A Juventude Nacional Afronte organizou, na última sexta-feira (06/09), um aulão público intitulado “Aborto: uma questão de saúde pública” e um ato político, na frente do Instituto de Ciências Jurídicas (ICJ) da Universidade Federal do Pará (UFPA), como uma forma de repúdio à dissertação de Mestrado do Programa de Pós-graduação do Direito (PPGD-UFPA), “O direito moral absoluto de não ser morto por outrem: uma análise perante a prática abortiva”, a qual estava sendo defendida, no ICJ, no mesmo horário do aulão público e com uma banca examinadora composta totalmente por homens.
Além do mais, essa manifestação de repúdio deu-se porque o Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD-UFPA) atua na área de Direitos Humanos, e essa já é a segunda vez que o professor orientador da dissertação de Mestrado supracitada orienta uma dissertação que fere os Direitos Humanos. A primeira foi “Natureza Conjugal do Casamento – Desconstrução Jurídica e Consequências Empíricas”, a qual atacava diretamente os direitos humanos da população LGBTIQA+, instrumentalizando o preconceito e a discriminação como argumentação acadêmica e com embasamento teórico em livros de autoajuda. Essa segunda dissertação citada também foi alvo de várias manifestações de repúdio tanto dentro da Universidade Federal do Pará (UFPA), quanto nacionalmente. Dessa forma, fazia-se necessário a criação de uma manifestação de repúdio a essa dissertação que tratava a prática abortiva como uma questão de direito moral absoluto e, não, como uma questão de saúde pública que afeta diretamente a vida das mulheres.
O aulão público foi ministrado pela Dr. Prof. Adriane Lima, pesquisadora em feminismo decolonial e interseccional, educadora popular, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas “Eneida de Morais” (GEPEM) e, também, militante da Resistência, a qual abordou a realidade do aborto nos países que o criminalizam totalmente ou parcialmente, e quais as consequências dessas políticas de omissão do Estado para com as vidas das mulheres, visto que mesmo com o aborto sendo criminalizado ele ainda ocorre e ceifa a vida de uma mulher, pelo menos no Brasil, a cada dois dias por aborto inseguro, de acordo com a Pesquisa Nacional do Aborto (2016). Além disso, expôs dados da pesquisa mais recente da Revista Paraense de Medicina (2015), realizada na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, a qual entrevistou 33 funcionários – sendo eles: Médicos, Enfermeiros e Assistentes Sociais-, obtendo no final da pesquisa o resultado de que apenas 15%, dos entrevistados da área de emergência em Ginecologia e Obstetrícia, reconhecem as Normas Técnicas de Atenção Humanizada ao Aborto, mostrando assim a precarização dos parâmetros clínicos de acolhimento à saúde da mulher. Ademais, foram explanados os dados, da Fundação Oswaldo Cruz, sobre a cor do aborto, visto que as mulheres negras são as que mais morrem e correm risco de morrer por conta de aborto inseguro no Brasil.
No Brasil, excluindo os casos de estupro, risco para a vida da mulher e feto anencefálico, para quem provoca o aborto em si mesma, a pena é de detenção por 1 a 3 anos, sendo que participantes do ato podem ser criminalizados da mesma maneira, este viés punitivista e errônea de lidar com o aborto não afeta a continuidade da prática abortiva no Brasil, como pode se ver nos dados seguintes, divulgados pela Pesquisa Nacional do Aborto (2016), realizada pela Anis – Instituto de Bioética e pela cartilha “É Pela Vida das Mulheres – Legalização do Aborto, Já!” (2018), realizada pelo ANDES: 1 em cada 5 mulheres brasileiras até 40 anos já fez aborto, estima-se que ocorram de 500 a 800 mil abortos clandestinos todos os anos e uma média de 200 mil internações por abortos malsucedidos. A escolha pela prática abortiva pelas mulheres são múltiplas, como: o abandono paterno, atualmente no Brasil 5,5 milhões de brasileiros não têm o nome do pai no documento de registro; a falta de condições dignas para exercer a maternidade, visto que 48% das mulheres são demitidas nos primeiros 6 meses após o parto e 1 em cada 4 mulheres não consegue retornar ao mercado de trabalho depois da gestação, e 88% dessas mulheres alegam a falta de creche como o maior empecilho para poder trabalhar. Em suma, defender a prática abortiva descriminalizada, gratuita, segura e pública é defender a vida das mulheres e também as das que morreram devido procedimentos abortivos clandestinos.
Com o fim do aulão público iniciou-se um ato político, com cruzes verdes que simbolizavam a morte das mulheres por aborto inseguro, pelo Instituto de Ciências Jurídicas (ICJ) até o auditório onde estava acontecendo a defesa da dissertação de Mestrado “O direito moral absoluto de não ser morto por outrem: uma análise perante a prática abortiva”. Durante o trajeto, era gritado palavras de ordens que ecoavam por todo o instituto: “Legaliza! O corpo é nosso! É nossa escolha! É pela vida das mulheres!”.
Por fim, o ato terminou no auditório onde estava sendo defendido a dissertação de Mestrado, com uma intervenção da companheira Raquel Freitas, militante do Afronte, fomentando a discussão a respeito da criminalização do aborto no Brasil, que gera mortes e sequelas para a saúde das mulheres em função de uma falsa moral religiosa. Ademais, destacou a irresponsabilidade da pesquisa para com a vida das mulheres, que são as mesmas que financiam o funcionamento do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD-UFPA).
Em suma, defender a prática abortiva legalizada, gratuita e pública, é defender a vida das mulheres e de todas as companheiras que faleceram devido os procedimentos clandestinos. E para elas não faremos nenhum minuto de silêncio, e sim uma vida inteira de muitas lutas! Sendo assim, a dissertação de mestrado do Programa de Pós Graduação do Direito (PPGD- UFPA), “O direito moral absoluto de não ser morto por outrem: uma análise perante a prática abortiva”, defendida por M. da S. R. é irresponsável e imprudente quando trata a prática abortiva como uma questão moral absoluta e não com a seriedade real que é esse assunto para a manutenção da vida das mulheres. Nos queremos vivas! Nem presa, nem morta! Aborto legal, seguro e gratuito.
* Beatriz Carneiro André graduanda de Direito na Universidade Federal do Pará (UFPA), militante do Afronte Pará e coordenadora do Grupo de Estudos Marielle Franco (GEMF).
* Lorena Carolina Monteiro graduanda de Ciências Sociais na Universidade Federal do Pará (UFPA), militante do Afronte Pará e coordenadora financeira do Centro Acadêmico de Ciências Sociais- Hecilda Veiga (UFPA).
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