A explicação para o avanço da devastação sobre a Amazônia vai além de simples descaso, em função de foco em pautas consideradas mais urgentes pelo governo vigente. As queimadas que temos assistido se tratam de uma abominável demonstração de um projeto político estratégico. O mais evidente exemplo é o de termos a bancada ruralista como a maior bancada do Congresso e, concomitantemente, presenciarmos a natureza brasileira sendo literalmente devastada como nunca visto antes.
Quem fala da natureza com muita propriedade são os cientistas, que estão tendo sua vida profissional invalidada pelas medidas de Bolsonaro. A exemplo de Ricardo Galvão, diretor do INPE exonerado após se opor à fala do presidente que disse que os dados divulgados sobre o aumento do desmatamento em relação ao ano passado eram falsos. É importante pontuar que o INPE possui o sistema DETER, que dá suporte ao IBAMA e a outros órgãos ambientais na sua fiscalização e controle de desmatamento em tempo real e, por isso, é reconhecido pela excelência na vigilância por satélite de florestas.
O Fundo Amazônia tem papel fundamental no trabalho de conservação e no combate ao desmatamento da Amazônia. O governo declarou que indenizaria grileiros que ocupam áreas de preservação e regularizaria a posse de terra com o fundo, financiado pela Alemanha e Noruega. Porém, o fundo estabelece condições e uma delas é o compromisso com a preservação da floresta. Com o acordo quebrado, Alemanha e Noruega bloquearam os repasses e o Brasil perdeu R$ 288 milhões. Além disso, Emanuel Macron declarou que Bolsonaro mentiu sobre a preservação da Amazônia e que a França irá se opor ao acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul. Na mesma manhã do dia 23 de agosto, a Finlândia, país líder da União Europeia, declarou que estuda formas de banir completamente a importação de carne do Brasil. Tais ações são medidas de retaliação ao que ocorre atualmente e irão afetar o meio ambiente e a classe trabalhadora brasileira.
É importante destacar que, se por um lado Bolsonaro têm avançado na destruição do meio ambiente, a reação dos países europeus não pode ocultar o que as principais potências capitalistas e suas empresas já provocaram ao meio ambiente e ao planeta. Os governos europeus, neste momento, são alvos de protestos poderosos por parte da juventude, que exige a adoção de políticas imediatas para deter o aquecimento global. Nem Macron, nem Bolsonaro são defensores do meio ambiente.
Em apoio ao atual presidente, fazendeiros do sudoeste do Pará anunciaram, no começo de agosto, o que seria o “dia do fogo”. Segundo o monitoramento do Programa de Queimadas, houve uma explosão nos focos de incêndio registrados por satélite nos estados do Pará, Amazonas, Rondônia e Mato Grosso, com um aumento de 84% em relação ao ano passado. Hoje (e há mais de duas semanas), o fundo é usado para apagar o fogo que já queimou milhares de hectares de Floresta Amazônica, Cerrado e Pantanal, passando pelos estados do Acre, Amazonas, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O Mato Grosso, que vive do agronegócio, teve aumento de 87% nos focos de incêndio. O que resta na Amazônia em chamas para além de árvores e animais carbonizados? Resta minério abaixo do solo, sem contar os vastos vazios para a “boa” intenção do criador de gado em surgir com uma solução para o problema que ele mesmo causou. Restam também os grandes proprietários de terra que têm as queimadas como prática recorrente, enquanto uma crescente parte da população mundial sofre, a curto e longo prazo, com o efeito da destruição da floresta que tanto importa nas chuvas, nos cursos d’água, na biodiversidade e na diminuição dos efeitos do aquecimento global.
Dada essa tragédia, Bolsonaro volta a expor suas acusações irracionais e desprovidas de quaisquer provas: acusou ONGs ambientalistas de terem causado os incêndios. É impossível conceber a possibilidade de que quem dedica sua vida ao meio ambiente, resistindo à conjuntura atual, consegue causar um incêndio de magnitude suficiente para encobrir o maior centro urbano do Brasil, a milhares de quilômetros do fogo.
