Em memória de um guerreiro: Cícero Guedes

Gabby Maturana, Campos dos Goytacazes, RJ
MST

Nesta terça-feira (5), dezenas de cidades foram às ruas para lutar por justiça para Marielle Franco e Anderson Gomes, assassinados pela milícia vizinha da família Bolsonaro. O motor para ocupar as ruas foi justamente a citação do nome de Jair Bolsonaro nas investigações. Salvo contradições, o fato é que, a histeria do presidente fez ele afirmar que pegou as gravações da portaria “para garantir que não fossem adulteradas”. Mas, para os militantes de Campos dos Goytacazes, no Norte do estado do Rio de Janeiro, o ato de ontem teve um peso muito maior. Além de justiça por Marielle e Anderson, homenageamos Carlos Marighella e tivemos a grande tarefa de manter viva a trajetória de luta do grande militante do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) Cícero Guedes, assassinado em 2013.

A história de Seu Cícero é marcada pela exploração da sua força de trabalho num canavial. As péssimas condições fez ele ver alguns de seus colegas trabalharem até morrer. Fugindo dessa vida, ele deixa o interior de Alagoas com sua família e de boleia em boleia ele chega a Campos dos Goytacazes. Por aqui, com seu espírito de liderança, ele começa a fazer parte do MST.

Seu Cícero lutava por educação, por justiça, por reforma agrária. Mesmo sendo alfabetizado depois dos 40 anos ele também era professor. Foi professor por que, por onde passava, ensinava que a mudança só vem com a luta. O não fechamento de escola do campo, o bandejão da UENF, a ocupação do casarão próximo à UFF-Campos são exemplos de lutas que ele travou lado a lado com estudantes e professores.

Não seria demais dizer que ele é parte da história desse município, que sua relação com a universidade foi levada até mesmo para casa. Seu sítio, Brava Gente, tinha as portas abertas para estudantes, principalmente do curso de agronomia. Defendia e praticava o plantio agroecológico, sendo o seu sítio uma referência no município.

Em seus últimos meses de vida, Seu Cícero coordenou a ocupação das terras do Complexo da Usina Cambaíba, o acampamento Luís Maranhão. Nos fornos dessa usina foram queimados os corpos de militantes que não resistiam às torturas praticadas pelos militares no período da ditadura, como foi revelado por Cláudio Guerra no documentário “Pastor Cláudio”.

Foi na luta pela terra, na luta por justiça, que em 25 de Janeiro de 2013, calaram a voz de Seu Cícero. Enquanto o mentor do crime fazia um churrasco no acampamento, seus capangas executavam o crime. Ceifaram sua vida com tiros pelas costas, silenciaram sua voz, jamais a sua luta.

Na próxima quinta-feira, dia 7 de novembro, os assassinos de Seu Cícero vão a júri popular. Numa sociedade marcada pela herança escravocrata e oligárquica, nossa luta, hoje, é para que seja feita justiça, nada menos que justiça.

A grande verdade é que em Campos uma geração de militantes leva no peito a grandeza de ter podido lutar ao seu lado. Levamos o ensinamento de que, para a luta, nunca estaremos cansados, muito menos quando essa luta for por Seu Cícero e por todas as causas que ele defendia.

Por Cícero Guedes, Marielle Franco e Anderson Gomes, nenhum minuto de silêncio, mas toda uma vida de luta.

Ilustração