A rotina do carteiro que votou em Fernando Haddad nas eleições presidenciais é dura. Ele acorda cedo, enfrenta o transporte público, tem que fazer seu trabalho sob pressão do chefe, sofre com o assédio moral, com as doenças adquiridas no trabalho e agora vive com medo de perder o emprego por causa do anúncio de privatização dos Correios. E qual a rotina do carteiro que votou em Bolsonaro? Exatamente a mesma.
As diferenças de ideologia não eliminam as semelhanças na vida material. E é a vida prática que muitas vezes define as mudanças de posicionamento político. Em especial em um momento no qual o trabalhador suspende o trabalho e se torna sujeito de seu destino. Este momento é a greve.
A greve é capaz de fazer com que trabalhadores que antes eram contaminados pela ideologia da classe dominante avancem em suas consciências. Um dia de greve pode valer por anos na mudança de mentalidade. Não há livro, jornal, filme, vídeo ou meme de internet que consiga influenciar mais que a experiência prática, do que a ação comum.
Quem já participou do movimento sindical sabe como a vivência em uma greve pode mudar uma pessoa. Aquele que acreditava ser “colaborador” da empresa, que um dia iria vencer na vida seguindo as regras do capitalismo, muitas vezes acaba se tornando o grevista mais engajado. Como o movimento, ele percebe a qual classe ele pertence. Percebe que os ricos e poderosos não estão do lado dele e que nada vai vir sem luta.
Participar de uma greve não é uma coisa fácil. O risco de ter desconto no salário pelos dias parados, a pressão dos chefes, a repressão da polícia e às vezes do Poder Judiciário, tudo isso pesa na hora de tomar a decisão de parar. Se um trabalhador que votou em Bolsonaro se dispôs a participar de uma greve, com certeza, em algum aspecto, sua consciência mudou.
E o que devemos fazer? Comemorar isto e ajudar este trabalhador se livrar das ideologias que o fez errar no voto em 2018? Ou ter uma postura infantil de falar “bem feito, quem mandou votar em Bolsonaro”? O que ajuda mais na luta contra este governo autoritário?
Não é hora de brincar. Se Bolsonaro for vitorioso, todos os trabalhadores irão perder. Todas os grupos que sofrem preconceito irão perder. O Brasil vai perder. E não será qualquer derrota. E será decisiva a maneira como lidamos com aquelas pessoas que não são apoiadoras fanáticas de Bolsonaro, mas votaram nele, convencidas pelo discurso de mudança.
Afinal, se as 57 milhões de pessoas que votaram no atual presidente fossem “bolsominions” a gente já estaria em uma ditadura há muito tempo. Logicamente não há diálogo com fanáticos que defendem tudo o que o governo faz e que reproduzem os preconceitos asquerosos da família presidencial, que compartilham do machismo e da homofobia, que defendem a ditadura e os torturadores. Mas estes são minoria. A maioria pode e deve ser convencida por nós.
É muito bom que carteiros que votaram em Bolsonaro estejam na greve. Que percebam o preço da proposta econômica de Bolsonaro e Guedes. Isto é motivo de comemoração. Seria melhor ainda se os caminhoneiros também estivessem parados. Esta mudança de posição, junto com a unificação das lutas de resistência, é o que a oposição precisa para formar uma maioria social capaz de derrotar este governo.
Comentários