Os desafios do ofício de professor, a maior parte deles, seguem sendo os de há muito e que é um déficit histórico: nos mantermos e às nossas famílias com um salário absolutamente defasado que nos leva a assumir mais e mais aulas para garantir uma sobrevivência minimamente digna, mas que não chega a nos permitir um tranquilo avançar nos estudos e aperfeiçoamento. Apesar disso, hoje presenciamos um número crescentes de colegas que estão doentes ou em processo de adoecimento (somos ‘campeões’ em depressão!!!), sem dentes, mal vestidos, suados, cansados e exauridos, mas sempre se cotizando para comprar água, papel higiênico, material pedagógico, pagar internet, colaborar no temperinho da alimentação dos alunos, prêmios e medalhas para campeonatos, e toda uma longa lista de etecetera.
Nós, os que trabalhamos com Educação de Jovens e Adultos – EJA, vemos a cada ano, com o coração apertado, o fechamento de mais e mais escolas. O que significa que jovens e adultos trabalhadores não terão uma segunda oportunidade de estudar, e isso dói e indigna porque SIM, nossos alunos querem e merecem uma oportunidade. Nas unidades que seguem funcionando é obvio o abandono. Há anos não recebem material escolar ou livros didáticos, suas bibliotecas não funcionam no turno noturno e a alimentação varia entre o biscoito com kisuco e mingau de arroz, o que certamente não lhes prepara fisicamente para mais uma jornada além do trabalho, a do estudo.
É lamentável que a nossos alunos amazônidas tenha sido negado o direito de conhecer como viviam seus antepassados, de estudar mais a fundo a nossa História e Geografia porque as disciplinas de História e Geografia do Amazonas foram EXCLUÍDAS da grade curricular e nenhuma, repito, nenhuma autoridade sensibilizou-se e atuou no sentido de reincorporar essas disciplinas fundamentais.
Hoje é impossível dar conta de tantas aulas e ainda estudar para se aperfeiçoar processo intrínseco e necessário ao ofício que escolhemos e assumimos. Quando buscamos mais formação é quase sempre por nossa própria conta quando isso deveria ser uma responsabilidade das redes (estadual e municipal) para as quais trabalhamos, pois a nossa formação continuada e melhor qualificação representam uma melhor qualificação do nosso trabalho e, portanto, do serviço prestado à população.
Da mesma forma, o simples acesso à cultura: livros, cinema, teatro, etc., fica inviabilizado e não é só pela ausência de recurso financeiro, é também pela falta de tempo e o desestímulo por conta do cansaço. Destaco que em pleno 2019, nós professores, seguimos usando o que seria o tempo da reposição da nossa força de trabalho, para corrigir trabalhos, planejar aulas, elaborar projetos e atividades diversas, preencher diários registrando entre outras coisas os conteúdos trabalhados, notas de avaliações e frequência de alunos.
Isso nos toma finais de semana e feriados porque o tempo que deveríamos ter garantido na nossa jornada de trabalho, conhecido como HTP, é insuficiente – apenas 4 horas semanais – e, pior, lembro-me e indigno-me, pois alguns de nossos colegas – os que trabalham com Ensino Fundamental I e os que trabalham na área ribeirinha – sequer dispõem dessas míseras horas, como é o caso dos que trabalham na rede municipal de ensino de Manaus.
Junto com esse quadro vale registrar também a escandalosa falta de segurança dentro e fora das escolas, pois a quantidade de assaltos, roubos, depredações etc. já nem são registradas pelos órgãos oficiais, a não ser por nós mesmos que também fazemos seguidas denúncias que nunca são escutadas ou levadas a sério.
Até aqui, para os que conhecem minimamente a situação da Educação Brasileira, nenhuma novidade nesse meu relato. Alguns até acham que professor vive reclamando e que as reclamações são as mesmas. De fato, nós somos uma categoria que não se conforma e não aceita calada o que as políticas neoliberais querem nos impor. Não abandonamos a luta pelo ideal absolutamente factível de uma Educação Pública Gratuita, Laica, Não-Sexista, de Qualidade e para Todos. Já enfrentamos governos de direita, subservientes aos ditames do Banco Mundial e do FMI, aos que foram identificados como de ‘esquerda’ mas que não avançaram o que poderiam e deveriam.
Hoje somos a vítima preferencial de um governo declaradamente de direita, com características neofascistas, e que desde antes da eleição divulgou em suas mídias que ‘professor é privilegiado’, que ‘doutrina alunos’ entre outras acusações infundadas e que junto aos cortes e contingenciamentos dos recursos da Educação expressam o absoluto desconhecimento sobre o que é e como se faz Educação.
Atualmente, novos desafios se somam aos antigos nunca solucionados. É o caso de como agregar a tecnologia da informação ao cotidiano de nossas aulas. Sequer temos uma Internet que efetivamente funcione e quase sempre somos nós quem paga para ter acesso à rede e para poder pelo menos mostrar vídeos a nossos alunos.
Existem outros temas ainda mais espinhosos. Por exemplo, como fazer uma educação efetivamente INCLUSIVA quando temos uma sala de aula (ou sauna-de-aula, como dizem nossos alunos!) com mais de 45 alunos, um calor insuportável, portas de salas de aula quebradas, falta de professores-auxiliares.
Pior ainda, sem ter tido formação na graduação para atender toda uma diversidade de alunos com dificuldades especiais que vão do transtorno mental à simples dificuldade de aprendizado? Aqui destaco que no decorrer desta semana, o presidente do país REJEITOU o projeto de que psicólogas/os e assistentes sociais fizessem parte do quadro de cada escola. Que equívoco tremendo!
Temos toda uma pauta de reivindicações para efetivamente fazermos uma educação de qualidade, que forme cidadãos pensantes e críticos, que possam atuar na construção de uma sociedade mais igualitária e digna.
Apesar dessas carências, é importante registrar que existem experiências e resultados muito positivos, apesar da falta de estrutura que presenciamos cotidianamente. Isso se deve exclusivamente à dedicação das professoras/es, pedagogas/os e funcionárias/os, que usam de seu esforço e criatividade no cotidiano de seu trabalho para responder às mais diversas demandas. Esses resultados, sem o reconhecimento do poder público, mas sim de nossos alunos, seus pais e da comunidade escolar são o que nos impulsiona a seguir no trabalho e na luta incansável por melhorias na Educação. Esse compromisso segue firme e dá todo um sentido à nossa vida.
PS. Nós, trabalhadores da Educação – verdadeiros agentes da responsabilidade social, sabemos como fazer, temos formação e experiência acumuladas para isso. O que falta é compromisso e ação dos governos em investir na Educação e no presente e futuro de nossos alunos. Temos total convicção de que o caminho da construção da Educação de Qualidade é valorizar quem sabe e tem formação para isso e não militarizar escolas para impor disciplina, obediência e subserviência.
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