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BRASIL

Qual a postura diante de um inimigo?

Caszely versus Pinochet
Trotsky versus Von Kühlmann
Chico Alencar versus Aécio Neves
Freixo versus Janaína

Ênio Bucchioni

Ela não cumprimentou o ditador Figueiredo em 1979

Grande impacto teve no seio da esquerda e da ultra-direita o encontro revelado pela mídia, entre o deputado federal Marcelo Freixo, do PSOL, e a deputada estadual Janaina Paschoal do PSL, partido de Bolsonaro.

Houve quem afirmasse que não há problema nenhum dialogar, sorrir e tirar fotos com as mãos dadas entre os dois. Seria algo necessário para a democracia. Ambos são, em princípio, fortíssimos candidatos às prefeituras do Rio de Janeiro e de São Paulo, respectivamente e, portanto, tanto agora como se forem eleitos em 2020 terão de manter relações republicanas e institucionais.

Houve quem repudiasse, pois Janaína, além de pertencer a um partido proto-fascista, o PSL de Bolsonaro, foi uma das autoras do pedido de impeachment de Dilma, dando início formal ao golpe e atendendo à vontade das manifestações dos milhões de amarelinhos nas ruas dirigidos pela direita, ultra-direita e fascistas.

Neste artigo vou relembrar apenas alguns poucos casos ocorridos na história onde representantes da esquerda e da direita ou ultra-direita se encontraram e qual foi a postura dos socialistas.

Caszely diante de Pinochet

Salvador Allende (de costas) e o craque Carlos Caszely

Pouquíssimas pessoas aqui em nosso país conhecem Caszely. Ele jamais foi tão mundialmente famoso quanto Messi ou Cristiano Ronaldo. Tampouco foi um grande revolucionário ou dirigente de algum partido de esquerda.

Em 1970, aos 20 anos de idade, Caszely já era o Pelé do futebol chileno. Um craque genial, inesquecível para toda a população daquele país. Jogava no Colo-Colo, tradicional time de futebol e com a maior torcida do país.Bem novinho, foi imediatamente selecionado para a equipe do Chile que iria disputar a Copa do Mundo de 1974 na Holanda.

Ah…. Ia me esquecendo. Cazely era apenas filiado ao Partido Comunista chileno, como uma pessoa qualquer entre os 200 mil filiados àquele PC num país de apenas 10 milhões de habitantes. No entanto, era superfamoso por suas qualidades futebolísticas. Até hoje, aos 69 anos, Carlos Caszely é um dos jogadores mais populares da história do Chile.

Perto da Copa de 1974 sua mãe Olga foi sequestrada, presa e torturada pelos militares de Pinochet. Há historiadores que afirmam que isso era uma tentativa de calar Caszely e obriga-lo a jogar pela seleção chilena.

Caszely achou o ato de tortura na mãe tão estúpido, que declarou anos depois:

“Ainda hoje não está claro por que fizeram aquilo. Eles a prenderam e torturaram selvagemente, e até hoje não sabemos de que ela era acusada. Recordo um país triste, calado, silencioso, sem risos. Uma nação que entrava nas trevas. Eu sabia o que viria de cima. Eu tinha medo. Não por mim, mas por meus amigos e por minha família. Eu sabia que estavam em perigo por minhas ideias”.

Num jogo de despedida da seleção chilena no estádio Nacional de Santiago- local de prisão de cerca de 40 mil pessoas logo após o golpe de Pinochet – antes do embarque para a Copa, quando os jogadores estavam perfilados, eis que de repente, aconteceu o inimaginável. Conta Caszely:

“Estávamos uniformizados. Havia um silêncio sepulcral. Eu olhava para todos como que querendo pedir socorro. De repente, a porta abre, entra um tipo com uma capa e uma touca escura. Ele começou a andar e a cumprimentar todo mundo. E neste segundo, antes de chegar até mim, fecho os olhos, coloco as mãos para trás e deixo passar o ditador sem dar a mão para mim”.

Era o Pinochet em pessoa e em público. Caszely foi o único jogador a rejeitar o ditador.

