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MUNDO

Suspensão do parlamento no Reino Unido: uma análise

Travesti Socialista, colunista do Esquerda Online
Reprodução TV Brasil

Acatando ao pedido do primeiro-ministro Boris Johnson, Elizabeth II, rainha do Reino Unido, suspendeu o parlamento por pouco mais de um mês. Isso permitiria a Boris escolher a política do Reino Unido para a saída da União Europeia, em particular os termos do acordo entre as duas partes. A saída é evidentemente autoritária e nefasta, mas creio ser importante compreender a medida desse autoritarismo. Escrevo alguns pontos sem pretender fechar a discussão.

Os pontos foram copiados de uma postagem minha com acréscimo dos pontos 9-a e 9-b.

1) Não existe país chamado “Inglaterra”. As outras nações (Escócia, País de Gales, Irlanda do Norte) são subjugadas e têm pouco poder no Reino Unido, de modo que até nos esquecemos delas, mas não devemos.

2) Todo Estado usa medidas repressivas e autoritárias, em maior ou menor grau. Há que se medir, entretanto, o salto de qualidade de um regime democrático para um bonapartista ou ditatorial.

3) Um regime ditatorial se constitui quando uma fração dos agentes do Estado, com apoio de uma fração da burguesia (incluindo capitalistas dos países imperialistas), toma o controle de todo o Estado, massacrando ou limitando severamente a oposição, inclusive burguesa. Assim, numa ditadura, no balcão de negócios da burguesia, apenas um setor dá as ordens. É por isso que (via de regra) uma ditadura precisa se constituir por um golpe.

4) Um golpe é quando, através de uma manobra com participação de setores da sociedade civil, uma fração dos agentes do Estado derruba outra e assume o poder. Nem todo golpe dá origem a um regime autoritário.

5) Não podemos equiparar o sistema político brasileiro com o do Reino Unido e outros países dominantes ou semidominantes da Europa. Lá, é muito comum o sistema parlamentarista, no qual o parlamento elege (indiretamente) o primeiro-ministro, às vezes também o presidente (que fica a cargo das relações internacionais). Também comum que o parlamento tenha de ser dissolvido porque não foi possível construir maioria, ou que o primeiro-ministro seja derrubado por uma única votação no parlamento com maioria simples, etc.

6) Enquanto a maioria das crises políticas nos países mencionados são resolvidas com novas eleições, plebiscitos, etc, no Brasil há uma tradição muito mais autoritária. Por isso que a Constituição de 1988 criou mais barreiras para a derrubada da presidência, porém, ainda assim a Dilma caiu sem qualquer consulta à população e sem novas eleições.

7) No Brasil, as eleições indiretas foram um instrumento que o exército utilizou para impor sua ditadura. No parlamentarismo do Reino Unido, Portugal, Grécia, etc, as eleições indiretas são a maneira da democracia funcionar. Isso é lógica dialética: A não é sempre igual a A, ou seja, eleição indireta nem sempre significa ditadura, depende do contexto.

8) Há, em alguns países, uma monarquia parlamentarista. A razão é que, no passado, para não serem derrubadas por revoluções e guilhotinas, as monarquias fizeram acordos de democratização do sistema. Isso inclusive garantiu a elas algumas medidas autoritárias, herança do absolutismo.

9) O Reino Unido está em crise de governo desde a votação do Brexit, há três anos. Thereza May renunciou porque não conseguia governar. Boris Johnson não queria repetir mais um ano de governo-sem-governo e apelou para Elizabeth II ajudar usando esse privilégio autoritário, que suspende o funcionamento do parlamento. Elizabeth atendeu esse pedido, pois negá-lo mostraria impotência ante a crise política que se arrasta por anos. Nitidamente, uma manobra com objetivo de impedir a continuidade da crise.

9-a) A febre de popularidade transforma a rainha em agente político e popstar ao mesmo tempo. Antimonarquistas, também infectados, clamam: “Abaixo a monarquia… após o reinado de Elizabeth”. A decisão de acatar o pedido foi dela; porém, o desgaste está sendo todo do primeiro-ministro. Criou-se uma desculpa: se contrariasse, Elizabeth demonstraria impotência e seria mal vista por quebrar a tradição da monarquia de sempre atender aos pedidos dos primeiros-ministros. Não fosse a febre, diriam que é seu dever comprar o desgaste e fazer o que é certo, ou seja, negar o pedido.

9-b) Neste caso, o que deveríamos defender? Junto-me à política por um novo plebiscito vinculativo no qual se consulte a população para referendar o Brexit e para decidir se deve haver um acordo de transição.

10) Assim, na minha opinião, não dá pra falar em golpe, pois Boris não assumiu o poder do Estado. De forma temporária, ele terá poder para fechar o acordo e governar sem ser barrado pelo parlamento. Entretanto, se ele abusar, o parlamento, no retorno, pode derrubá-lo. A não ser que essa manobra se torne um golpe, por exemplo, impedindo o retorno do parlamento ou algo assim.

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brexit / reino unido