19 anos ou menos, vive no distrito do Marsilac (18%), ao contrário do rico e urbanizado bairro de Moema que não chega nem a 1% (registra 0,4%).
Crianças que nascem sem terem pelo menos 7 consultas de pré natal estão nas pontas da cidade, o caso mais grave é no bairro Cachoeirinha com 31%, mas no Itaim Bibi apenas 5%.
A mortalidade infantil se concentra na periferia, registrando ampla maioria de casos no bairro Marsilac, onde a cada 1000 crianças nascidas 24 morrem, ao contrário do bairro Perdizes, a proporção é apenas 1,1, onde está localizada a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, parques com área verde, estádios, escolas privadas com propostas inovadoras etc.
Quem mora na periferia está morrendo mais cedo
No recente contexto de reforma da previdência no Brasil, ouvimos o presidente da Câmara de deputados, Rodrigo Maia, dizer que muitas pessoas conseguem trabalhar até os 80 anos.
O Mapa da desigualdade desmente isso. Na periferia de São Paulo, bairro Cidade Tiradentes, a média de idade que as pessoas morreram em 2018 é de 57 anos, enquanto no bairro de Moema a média de idade é 80 anos.
Quem mora na periferia está morrendo mais cedo e trabalhando em condições precárias e informais. O bairro Cidade Tiradentes também registra a menor quantidade de empregos formais, de carteira assinada: apenas 0,2%.
Abrir os olhos e enfrentar a desigualdade
Todas estas informações não devem ser utilizadas para termos uma visão pessimista da realidade, e sim para denunciar que a exclusão da classe subalterna da agenda política por todos estes anos está nos levando ao aprofundamento da desigualdade e da miséria.
O sistema econômico, político, social e ideológico que sustenta o capitalismo mostra cada dia mais que não tem condições de se manter se não for com base na hiper exploração da energia do povo trabalhador, do maior afastamento de direitos, de tratar a violência como algo natural e do silenciamento de ideias que confrontem o caos das cidades.
É preciso que o povo que vive nas periferias seja parte da construção de uma nova hegemonia baseada na coletividade, em que haja investimentos maciços em empregos, condições dignas de moradia, educação, saude, transporte, cultura e espaços nas cidades para que as comunidades falem, sejam ouvidas e participem democraticamente das decisões sobre os rumos de suas vidas.
*Felipe Alencar é professor e militante do PSOL
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