Um jornalista assim descreveu esse fato:

“A coragem é a fidelidade ao sentimento de honra, dever ou amor. Por isso dizemos: que afeto e grandeza em ser fiel ao mais íntimo sentimos naqueles braços para trás de Caszely, enquanto avançava contra ele o ditador. Com certeza, o jogador tremia, mas não podia ainda assim ceder à mão de Pinochet no cumprimento. Não sei, mas esse me parece o maior gol de placa da história. ”

Essa é, a meu modo de ver, a postura de alguém que se diga socialista na frente de um fascista ou pró-fascista! Esse é nosso inimigo de classe! Nenhum diálogo, nenhum sorriso! Não temos nada em comum, pois o socialista deve representar o povo e o fascista ou proto- fascista representa outra classe, a dos opressores do povo.

Repetindo-me, Caszely era basicamente apenas um grande jogador de futebol. Não era dirigente de nenhum Partido de esquerda. Jamais será esquecido pela classe trabalhadora chilena e, aos 23 anos de idade quando esse fato ocorreu, foi um exemplo a seguir para as gerações posteriores do seu país.

Trotsky e as negociações em Brest Litovski

Delegação soviética em Brest Litovski

Todos os parágrafos abaixo foram por mim selecionados do livro Minha Vida, de Trotsky, publicado pela Usina Editorial em 2017. As citações estão entre as páginas 416 e 419 do referido livro. As poucas palavras ou frases entre colchetes são de minha autoria:

“No dia 28 de dezembro de [1917] ocorreu em Petrogrado uma formidável manifestação por uma paz democrática. Sem confiar na resposta dos alemães, as massas tinham entendido que se tratava de uma vitória moral muito importante da revolução.

Na manhã seguinte, nossa delegação nos trazia de Brest- Litovski as exigências monstruosas que Kuhlmann formulava em nome dos impérios centrais.

[Richard von Kühlmann foi um diplomata e industrial alemão . De 6 de agosto de 1917 a 9 de julho de 1918, serviu como secretário de Estado das Relações Exteriores da Alemanha. Em dezembro de 1917 von Kühlmann explicou que os principais objetivos de sua diplomacia eram subverter e minar a unidade política dos estados inimigos]

Por iniciativa sua [de Lenin] parti para Brest Litovski. Confesso que fui como que para uma sessão de tortura. Meios repletos de homens que me eram estranhos e com quem eu não tinha nada em comum, sempre me afastaram, sobretudo este. Sou totalmente incapaz de compreender os revolucionários que se tornam facilmente embaixadores e que, em seu novo meio, comportam-se como peixes na água.

A primeira delegação soviética, encabeçada por Ioffe, foi exaltada por todos em Brest Litovski. O príncipe Leopold da Bavária recebia nossos camaradas como “hóspedes”. Todas as delegações faziam suas refeições juntas…

Havia na primeira delegação um operário, um camponês e um soldado.Eram homens que tinham vindo meio por acaso, pouco preparados para tais intrigas. O camponês, um homem idoso, deixou-se inclusive embriagar um pouco durante o jantar.

Na qualidade de presidente da delegação soviética, decidi repentinamente acabar com as relações familiares que se haviam desenvolvido imperceptivelmente na primeira fase. Através de nossos representantes militares, dei a entender que eu não tinha a menor intenção de me apresentar ao príncipe da Bavária. Foi anotado. Exigi que as refeições fossem separadas,alegando que, durante as suspensões de reunião, discutiríamos entre nós. Essa decisão foi aceita em silêncio.

No dia 7 de janeiro, Czernin escrevia em seu diário pessoal: “Antes do jantar, chegaram todos os russos sob a direção de Trotsky. Informaram imediatamente, com desculpas, que, a partir desse momento, não fariam mais as refeições em comum. E, de forma geral, não são mais vistos. Parece que, desta vez, sopra um vento bem diferente do da última vez. [O conde OttokarCzernin, representava as Potências Centrais] “

De Trotsky não se poderia imaginar outra postura diante dos representantes do imperialismo. Nenhuma intimidade, nenhuma conversa amigável, nenhum sorriso, nada de apertos de mão informais. Trotsky e a delegação russa representavam a Revolução dos operários e camponeses da Rússia soviética. Do outro lado estavam os representantes de outra classe. Assim deve-se entender o significado da postura dele. Não eram pessoas, seres humanos que estavam ali e que poderiam dialogar sobre qualquer assunto na hora das refeições em comum. Eram inimigos do socialismo e da revolução proletária!

