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BRASIL

A frase do filho de Bolsonaro e a ameaça neofascista

Gustavo Sixel, da redação
Renan Olaz Câmara Municipal Rio de Janeiro

Carlos Bolsonaro

Carlos Bolsonaro, vereador do Rio de Janeiro e filho do presidente da República disparou, pelas redes sociais, que as mudanças necessárias não viriam com a democracia. Segundo ele: “Por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos… e se isso acontecer. Só vejo todo dia a roda girando em torno do próprio eixo e os que sempre nos dominaram continuam nos dominando de jeitos diferentes!”.

A frase foi amplamente repudiada por entidades de Direitos Humanos, sindicatos, OAB, partidos e lideranças de esquerda. Também foi criticada por Raquel Dodge, do MPF, pelos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, e pela imprensa.

Parte dos que condenaram o tuíte de Carluxo, em especial articulistas, trataram-no como uma bravata do filho do presidente, como mais uma frase para alimentar as redes e o ódio de fatia da sua base de apoio. De fato, não estão colocadas na ordem do dia medidas como o fechamento do Congresso. No entanto, os ataques às liberdades democráticas e aos trabalhadores nestes oito meses servem como um poderoso alerta para que a esquerda brasileira e todos os que estão empenhados na resistência democrática ao governo de extrema direita de Bolsonaro não minimizem o perigo das ameaças da família do presidente.

O bolsonarismo, mais do que simplesmente uma expressão política da extrema direita, vai se afirmando como um movimento neofascista, com características específicas, mas com muitos traços em comum com outras expressões do neofascismo pelo mundo. Resguardando essas diferenças, a necessidade de combater o bolsonarismo, o neofascismo à brasileira, nunca foi tão urgente.

Seis características do neofascismo no Brasil

1. Defesa da ditadura militar
Bolsonaro e seus filhos sempre prestaram homenagens à ditadura militar e transformaram um torturador em um heroi para algumas milhares de pessoas. No governo, o bolsonarismo homenageou o aniversário do golpe militar, em 31 de março, e atacou a memória dos desaparecidos políticos, como Fernando Santa Cruz. Na defesa do golpe e dos governos militares, o bolsonarismo está unido com os generais das Forças Armadas, que agem como se estivessem a postos para atender a pedidos da sociedade civil, leitura que insistem em repetir sobre o golpe de 1964, e se manifestam em momentos decisivos, como no julgamento do ex-presidente Lula.

2. Ataques a vida e aos diretos dos oprimidos
Da mesma forma que em fenômenos políticos anteriores, como o fascismo italiano, os agentes das forças de segurança, como policiais, guardas civis e bombeiros, estão, em ampla maioria, integrados ao bolsonarismo. Nesta guerra, são agentes ou “cúmplices morais e materiais” da perseguição aos “inimigos”. A esquerda e os setores oprimidos foram transformados em alvos. Por isso o crescimento absurdo das mortes em operações policiais, evidenciando o genocídio da juventude e do povo negro, e de casos como a tortura de jovens negros em supermercados, até com açoite. E também da violência contra LGBTs, em especial trans, e do feminícidio, que já é epidemia. A política de armar a população é parte fundamental do bolsonarismo (assim como a relação com as milícias) e só vai aumentar a escalada de execuções.

3. Defesa do fim dos mínimos espaços democráticos do sistema político
As ameaças contra a ordem democrática são frequentes. Em 2018, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) já ameaçava o poder judiciário, que seria fechado apenas com “um soldado e um cabo”. “O que é o STF? Tira o poder da caneta de um ministro do STF, o que que ele é na rua?”, desafiava. No poder, o bolsonarismo seguiu atacando os demais poderes, e chegou a convocar manifestações de rua contra o STF, a mídia (Folha e Globo) e o Congresso. As instituições atuais, que representariam uma “velha política”, ao mesmo tempo em que são um alvo, servem como culpados por todos os problemas do país, em especial a estagnação econômica.

4. Brutais ataques aos direitos sociais, a soberania e ao meio ambiente
Ao contrário do fascismo clássico, surgido na Itália e na Alemanha no século passado, o bolsonarismo abandonou qualquer traço nacionalista e se comporta como agente direto da entrega do país e de suas riquezas (petróleo, terras, meio ambiente, trabalhadores) para as grandes potências e grupos econômicos, os EUA, privilegiadamente. Os ataques são devastadores: ao meio ambiente, com a queima da Amazônia em escala inédita; a entrega da Petrobrás, abrindo mão do petróleo; e a retirada de direitos trabalhistas e previdenciários, com a transformação das amplas massas de trabalhadores em mão-de-obra precarizada e descartável. A ideia de um país soberano e do enfrentamento com o capital parasitário não faz parte do bolsonarismo
O neofascismo brasileiro concilia o aumento do autoritarismo com a aplicação de medidas econômicas selvagens, repetindo a fórmula da ditadura militar chilena. Este casamento atesta a falta de qualquer lealdade do grande capital com as fórmulas democráticas e revela o seu único e verdadeiro compromisso, o lucro.