Não podemos nos deter em desmentir essas palavras, mas em pensar o porquê de elas estarem sendo ditas. A criminalização de movimentos sociais e de ambientalistas é uma das tentativas mais recorrentes de Bolsonaro. Não é coincidência o fato de o presidente ter sua base no agronegócio e ao mesmo tempo negar o aquecimento global e abrir as portas para a liberação de cada vez mais agrotóxicos. Como não é coincidência sua base aliada negar pesquisas de grande interesse para a população ao passo que faz um verdadeiro desmonte na educação. Afinal, é muito mais complicado enganar um povo que tem educação de qualidade e com senso crítico.
Esquecer da nossa história sempre nos custou muito. Desde os saudosos da ditadura até o genocídio da população indígena. As invasões às terras indígenas, que sempre existiram, passaram a aparecer sem máscaras e com o apoio de uma parte da população amparada por Jair Bolsonaro. Recentemente, a tribo Waiãpi relatou invasão por garimpeiros e o assassinato do cacique Emira Waiãpi. O líder Yanomami Davi Kopenawa declarou que, por conta da mineração ilegal e dos próprios garimpeiros, os Yanomami vêm bebendo água contaminada com mercúrio, adoecem e morrem em decorrência da malária e da falta de médicos e remédios, o que já matou mais 20% dessa população indígena desde a década de 1980. Não é novidade o genocídio do povo indígena, mas é novidade o despencar das máscaras que cobriam os rostos dos apoiadores e promotores desse massacre, e é a eles e às suas políticas que temos que combater.
No meio social nenhuma ação ou evento se “descola” de outro, todos fazem parte de um grande conjunto de realidades que não existem se estão à parte umas das outras. O governo capitalista, seja ele gerido por quem for, não existe se a natureza nem os direitos da maioria da população forem preservados. Na natureza não é diferente: se se queima uma imensa biomassa vegetal, há a liberação abrupta de um grande volume de gases do efeito estufa, não há reprocessamento do gás carbônico produzido no mundo, não há liberação de oxigênio nem manutenção do clima. Se não existem rios voadores, há diminuição nas chuvas de toda o planeta e na amenização de temperaturas mais elevadas.
O quadro é alarmante: a Funai está esvaziada, Ricardo Salles, do Partido Novo, tem diversas acusações e inclusive foi condenado por improbidade administrativa enquanto era secretário do Meio Ambiente na gestão de Geraldo Alckmin em São Paulo, profissionais qualificados de órgãos ambientais sendo substituídos por militares, Bolsonaro abrindo edital para empresa privada monitorar a Amazônia, liberação de mais de 300 agrotóxicos, etc. Isso tudo no país que, por ter a maior biodiversidade do mundo e ser o mais rico em recursos naturais, está na mira da cobiça do capital estrangeiro. Além disso, 95% da verba para o clima foi cortada em maio desse ano, seguida pelo desmonte de órgãos ambientais, ataques contra os fiscais e incentivo ao armamento de latifundiários. Não é à toa que o capitalismo está causando o que é reconhecida como a primeira extinção em massa causada por uma espécie.
É essencial que não deixemos de citar os verdadeiros culpados por tamanho retrocesso em termos de políticas ambientais, não há mais tempo para abordar as questões da natureza no Brasil e no mundo e não falar sobre política. Por outro lado, também não temos tempo para sectarismo nesse momento de extrema urgência. Embora tenhamos nossas diferenças, é possível (e necessária) uma unidade, mesmo que sem dar as costas às experiências passadas para sabermos que caminho jamais seguir, pois o nosso inimigo ainda é o mesmo e é muito poderoso e, com ele, não cabem quaisquer tipos de aliança.
Agora está na nossa mão frear o projeto de Bolsonaro, precisamos não apenas resistir, mas afrontar. São muito importantes os atos que estão sendo realizados em dezenas de cidades, em defesa da Amazônia. Se não formos nós, a juventude, os indígenas, as mulheres, as trabalhadoras e trabalhadores, não será ninguém. Amazônia, presente!
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