A postura exemplar de Chico Alencar ao errar

Lembremo-nos apenas de mais um caso importante, onde a crítica foi muito bem recebida pelo então deputado Chico Alencar, aguerrido, combativo e carismático dirigente do PSOL.

Em março de 2017 ele postou um vídeo no facebook onde fez um mea-culpa sobre a participação dele no jantar de comemoração de 50 anos de jornalismo do colunista Ricardo Noblat  no restaurante Piantella, que reuniu o presidente Michel Temer, autoridades investigadas na Lava-Jato, advogados, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e deputados da oposição.

Já na madrugada, quando a festa de Noblat caminhava para o final, Chico acabou na mesa do presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG). Ao final de uma conversa tranquila, osdois se abraçaram e Chico beijou a mão de Aécio dizendo: “você é do bem!”.

Nesta autocrítica, de maneira humilde, altiva e digna para um dirigente do PSOL, Chico Alencar enumerou os seus erros:

“Na vida, a gente tem que aprender com os erros, e rever posições e situações. E é isso que estou fazendo aqui” — diz o deputado no vídeo para depois enumerar três erros cometidos por ele. Segundo o deputado, ele não deveria ter ido ao jantar, “ainda que conheça o Noblat há vários anos”.

“Em segundo lugar, tendo ido, poderia ter me limitado a dar um abraço nele, pelo seu meio século de jornalismo e ir embora. Terceiro, percebendo que (…)acabou sendo uma reunião da corte de Brasília, eu deveria não ter me dado a certas ironias, a certas descontrações, que são muito da minha personalidade, a certas amenidades, que ali não caberiam, porque com muita probabilidade seriam mal interpretadas e levadas para a ideia que estou convivendo com os meus adversários”.

E conclui: “Portanto errei, mas tropeço é para a gente levantar a poeira e dar volta por cima, prosseguir na caminhada”. Chico Alencar argumenta, no entanto, que “duas ou três horas de uma noite não pode inibir a história de uma vida. ”

Assim deve ser a postura de um dirigente de esquerda. Pode errar, sim. Mas, ao se desculpar publicamente – enumerando seus três erros-  com os militantes do nosso Partido e mostrando a todos qual é a postura se deve ter frente aos inimigos de classe, Chico Alencar se tornou ainda mais digno e coerente ao falar abertamente sobre esse infeliz episódio.

A trajetória ilibada de um dirigente não o permite ficar isento de críticas políticas. Não. Lenin errou algumas vezes e sua presença eterna ainda é mais elevada quando se sabe que ele mesmo pediu desculpas publicamente pelos erros cometidos.

Mas, podemos conversar e debater sobre os erros de Lenin em outros artigos. O que está em pauta nesse momento é a postura de Freixo no episódio do vídeo onde a conversa de maneira ‘civilizada’ com a deputada Janaína Paschoal, rendeu um vídeo do youtube visto por mais de 300 mil pessoas e reportado pelos principais meios de comunicação impressos do país.

 

Janaína representa o quê? Freixo representa o quê?

Janaína Paschoal e Marcelo Freixo para vídeo do Quebrando o Tabu, no youtube

 

Deputado por cerca de 13 anos, Freixo tem tido, em geral, uma boa atuação parlamentar pelo PSOL, seja na esfera estadual, seja na federal.

Por duas vezes, teve que se autoexilar por algum tempo por suas ações e combatividade.  A primeira vez foi no seu primeiro mandato. Ele era presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito das Milícias na Alerj e visava investigar a ligação de parlamentares com grupos paramilitares. Passou 15 dias de exílio na Europa por conta de ameaças de morte em fins da primeira década deste século.

A outra vez foi no seu segundo mandato na Alerj. Freixo presidiu a Comissão Parlamentar de Inquérito do tráfico de armas, cujo relatório foi apresentado em 2011. Nessa época, a convite da Anistia Internacional, deixou o Brasil após sofrer uma série de ameaças de morte.

Dois meses antes, a juíza Patrícia Acioli havia sido assassinada, baleada por uma arma pertencente ao Exército Brasileiro e de calibre restrito. O irmão de Marcelo Freixo, Renato, também foi assassinado a tiros, por milicianos, em julho de 2006, aos 35 anos de idade.Em 2018 sua amiga e companheira de lutas, a vereadora Marielle Franco também foi assassinada.

