A reflexão trazida por essa pergunta nos localiza na educação – o “campo de flores e espinhos” sobre o qual caminhamos em nosso trabalho cotidiano. Em especial, sobre a educação pública, que atravessa a vida da maioria da população trabalhadora brasileira, na qual me insiro há muito tempo.
A educação pública, no Brasil, embora historicamente negligenciada pelos sucessivos governos, passa, na contemporaneidade, por um ataque gravíssimo.
No âmbito do ensino superior, constatamos um desfinanciamento rigoroso, haja vista o corte – sob a alcunha de contingenciamento – de 30% do orçamento discricionário (que são gastos não obrigatórios) posto pelo governo federal, significando um corte em torno de R$ 1,5 bilhão. Entretanto, é preciso enfatizar que o denominado contingenciamento atinge, também, os institutos federais de educação, a concessão de bolsas em todos os níveis da formação superior e a educação básica, que o governo, em seus discursos, apresenta como prioritária. Para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que é voltado para a educação básica, financiando livros didáticos, transporte escolar, qualificação de professores e outros, por exemplo, foram congelados quase R$ 1 bilhão, ou 21% do orçamento projetado para 2019. De acordo com o próprio MEC, na atualidade, R$ 5,8 bilhões do orçamento encontram-se contingenciados, atingindo diferentes áreas do Ministério. (1)
Mas a ênfase recai, também, na privatização, que se dá, em sua maior parte, através da apropriação do fundo público. Imposta pelos vários governos, nas últimas décadas com as contrarreformas orientadas para o mercado, a condução ultraneoliberal, na atualidade, joga peso na transformação em mercadoria de todos os aspectos da vida em sociedade, significando privatizações e restrições infindáveis, através do desfinanciamento às diferentes políticas sociais públicas, dentre elas, a educação.
Essa afirmativa é facilmente observável na fala do ministro Weintraub no XII Congresso Brasileiro de Ensino Superior Particular (Cbesp), realizado em junho de 2019. Afirma o Ministro, que não há possibilidade de manutenção da educação superior pública, como existe no Brasil contemporâneo, apontando como importante a educação superior particular. Defendeu, assim, que o ensino superior seja fortemente baseado no âmbito privado e convidou o setor a trazer sugestões para a simplificação da sua regulação.
O Future-se é um exemplo claro dessa intencionalidade, pois pressupõe um ajuste das instituições ao contexto de desfinanciamento público posto pela EC 95/2016 e pelo contingenciamento acima aludido. Nesse sentido, o projeto é uma transição para um novo modelo em que o Estado, à revelia da Constituição Federal, “renuncia ao seu dever de prover recursos para as autarquias e fundações públicas de ensino superior”. (2)
Agora, em setembro de 2019, dirigindo-se para o público do 210 Fórum Nacional de Educação Superior Particular, o ministro prometeu facilitar a abertura de instituições privadas, reduzindo a fiscalização, deixando clara a pretensão de transferir verbas públicas para o setor privado. Assim se pronunciou o ministro: “Preciso do suporte das bases e das bancadas dos senhores para passar o Future-se e, assim, ter verbas para financiar o ensino privado”. (3)
Esse contexto de ataque à educação pública, em geral, no âmbito econômico atinge às professoras e professores desse setor, de maneira concreta, pois objetiva-se acabar com os concursos públicos, impor a contratação via Organizações Sociais (OS) e outras formas de precarização das relações de trabalho. Isso não ocorre apenas no âmbito federal, mas também estadual. Entre os meses de setembro e outubro de 2019, por exemplo, o governador do Rio de Janeiro (PSC) entrou com duas liminares na justiça para suspender direitos das professoras e dos professores da UERJ: o primeiro era relativo à Dedicação Exclusiva e o segundo às progressões e promoções na carreira.
Mas é importante mostrar que todo esse ataque também se dá do ponto de vista político-ideológico. Além da limitação à atuação sindical, procura-se censurar o livre pensamento de professoras e professores da educação pública, mas também privada, em todos os níveis – federal, estadual e municipal – e em todo o país.
Denominados de “doutrinadores”, no estado do Rio de Janeiro, deputados do PSL – do Presidente Jair Bolsonaro – propõem testes anti-drogas para professores, invadem colégios públicos, fazem provocações diversas a professores, sempre ignorando as condições de trabalho que se vive em todos os âmbitos da educação. Em meio a todas as condições impostas, nesse período, a tentativa de nos intimidar e nos amordaçar com o Projeto “Escola sem Partido” intensifica os desgastes e faz com que este 15 de outubro – Dia das professoras e professores – não seja tão tranqüilo quanto mereceremos!
Mas entendo que a continuidade dos atos e ações diversas, realizados de forma coletiva por nossos sindicatos e organizações de defesa da educação pública, de qualidade e socialmente referenciada, este ano, em todo o país, pode vir a dar um basta à desqualificação de nosso trabalho e de nossa fala. Da mesma forma, construirá o respeito aos nossos estudantes e demais trabalhadores e trabalhadoras da Educação, no Brasil! Melhores dias 15 de outubro virão!
*Cleier Marconsin é professora da Faculdade de Serviço Social da Uerj
NOTAS
1 – Os seis números que resumem os seis meses da Educação na gestão Bolsonaro. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48699037 – 30/06/2019.
2 – Leia a análise de Roberto Leher, da UFRJ, sobre o “Future-se” – Análise preliminar do “Future-se” indica a refuncionalização das universidades e institutos federais
3 – NOTA DA DIRETORIA DO ANDES-SN DE REPÚDIO ÀS DECLARAÇÕES DO MINISTRO DA EDUCAÇÃO ATACANDO DOCENTES DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS. https://www.andes.org.br/conteudos/nota/nota-da-diretoria-do-andes-sn-de-repudio-as-declaracoes-do-ministro-da-educacao-atacando-docentes-dasuniversidades-federais
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