Pular para o conteúdo
EDITORIAL

Um ano de #EleNão: o que ocorreu de lá pra cá e quais tarefas seguem colocadas

Editorial de 29 de setembro de 2019
Annelize Tozzeto / Colaborativa EOL

Manifestação do ELE NÃO no Rio de Janeiro, em 2018

Completamos neste domingo, 29 de setembro de 2019, um ano da imensa manifestação do #EleNão. Iniciado de forma espontânea e como um movimento virtual, através de um grupo do Facebook – Mulheres Unidas contra Bolsonaro – que em poucas semanas chegou a reunir mais de dois milhões de mulheres. De espontânea, a mobilização passou a ser preparada por plenárias que reuniam centenas de ativistas país afora e das redes passou às ruas em um sábado do fim de setembro, logo antes do primeiro turno das eleições presidenciais. Milhões de pessoas em todas as capitais e em dezenas de cidades espalhadas pelo Brasil e pelo exterior se reuniram em manifestações de rua sob a consigna do #EleNão. Consigna esta que significava rejeitar não somente um candidato, mas todo um projeto conservador, de viés fascista, autoritário e excludente para o Brasil.

Ainda que históricas e intensas, as manifestações não foram suficientes para barrar a ascensão desse projeto, mas ao menos soubemos que não estávamos sozinhas.

Passado um ano, a realidade se mostra ainda mais aterradora do que os prognósticos. Os ataques ao conjunto das trabalhadoras e trabalhadores caminham a passos largos, seja através das reformas que se aprofundam ou se avizinham, que empurram cada vez mais mulheres, principalmente mulheres negras, para a precarização; quer seja pelo desmonte e pelas ameaças aos já debilitados sistemas públicos de saúde e educação em benefício de sistemas privados aos quais a maioria de nós sequer tem acesso ou a suspensão de políticas públicas de combate a pobreza.

Inscreva-se para o curso Feminismo e Marxismo, da escola de formação política do EOL

Mais uma vez nós, mulheres, estamos à frente da resistência, e não poderia ser diferente, pois, mais uma vez, somos as mais atingidas por esse projeto excludente e pelo discurso conservador. Esse segundo, longe de ser uma retórica sem consequência, se desdobra em um discurso de controle da mulher que tem um impacto profundo nas nossas vidas pois se concretiza no aumento da violência contra a mulher e na piora nas nossas condições de existência cotidiana. Os dados preliminares dos primeiros meses de governo Bolsonaro indicam um aumento significativo dos feminicídios no país (para além do que poderia ser previsto pelas tendências indicadas no anuário da violência 2019) e todos os dias nos meios de comunicação se multiplicam notícias de casos de violência de gênero. Nosso acesso aos direitos reprodutivos, já bastante limitado, recebeu mais um baque na semana passada diante de uma resolução do Conselho Federal de Medicina que prioriza a atenção ao feto em detrimento da integridade física e mental das gestantes.

Assim, o discurso conservador não pode ser tomado como uma simples ignorância ou minimizado como cortina de fumaça, mas sim deve ter entendido como o que ele é: um discurso excludente que visa, a partir da subalternização da mulher, principalmente através da violência, permitir ao capital se reproduzir a custos mais baixos. A violência de gênero e o discurso conservador da família tradicional, propagados e incentivados por esse governo e seus apoiadores tem a fundamental função de garantir por exemplo a manutenção dos níveis salariais baixos, uma vez que as mulheres ganham em média 30% a menos; a retirada de direitos, pois os trabalhadores mais precarizados são mulheres negras; a desoneração do Estado em relação as políticas de assistência social, já que é imposto às mulheres a maior parte do trabalho doméstico e de cuidados.

Essa ameaça não deve ser desprezada e está muito bem articulada com outros setores da classe dominante. Essa semana assistimos algumas amostras de como esse discurso conservador em relação às mulheres é traduzido na mídia para o grande público. Em dois programas de um mesmo canal aberto de televisão mulheres apareceram passando roupa como maneira de provar seu valor diante de um pretendente e meninas, ainda crianças, competiam para ver quem tinha o corpo mais bonito. Em que pese o latente conteúdo pedófilo do show, as meninas foram avaliadas por seus corpos e as mulheres por suas habilidades domésticas. Ao mesmo tempo, nas redes sociais circulou amplamente um vídeo do dirigente de uma das maiores designações neopentecostais do Brasil indicando que as mulheres não deveriam ter acesso ao estudo superior para não terem mais conhecimento que seus maridos (nisso considerando que o casamento é a única forma de inserção social feminina) e servirem adequadamente como esposas.

Poderia ser caricato não fosse o dono da rede de televisão onde os programas foram exibidos (e protagonizado por ele) e o pastor dirigente convidados de honra do presidente da República no desfile do Sete de Setembro em Brasília, momento emblemático para um político de assumida tendência autoritária, comprovando, portanto, o nível de articulação desses elementos.

Assim, mais uma vez nós mulheres fazemos um chamado para às ruas no dia 29 de setembro de 2019. Um chamado para um #EleNão que represente a rejeição a todo esse projeto conservador, de caráter fascista, excludente e, mais que tudo, neoliberal. Mas também que retome o tema da frente única, tão necessária para enfrentar as forças neofascistas, e que chegou, naquele breve tempo de preparação das mobilizações, cumprir um papel decisivo e apontar o caminho ao conjunto dos movimentos sociais. Nesse sentido há um grande passo sendo dado a partir da convocação, na Marcha das Margaridas, de um Encontro Nacional de Mulheres. À está convocatória se somou o PSOL a partir de seu recente Encontro. Façamos um grande encontro, que aponte um programa popular e classista, feminista, antirracista, antilgbtfóbico para enfrentar Bolsonaro e que reúna as milhares de ativistas que estão nas ruas desde a Primavera Feminista!

Somos conscientes de que todas as questões se interligam, que o machismo, o racismo, a homofobia, o desprezo à crise ambiental, o extermínio da juventude negra, a guerra aos pobres e o discurso conservador e religioso estão a serviço do capital para viabilizar a retirada ainda mais profunda de direitos, acentuar a precarização e permitir a manutenção dos lucros em patamares interessantes.

Diante disso não há negociação possível e se torna ainda mais fundamental que consigamos nos articular e nos mobilizar de forma a gerar o enfrentamento a esse projeto neoliberal.

 

Inscreva-se para o curso Feminismo e Marxismo, da escola de formação política do EOL

Marcado como:
#elenão / mulheres