Sem me referir a várias outras atitudes e ações de Freixo como parlamentar e dirigente do PSOL, selecionei apenas estas duas acima para expressar que Freixo merece todo o nosso respeito e admiração pela sua conduta durante todos estes anos passados.

Houve quem, na esquerda, por respeito à trajetória de Freixo, lembrasse que ‘errar é humano”, e que “ não se pode queimar uma das melhores figuras combativas da esquerda nesse momento’.

Sim, verdade, errar é humano bem como não se deve queimá-lo e jogá-lo no fogo do inferno daqui até a eternidade. Mas, penso que, a crítica, quando é construtiva, serve de patamar para que qualquer outro companheiro não repita o mesmo erro.

Recolhi alguns outros argumentos a favor de Freixo nesse episódio com Janaína como por exemplo:

– “Entendo que queira amenizar a imagem de radical que o prejudicou nas eleições para prefeito. Só não precisava ser logo com essa louca! ”;

– “ É para campanha. Acho válido. ”;

– “ É melhor não ir ao debate? Ao diálogo? ”;

– “ Diálogo é importante sim. Infelizmente a gente está lutando agora por democracia, direitos sociais é um passo à frente. O que o Freixo tenta construir é um diálogo”;

– “Nesse atual contexto, a equipe Freixo está sendo sábia. Para o eleitor médio o caminho futuro estará mais próximo da retomada do diálogo e de gente mais preparada (e principalmente moderada) no poder. Não dá para nesse momento de ódios exacerbados o PSOL encampar (com todos os seus quadros políticos) o discurso idealizado nas fileiras do marxismo acadêmico, fundamental para ajudar a descortinar as contradições. Conversar com os evangélicos, conversar com todo mundo e ampliar a visão sobre a esquerda. Agora não é hora de dividir ainda mais a tão fragmentada sociedade civil.”

Os argumentos que colhi expressam três conteúdos:

1) A conversa com Janaína foi republicana, civilizada, foi ótima para a campanha eleitoral de Freixo para prefeito do Rio em 2020, o isenta de radicalismo e mostra que ele sabe viver com “adversários políticos” na democracia.

2) O debate, o diálogo deve ser feito por todos os dirigentes da esquerda com figuras como Janaína. É umexemplo a ser seguido por todos os militantes e ativistas de esquerda comrelaçãoaosbolsonaristas de base para tentar convencê-los de que o país com Bolsonaro está no rumo errado.

3) A forma de combater a violência dos fascistas e seus seguidores é o diálogo.

Esses argumentos são falaciosos. Não estamos numa democracia. Estamos num regime pré-ditatorial ou pré-bonapartista em dinâmica para um regime ditatorial.

Janaína, ao obter 2 milhões de votos em SP, é representante pública do PSL, partido proto-fascista cujo dirigente máximo é o próprio nazista presidente do país.

O debate não foi para Freixo demonstrar que ela é uma agente fascista, compartilhadora de todas as medidas e ações anti-trabalhadores,anti-oprimidos e anti-juventude emanadas pelo seu chefe-presidente. Ao contrário, o debate era para mostrar que havia pontos em comum entre eles, ou seja, que socialistas podem viver civilizadamente com fascistas.

Há um total viés eleitoreiro de Freixo para ‘mudar’ sua imagem ‘radical’ para a obtenção de mais votos em 2020 entre o eleitorado de direita.

No dia seguinte à conversa, separadamente, cada um deles disse publicamente o seguinte:

Freixo: “O objetivo não era que um convencesse o outro de suas convicções ideológicas. O diálogo é importante em si. É um instrumento importante e decisivo da democracia brasileira”

Janaína: “”Com todas as divergências que tenho com Bolsonaro, dou graças a Deus por não termos a esquerda no poder. Esquerda é sinônimo de maldade e de ditadura”.

Ambos foram coerentes. Para Freixo, o importante é o diálogo, até mesmo com a protofascista. Diálogo em si, Janaína, reitera seu objetivo de tirar a esquerda do poder, como no golpe de 2016, pois esquerda = ditadura = gente do mal.

