Aprovada a contrarreforma da previdência no senado na última terça-feira, a mais profunda da história do país, conforme celebrou um orgulhoso Davi Alcolumbre, todos os problemas do país, ao que parece, serão resolvidos. Acreditando-se que a previsão de uma economia de R$ 800 bi em dez anos não é um chute, há quem diga que o país entrará nos trilhos e será capaz de investir. Considerando-se que a previsão de enxugamento da máquina pública prometida pelos anarco-capitalistas da equipe do ministro da economia pode reduzir o Estado a quase nada, com a exceção do aparato repressivo, não se sabe ao certo o que serão esses “investimentos”.
A contrarreforma aprovada, que praticamente extingue a previdência pública no país, aumenta a idade mínima e o tempo de contribuição para homens e mulheres, estabelece alíquotas progressivas para servidores, reduz benefícios para os mais necessitados e altera regras que por décadas haviam minimizado o custo da brutal concentração de riqueza no país. O ministro Paulo Guedes comemora, mas não muito. Alega que a previdência não estará completamente reformada enquanto não for instituído o sistema de capitalização. De acordo com Guedes, que trabalhou no Chile na década de 1980 ainda nos tempos do ditador sanguinário Pinochet, o modelo do país andino é o que serve de inspiração para o brasileiro.
Ainda em fevereiro Guedes disse que o caminho da capitalização era “inexorável” e que o Chile havia se tornado a “Suíça da América Latina”, não obstante o seu sistema pagar reformas com valores inferiores ao salário mínimo, o que tornou as taxas de suicídio em pessoas idosas numa epidemia. Mas o problema do Chile não é só a aposentadoria. Considerando-se que o país vizinho foi o laboratório do neoliberalismo nas décadas de 1980 e 1990, algo quem nem os governos tidos como de esquerda resolveram, o Estado foi reduzido a um mínimo, algo que inspira os neoliberais das bandas de cá.
O problema é que o Chile está em plena convulsão, com uma greve geral convocada para os próximos dias e uma semana inteira de manifestações que já deixaram um rastro de mais de dois mil presos e quase 20 mortos. O presidente do país, o direitista Sebastián Piñera, anunciou medidas sociais e pediu desculpas ao país, mas desculpas não são suficientes para quem tem suas vidas devastadas.
Vendo o que acontece no país vizinho, há quem diga que o Brasil será o próximo país a entrar em convulsão. Todavia o Brasil não difere do Chile apenas pela sua história e pela língua que fala. Por conta disso, parece ser um exagero dizer que a produção de ainda mais miséria, com as medidas de redução do Estado, irão nos transformar num Chile. Não será igual, será muito pior.
(Jornal A Tarde, Salvador, 25 de outubro de 2019)
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