Poucos países no mundo detêm a tecnologia para a fabricação de aviões. O Brasil entrou para este grupo a partir de 1969 com a criação da Embraer, depois de construir o CTA (Centro Tecnológico Aeroespacial). Após 50 anos, a empresa hoje alcançou o posto de terceira maior empresa aeronáutica no mundo, ficando atrás apenas da Airbus e da Boeing. Estas duas, porém, fabricam aviões de grande porte. No ramo em que a Embraer atua, aviões de pequeno porte, com até 150 lugares, ela é a líder mundial. Atua na aviação militar, comercial e executiva (jatos de luxo). Com este status, ela é também a maior exportadora do Brasil em produtos de alto valor agregado, impactando substancialmente na economia do país.
A Embraer nasceu como um projeto do governo, uma empresa estatal, porém na década de 90, vimos uma forte ofensiva liberal no país. Neste contexto, em 1994 a Embraer foi privatizada em meio a protestos e manifestações. Apesar de passar para o capital privado, o governo ainda detinha influência na empresa. Além do investimento financeiro que existe até hoje para manter especialmente a aviação militar, o governo detém uma Golden Share ou ação de ouro. É um tipo de ação especial que dá ao governo federal poder de veto sobre algumas questões estratégicas, como por exemplo, a venda para a Boeing que estamos vendo agora.
A partir da sua privatização, a empresa foi perdendo cada vez mais o seu caráter inicial. Além de perder seu caráter estatal, foi perdendo também seu caráter nacional. Iniciou-se em 94 um processo de desnacionalização da Embraer. No início dos anos 2000 se abrem ofertas públicas de suas ações. Em 2006, há pulverização do seu capital. Este processo abriu as ações da empresa para o capital estrangeiro. Já dentro da empresa, houveram mudanças nas condições de trabalho na fábrica, com alta porcentagem de trabalhadores terceirizados. Setores inteiros foram sendo transferidos para empresas fornecedoras estrangeiras. Até que em 2015 a própria produção de aviões executivos é transferida para os EUA.
Hoje o que ocorre é um aprofundamento de todo este processo, com a venda da empresa para a gigante norte americana Boeing. A proposta é que toda a parte comercial, que representa a parte mais rentável da Embraer, seja agora Boeing Brasil Commercial. Nesta “nova empresa” a Embraer fica com apenas 20% do que já fazia anteriormente sozinha. Após 20 anos até essa pequena fatia também pode ser vendida.
Não há nenhuma garantia de que a produção permanecerá no Brasil, ameaçando milhares de empregos. Já existe uma reestruturação ocorrendo na fábrica para receber a Boeing que vêm prejudicando muitos trabalhadores. Um grande exemplo, além das diversas demissões a conta gotas que já ocorreram, é toda uma área que está sendo transferida para outra cidade e caso alguém se recuse a se mudar até o final do ano, será demitido.
Essa transação fere também nossa soberania nacional. Apesar de entrar no acordo apenas a parte comercial, a aviação militar também será impactada e tende a se enfraquecer, dependendo de muito mais investimento público para sobreviver. Isso porque a produção de tecnologia para desenvolver uma aeronave corre numa mesma raia e não há essa divisão entre comercial e militar. Um parecer técnico da própria Força Aérea Brasileira (FAB) reforça essa ideia. Apesar de ser de interesse público, o parecer está sendo mantido sob sigilo pelo TRT da 15ª região e foi obtido com exclusividade pelo O Antagonista, que publicou em maio: “Pode-se estimar que o desenho proposto pela Boeing inviabilizará novos investimentos na Embraer Defesa, pois a americana não colocará recursos em uma área que existe equivalente nos Estados Unidos, assim como o governo brasileiro não colocará recursos, pois não terá interesse em investir em tecnologias que serão transbordadas para a empresa Boeing, sendo correto afirmarmos que o processo de inovação da Embraer estaria certamente comprometido”.
Apesar dos evidentes riscos, vemos hoje uma ampla campanha defendendo a venda da Embraer para a Boeing. Isso porque esta medida irá privilegiar o capital financeiro e os únicos que podem comemorar são os acionistas da empresa. Para o país o que sobra é a desnacionalização da indústria, incertezas na economia e ataque a nossa soberania. Bolsonaro que se elegeu com o slogan “Brasil acima de tudo”, não vetou a venda com seu poder de utilizar a Golden Share.
Hoje podemos confirmar que a privatização da Embraer foi o que abriu caminho para a entrega deste patrimônio físico e intelectual construído pelos trabalhadores da empresa. A anexação dela pela gigante Boeing é parte da tendência ao monopólio no estado capitalista, que só poderia ter sido evitada com uma política consciente de fazer com que a empresa respondesse a demanda do povo brasileiro. A lógica da empresa privatizada se voltou para este oposto, servindo ao lucro de uma minoria. A privatização prejudicou o país. Seus lucros não serviram para investir no Brasil, serviram apenas para enriquecer o capital financeiro e abrir as portas para o avanço do imperialismo neste setor estratégico.
Assim a única posição dos trabalhadores, movimentos sociais e sindicatos deve ser contra a venda da Embraer para a Boeing e defesa de sua reestatização.
* Esse texto paz parte de um dossiê do Esquerda Online sobre as consequências das privatizações no Brasil. Acompanhe pelo site as outras publicações sobre o tema.
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