5. Controle ideológico do conhecimento e da educação
O bolsonarismo e as demais vertentes da extrema direita promovem uma guerra de ideias, na qual utilizam de forma abusiva a fé religiosa, usam fake news e criam caricaturas como a “balbúrdia” nas universidades e a “ideologia de gênero”. Na verdade, o que se pretende é o combate ao que chamam de “marxismo cultural”, que nada mais é do que o pensamento crítico na educação e na Ciência. Ao mesmo tempo em que sufocam as universidades, desqualificam a Ciência e suas pesquisas, como a que mostra a catástrofe ambiental, e censuram publicações como os quadrinhos da Bienal com um beijo gay, o governo vai impondo um controle sobre o conhecimento. Para isso, contarão com a militarização das escolas e a formação de milhares de jovens em uma ideologia conservadora e reacionária, sustentada por ressentimentos, ódio e fanatismo.

6. Combate permanente à esquerda, aos movimentos sociais e a toda e qualquer oposição
O ódio do bolsonarismo à esquerda vai muito além de Lula e do PT. Está por trás uma ideologia anticomunista, presente em todos os fenômenos fascistas e neofascistas na História. A guerra contra as organizações dos trabalhadores, contra a memória e símbolos da esquerda reflete o ódio da pequena burguesia organizada contra a classe trabalhadora. A perseguição à lideranças de esquerda, como na prisão de Lula e nos ataques a parlamentares do PSOL, tiveram como ponto mais grave o envolvimento de milicianos próximas da família Bolsonaro no assassinato de Marielle Franco, em 2018.

Com o bolsonarismo, a violência política tem aumentado, com assassinatos e prisões de sem-terras e sem-tetos, aumento dos casos de perseguição à imprensa (The Intercept), de atropelamentos em protestos de rua e até mesmo atentados políticos. O último exemplo pode ter ocorrido na noite de sexta-feira, 6, na sede do DCE Fernando Santa Cruz, da Universidade Federal Fluminense, em Niterói (RJ), quando houve um princípio de incêndio criminoso em uma das estátuas que ficam na entrada do prédio da entidade. Na ocasião, acontecia uma homenagem à Fernando Santa Cruz, com a presença de sua irmã.

Como enfrentar o neofascismo?

A construção de uma frente única das organizações da classe trabalhadora segue sendo um desafio para a luta contra o neofascismo. Os momentos de unidade da classe, como nas lutas de maio da juventude e no Ele Não, demonstram que a ação unitária é a única forma de nos mantermos na rua, em resistência, e enfrentarmos esse governo e sua corrente política de opinião.

Ao mesmo tempo, é preciso apostar em unidades de ação amplas, em uma Resistência Democrática contra o bolsonarismo, em unidade por pautas concretas, como a defesa da Amazônia, da soberania, da Petrobrás, da universidade e pela liberdade de imprensa.

Essa ação, que pode englobar amplos setores, inclusive de centro-esquerda, não pode ser transformada em uma aliança eleitoral. Por mais que as eleições assumam grande importância, o desfecho da batalha com as forças neofascistas se dará nas ruas, nas manifestações e greves. É nas ruas que derrotaremos Bolsonaro.

É necessário disputar a consciência de milhões de pessoas na classe trabalhadora que foram ganhas para o projeto da extrema direita, impulsionado pela pequena burguesia. Atitudes “vingativas”, como, por exemplo, a de culpar os trabalhadores dos Correios e se negar a apoiar a sua greve, por conta do voto da categoria em Bolsonaro, não ajudam a disputar a classe trabalhadora.

Ao contrário, devemos denunciar a crise econômica, a piora nas condições de vida, a violência da PM nas comunidades e os efeitos das reformas na vida das pessoas, para potencializar o desgaste do governo e a queda em sua aprovação. E combinar essa denúncia com as ações concretas de resistência, com as ações de rua, unificadas, como as que estão sendo construídas para o início de outubro. em defesa da soberania, contra as privatizações e pela educação.