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BRASIL

Sobre os desafios de ser professor em 2019

Gleice Oliveira, de Manaus (AM)
Cobertura Colaborativa EOL

Manifestação no dia 30 de maio de 2019

Os desafios do ofício de professor, a maior parte deles, seguem sendo os de há muito e que é um déficit histórico: nos mantermos e às nossas famílias com um salário absolutamente defasado que nos leva a assumir mais e mais aulas para garantir uma sobrevivência minimamente digna, mas que não chega a nos permitir um tranquilo avançar nos estudos e aperfeiçoamento. Apesar disso, hoje presenciamos um número crescentes de colegas que estão doentes ou em processo de adoecimento (somos ‘campeões’ em depressão!!!), sem dentes, mal vestidos, suados, cansados e exauridos, mas sempre se cotizando para comprar água, papel higiênico, material pedagógico, pagar internet, colaborar no temperinho da alimentação dos alunos, prêmios e medalhas para campeonatos, e toda uma longa lista de etecetera.

Nós, os que trabalhamos com Educação de Jovens e Adultos – EJA, vemos a cada ano, com o coração apertado, o fechamento de mais e mais escolas. O que significa que jovens e adultos trabalhadores não terão uma segunda oportunidade de estudar, e isso dói e indigna porque SIM, nossos alunos querem e merecem uma oportunidade. Nas unidades que seguem funcionando é obvio o abandono. Há anos não recebem material escolar ou livros didáticos, suas bibliotecas não funcionam no turno noturno e a alimentação varia entre o biscoito com kisuco e mingau de arroz, o que certamente não lhes prepara fisicamente para mais uma jornada além do trabalho, a do estudo. 

É lamentável que a nossos alunos amazônidas tenha sido negado o direito de conhecer como viviam seus antepassados, de estudar mais a fundo a nossa História e Geografia porque as disciplinas de História e Geografia do Amazonas foram EXCLUÍDAS da grade curricular e nenhuma, repito, nenhuma autoridade sensibilizou-se e atuou no sentido de reincorporar essas disciplinas fundamentais.

Hoje é impossível dar conta de tantas aulas e ainda estudar para se aperfeiçoar processo intrínseco e necessário ao ofício que escolhemos e assumimos. Quando buscamos mais formação é quase sempre por nossa própria conta quando isso deveria ser uma responsabilidade das redes (estadual e municipal) para as quais trabalhamos, pois a nossa formação continuada e melhor qualificação representam uma melhor qualificação do nosso trabalho e, portanto, do serviço prestado à população. 

Da mesma forma, o simples acesso à cultura: livros, cinema, teatro, etc., fica inviabilizado e não é só pela ausência de recurso financeiro, é também pela falta de tempo e o desestímulo por conta do cansaço. Destaco que em pleno 2019, nós professores, seguimos usando o que seria o tempo da reposição da nossa força de trabalho, para corrigir trabalhos, planejar aulas, elaborar projetos e atividades diversas, preencher diários registrando entre outras coisas os conteúdos trabalhados, notas de avaliações e frequência de alunos. 

Isso nos toma finais de semana e feriados porque o tempo que deveríamos ter garantido na nossa jornada de trabalho, conhecido como HTP, é insuficiente – apenas 4 horas semanais – e, pior, lembro-me e indigno-me, pois alguns de nossos colegas – os que trabalham com Ensino Fundamental I e os que trabalham na área ribeirinha – sequer dispõem dessas míseras horas, como é o caso dos que trabalham na rede municipal de ensino de Manaus. 

Junto com esse quadro vale registrar também a escandalosa falta de segurança dentro e fora das escolas, pois a quantidade de assaltos, roubos, depredações etc. já nem são registradas pelos órgãos oficiais, a não ser por nós mesmos que também fazemos seguidas denúncias que nunca são escutadas ou levadas a sério.

Até aqui, para os que conhecem minimamente a situação da Educação Brasileira, nenhuma novidade nesse meu relato. Alguns até acham que professor vive reclamando e que as reclamações são as mesmas. De fato, nós somos uma categoria que não se conforma e não aceita calada o que as políticas neoliberais querem nos impor. Não abandonamos a luta pelo ideal absolutamente factível de uma Educação Pública Gratuita, Laica, Não-Sexista, de Qualidade e para Todos. Já enfrentamos governos de direita, subservientes aos ditames do Banco Mundial e do FMI, aos que foram identificados como de ‘esquerda’ mas que não avançaram o que poderiam e deveriam.

Hoje somos a vítima preferencial de um governo declaradamente de direita, com características neofascistas, e que desde antes da eleição divulgou em suas mídias que ‘professor é privilegiado’, que ‘doutrina alunos’ entre outras acusações infundadas e que junto aos cortes e contingenciamentos dos recursos da Educação expressam o absoluto desconhecimento sobre o que é e como se faz Educação.

Atualmente, novos desafios se somam aos antigos nunca solucionados. É o caso de como agregar a tecnologia da informação ao cotidiano de nossas aulas. Sequer temos uma Internet que efetivamente funcione e quase sempre somos nós quem paga para ter acesso à rede e para poder pelo menos mostrar vídeos a nossos alunos. 

Existem outros temas ainda mais espinhosos. Por exemplo, como fazer uma educação efetivamente INCLUSIVA quando temos uma sala de aula (ou sauna-de-aula, como dizem nossos alunos!) com mais de 45 alunos, um calor insuportável, portas de salas de aula quebradas, falta de professores-auxiliares. 

Pior ainda, sem ter tido formação na graduação para atender toda uma diversidade de alunos com dificuldades especiais que vão do transtorno mental à simples dificuldade de aprendizado? Aqui destaco que no decorrer desta semana, o presidente do país REJEITOU o projeto de que psicólogas/os e assistentes sociais fizessem parte do quadro de cada escola. Que equívoco tremendo! 

Temos toda uma pauta de reivindicações para efetivamente fazermos uma educação de qualidade, que forme cidadãos pensantes e críticos, que possam atuar na construção de uma sociedade mais igualitária e digna.

Apesar dessas carências, é importante registrar que existem experiências e resultados muito positivos, apesar da falta de estrutura que presenciamos cotidianamente. Isso se deve exclusivamente à dedicação das professoras/es, pedagogas/os e funcionárias/os, que usam de seu esforço e criatividade no cotidiano de seu trabalho para responder às mais diversas demandas. Esses resultados, sem o reconhecimento do poder público, mas sim de nossos alunos, seus pais e da comunidade escolar são o que nos impulsiona a seguir no trabalho e na luta incansável por melhorias na Educação. Esse compromisso segue firme e dá todo um sentido à nossa vida. 


PS. Nós, trabalhadores da Educação – verdadeiros agentes da responsabilidade social, sabemos como fazer, temos formação e experiência acumuladas para isso. O que falta é compromisso e ação dos governos em investir na Educação e no presente e futuro de nossos alunos. Temos total convicção de que o caminho da construção da Educação de Qualidade é valorizar quem sabe e tem formação para isso e não militarizar escolas para impor disciplina, obediência e subserviência.

 

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