Dizem que as sextas feiras 13 são dias de maus presságios. Não sou nada supersticioso. Nasci em um dia 13 e guardo uma simpatia pela data. Mas não tenho dúvida de que há uma margem de aleatório, acidental, ou fortuito na vida.
Na tradição do cristianismo parece que os maus agouros associados às sextas, dias 13, teria surgido em função do que aconteceu em 1307, quando a Ordem dos Templários, então a mais poderosa e mais rica da Igreja de Roma, os monges guerreiros que defendiam o Templo de Salomão em Jerusalém na Terra Santa, teria sido acusada de traição pelo Papa Clemente V, sob pressão do Rei da França Filipe IV, e destruída em um ataque impiedoso.
Nesta sexta feira 13 o que foi atacado foi a legitimidade da campanha Lula Livre, a tática de oposição irreconciliável com o governo Bolsonaro para criar as condições de derrubá-lo, e a tática de luta por um governo de esquerda.
Duas entrevistas ganharam divulgação: uma de Ciro Gomes e outra de Rui Costa. Curiosa e, perigosamente, elas convergem em balanços e perspectivas. Os três pontos mais importantes são: (a) a recusa em avaliar que, nas eleições de 2018, as liberdades democráticas foram subvertidas, porque Lula estava na prisão e não pode concorrer; (b) a recusa em avaliar que o governo Bolsonaro é um governo de extrema direita, liderado por um neofascista, e estando tudo ameaçado, é uma tarefa democrática lutar, irredutivelmente, para impedir que a regressão econômico-social e política prossiga; (c) a aposta quietista em uma tática eleitoral de centro-esquerda para 2022.
Uma só discordância importante. Sim, ambos querem ser candidatos à presidência na mesma chapa. Eis o que disse Ciro Gomes para a BBC:
“O Haddad é uma fraude. E eu não sou obrigado a apoiar ladrão, não sou obrigado a apoiar quadrilha (…) O que aconteceu com o Lula? O Lula se corrompeu. Não, se tem um brasileiro que sabe que o Lula não tem nada de inocente sou eu”.
Ciro já tinha declarado, poucos dias antes, que não reconhecia a Lula o estatuto de preso politico. Qualquer um na esquerda brasileira tem, evidentemente, o direito de manter uma posição crítica em relação ao que foram os governos liderados pelo PT. Mas a campanha de criminalização do PT é reacionária. Ela tem como objetivo desmoralizar e, portanto, destruir toda a esquerda, não somente o PT. Quem tem a inocente ilusão de que o apetite da extrema-direita está saciado com a prisão de Lula, se engana. Está olhando a árvore e ignorando a floresta.
Ninguém na esquerda deveria dormir tranquilo enquanto Bolsonaro estiver na presidência. A ala neofascista tem um plano. Parece loucura, mas obedece a um método. E não há nada de oculto na estratégia bolsonarista. Bolsonaro é um neofascista com um projeto de choque econômico-social tão regressivo que seu filho não hesita em confessar a tentação bonapartista.
O Psol, por exemplo, ao contrário de Ciro Gomes, não participou dos governos do PT, e foi oposição de esquerda. Mas o Psol não hesitou em somar à campanha por Lula Livre, porque compreende que a perseguição a Lula e ao PT foi instrumental para abrir o caminho para a eleição de Bolsonaro.
Já o governador da Bahia Rui Costa fez declarações em entrevista à revista Veja que são, também, um escândalo. Com líderes como Rui Costa o PT não precisa de inimigos. Indo do menos para o mais importante. Primeiro, Rui Costa insistiu que: “O certo era ter apoiado o Ciro Gomes lá atrás…nenhuma outra liderança te ria condições de (…) disputar a Presidência em pé de igualdade naquele cenário”. Este balanço da campanha de 2018 é uma distorção do que aconteceu.
A tática “Cristina Kirchner” teria sido um desastre em 2018, e promete ser um desastre para 2022. Um desastre político e eleitoral. Eleitoral porque não há qualquer evidência séria de que Ciro Gomes teria ido ao segundo turno, mesmo com o apoio do PT. E se tivesse ido, tampouco há qualquer evidência séria de que teria derrotado Bolsonaro. Trata-se de pensamento mágico, ou seja, puro desejo.
Acontece que há derrotas eleitorais que não são derrotas políticas. Quando se dão as duas o desdobramento é uma desmoralização irreversível. A tática de apoiar Ciro Gomes em 2018 teria sido a “tempestade perfeita”. Primeiro, porque o Brasil não é a Argentina. Cristina Kirchner perdeu as eleições em 2015. No Brasil se precipitou, em três meses, um golpe institucional jurídico-parlamentar, como já tinha acontecido antes em Honduras e no Paraguai, porque a classe dominante não se sentia segura de poder vencer as eleições se Dilma Rousseff pudesse terminar o seu mandato.
Em segundo lugar, porque no Brasil a principal liderança do PT foi presa para que não pudesse concorrer, e este tema era central na campanha eleitoral. Em terceiro lugar, porque Ciro Gomes assumiu e mantém, consciente e, reconheça-se, coerentemente, uma posição ambígua em relação ao golpe institucional, em relação à prisão de Lula, e em relação ao governo Bolsonaro. Mas Rui Costa foi adiante e disse muito mais:
“É natural que a oposição, se tiver juízo, recolha o trem de pouso e deixe o presidente governar. Não dá para um partido do tamanho do PT(…) ficar só na negativa. O PT deve exigir a defesa do “Lula livre” para formar alianças? Não, não acho que esse é o ponto que deve ser usado pelo PT para condicionar qualquer diálogo com as oposições para formar uma frente. Estou disposto a assumir qualquer tarefa.
Ficamos sabendo que Rui Costa defende que o PT e, portanto, toda a esquerda e os movimentos sociais, não sejam negativos. Presume-se que devem ser positivos. Uma atitude positiva é deixar o governo governar. Mas, um momento, se não seremos intransigentes diante de um governo Bolsonaro, para quê serve a esquerda brasileira? Qual é a sua utilidade para a representação dos interesses dos trabalhadores, da juventude e do povo?
Um partido como o PT, com quase 40 anos de existência, precisa decidir o que fazer. Não pode pretender ser um ponto de apoio para a construção da resistência a Bolsonaro e, ao mesmo tempo, ignorar as declarações de Rui Costa. Porque os partidos não podem ser julgados pelo que dizem de si mesmos. Devem explicações pelo que fazem os seus dirigentes.
Toda a evolução da situação sugere que ainda há, mesmo se dispersas, energias proletárias e populares represadas dentro do PT. Nas vésperas de seu Congresso Nacional está mais do que na hora de um momento “Jeremy Corbin” de virada contra a adaptação “Tony Blair”.
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