Pular para o conteúdo
OPRESSÕES

Stonewall e a XVI Semana do Orgulho LGBT+ de São Luís do Maranhão

Carlos Wellington Soares Martins
Reprodução

Do período de 15 a 20 de outubro de 2019, ocorreu, em São Luís, capital do estado do Maranhão, a XVI Semana do Orgulho LGBT+ com debates, palestras e rodas de conversa com a culminância da XVI Parada do Orgulho LGBT+.

Antes da semana de celebrações, algumas prévias foram realizadas em locais diversos, desde um dia de exposições, shows, performances no Ceprama, quanto a ocupação do Forte do Santo Antônio da Barra, localizado no metro quadrado mais caro de São Luís, a Península. A primeira prévia foi esvaziada com um público muito reduzido, talvez decorrente da pouca divulgação que ocorreu do evento. Em relação às prévias que ocorreram no Forte foi interessante a ocupação deste espaço em um local de elite, o Coletivo Dapavirados formado por alunos do curso de Teatro da UFMA levou seus experimentos artísticos com um texto que abordava as mazelas que a população LGBT+ passa diariamente nesta sociedade LGBTFóbica.

O lugar que costumeiramente serve de cenário para piqueniques da tradicional família brasileira, fotos para álbuns de formatura ou apenas uma paisagem bela para ganharlikes nas redes sociais, teve dois domingos com o equipamento cultural iluminado com as cores do arco-íris e projeções sobre a XVI Semana do Orgulho LGBT+ e palavras de ordem e cenas de subversão da heteronormatividade. Algumas pessoas acompanhavam distante as apresentações com olhares curiosos acerca do que estava acontecendo ali. Os corpos abjetos que a sociedade acha que não deveriam ocupar aquele espaço enfrentavam a norma não dita.

Chegamos, então, à semana propriamente dia, vale pontuar que os cinquenta anos do levante de Stonewall seriam o norte tanto para a semana quanto para a parada, com a famosa imagem de uma das maiores ativistas da causa LGBT de todos os tempos e protagonista do referido levante, Marsha P. Johnson, estampando cartazes e material promocional.

A Comissão Científica teve a preocupação de tentar politizar o debate, promovendo uma interlocução entre movimentos sociais, academia e sujeitos sociais que estejam direta ou indiretamente ligados à pauta LGBT+, além da conferência de abertura que trouxe uma reflexão da importância do levante de Stonewall e que lições esse momento histórico pode passar para o movimento contemporâneo.

Seguiu-se a semana com discussões acerca da empregabilidade LGBT+ com foco na população trans, diálogo entre grupos de pesquisa de Gênero e Sexualidade com os movimentos sociais, criminalização da LGBTFobia, empoderamento, visibilidade lésbica, prevenção ao suicídio, acessibilidade e saúde da população LGBT+ e roda de conversa com o coletivo Mães pela Diversidade.

Na mesa sobre empregabilidade LGBT+ com foco na população trans discutiu-se as iniciativas das instituições, tanto públicas quanto privadas, em relação à inserção de pessoas do segmento no mercado de trabalho, considera-se ainda que as empresas ainda estão meramente no discurso de diversidade, com ações pontuais que ainda encontram-se muito distante do ideal reforçando o mercado corporativo como ainda excludente e LGBTfóbico.

O fosso abissal entre a academia e os movimentos sociais ainda é latente, pois é evidente que muitos militantes ainda se consternam em relação a sempre serem objetos de pesquisa sem ver retorno palpáveis destas investigações, a roda de diálogo entre grupos de pesquisa de Gênero e Sexualidade tornou visível que essa interlocução é enviesada faltando muito a ser conquistado para um trabalho coletivo. No entanto, talvez tenha sido uma das poucas vezes onde grande parte de grupos voltados a pesquisa sobre essa temática tenha se reunido para pensar junto uma ação coletiva.

A mesa Visibilidade lésbica foi protagonizada por escritoras, artistas, produtoras culturais e militantes de coletivos onde puderam expor a forma subalterna como a questão ainda se encontra no debate quando se fala em população LGBT sendo necessário que seja assegurado o lugar de fala e que, mesmo pessoas da população LGBT+ trabalhem a desconstrução do machismo presente em algumas posturas.

Sobre a criminalização da LGBTfobia a intenção era uma conversa mais prática onde fosse informado qual o caminho, ou caminhos, a serem percorridos quando alguém for vitima de LGBTfobia, quais casos se enquadram, como tipificar o crime, a quem recorrer? Onde?

O suicídio, infelizmente, ainda é um mal que assola a população LGBT+ principalmente por conta de falta de acolhimento familiar, bullying, sensação de desajuste, e o fato de que a questão ainda não é encarada como uma discussão de saúde pública, a roda de conversa sobre prevenção ao suicídio buscava apresentar as redes de acolhimento especializada para colaborar na luta contra esse mal, que é uma expressão dessa sociedade opressora e capitalista.

A mesa sobre empoderamento tentou dar uma noção mais ampliada sobre a categoria objetivando um empoderamento coletivo como forma de emancipação política, por meio de uma construção de identidade e engajamento nas lutas sociais. Por fim, a mesa sobre acessibilidade e saúde da população LGBT+ trouxe a discussão do que a nível de gestão em saúde existe para atendimento do segmento e quanto falta para que esses serviços sejam de referência. Pautas como subjetividade, orientação religiosa, formação deficitária, falta de vontade e interesse político, foram apontados como determinantes para uma saúde a acessibilidade. O Coletivo Mães pela Diversidade além de um bate papo encerrou a parte de debates da semana com um ato na Praia Grande junto com o Coletivo Dapavirados.

A Comissão Cientifica se comprometeu em entregar um documento contendo todos os encaminhamentos oriundos das mesas, discussões e rodas de conversa para que não termine sem que gere um resultado sólido construído em cima de várias vozes e de forma coletiva e democrática.

No sábado, ocorreu o aclamado Gaymado no bairro da Liberdade que para além de um simples jogo trata-se de uma afirmação de identidade e a ocupação de espaços por corpos divergentes da heteronormatividade.

Colocar uma parada na rua, principalmente em época de governo LGBTfóbico, por si só já um ato de resistência e foi com esse pensamento que a XVI Parada do Orgulho LGBT+ de São Luís foi pensada. A Parada que celebra os 50 anos de Stonewall acabou por privilegiar mais a festividade e celebração ao orgulho do que tentar garantir uma caminhada com palavras de ordem e discursos em uma tentativa de politizar o debate. Talvez seja o momento de repensar o modelo atual da Parada, tentar voltar as raízes das caminhadas e passeatas pela conquista e garantia de direitos sem estar focado somente no lado festivo. Talvez seja o momento de repensar as estratégias de luta até me respeito por aqueles que morreram, a exemplo da Marsha, pelos direitos LGBT+.

 

Marcado como:
lgbtqi