Se Freixo conversa numa boa com Janaína, também não haveria nada de errado em Iago Montalvão, novo presidente da UNE, se reunir com o ministro Weintraub para discutir os rumos e projetos de educação no país. Aliás, Iago ao falar sobre a reunião com Weintraub, declarou que “enxerga como uma conquista”, vendo com bons olhos uma abertura do governo para dialogar.

Se esse método prosperar, não haveria nada demais as conversas particulares entre dirigentes socialistas e os Bolsonaros, ou com Moro e Dellagnol. Seriam méritos civilizatórios e democráticos.

Óbvio é que há uma tentativa de burla na defesa desses diálogos. Uma coisa é dialogar com um colega de trabalho ou de estudo que ainda defende Bolsonaro para, com argumentos, fazê-lo mudar de ideia. Ou então conversar com um tio, uma prima ou um parente qualquer tentando dissuadi-lo de ser bolsonarista. Tudo isso é válido certamente.

No entanto, seria uma imbecilidade total acharmos que a grande tarefa da esquerda é conversar individualmente, dialogar com cada um dos 57 milhões de eleitores de Bolsonaro para tentar convencê-los que nossos argumentos são imbatíveis. Ou seja, dizer não à luta entre as classes em todas as esferas e principalmente nas ruas, para atuarmos como um tipo de padre escutando os ‘pecados’ dos bolsonaristas e tentar convertê-los para a esquerda.Assim, em vez de luta de classes teríamos a conversa cordial entre indivíduos que possuem “pontos de vista” diferentes.

Se assim fosse, não precisaríamos de partidos, não precisaríamos mobilizar o povo nas ruas pois não existiria luta entre as classes, não existiria fascismo ou protofascismo

Janaína significa uma agente consciente da contrarrevolução promovida pelo capital financeiro a partir de 2015, onde ela foi personagem inicial destacada no golpe que tirou o governo eleito pelo povo do poder.

Devemos perdoar os golpistas como Lula afirmou num comício em BH em 30 de outubro de 2017 ao lado de Dilma , com esta já derrubada da presidência?

Penso o oposto. Freixo, dirigente importantíssimo do PSOL, deve encarnar o símbolo da resistência dos trabalhadores, de todos os oprimidos, da juventude contra o governo Bolsonaro. Deve ter por marca registrada a transmissão para todos os militantes e ativistas que as Janaínas, Moros, Bolsonaros, Dellagnóis e os golpistas são nossos inimigos e com eles não há conversa mole, não há perdão. Há luta de classes. Assim como Bolsonaro tem ódio da esquerda, qualquer que seja ela, também devemos nutrir ódio pelo fascismo e seus agentes públicos. Assim devemos ensinar aos militantes e ativistas mais jovens.

PS: deve-se fazer críticas públicas aos dirigentes da esquerda nesse momento ou existe algum momento melhor para tal fim?

Com o amigo Waldo, num ato contra a ditadura em 31 de março de 2014

Em janeiro de 2016 meu amigo e companheiro de décadas, o Waldo Mermelstein, abriu uma polêmica pública com Jean Wyllys, então deputado pelo PSOL, sobre a visita que este fez à Israel e voltou cantando loas,equivocadamente, àquele país e ao regime político por lá existente.

Waldo, numa carta aberta intitulada Jean Wyllys e o porquê de boicotar Israel”, que gerou dezenas e dezenas de milhares de leitores, argumentou desde os mais diversos ângulos o porquê Jean estava equivocado.

Waldo, polemizando com argumentos sólidos e brilhantismo literário, assim terminava a Carta ao Jean:

“Não espero que concorde com o que escrevi rapidamente, mas pelo menos vá conversar, conhecer o lado dos milhões nos territórios ocupados. Foi a visão dos operários que trabalhavam em Israel e voltavam para Gaza em 1970, em um ônibus cheio deles em minha volta ao kibutz em que trabalhava, que me empurrou decididamente a romper com o sionismo, mais do que qualquer livro que li. Como disse certa feita um antigo filho de judeus, ateu e marxista Lev Davidovicht Bronstein (Trotsky), “se o papel aguenta tudo, a história não”. E a história lá não é senão a história da opressão de um Estado sobre um povo sem Estado. O resto o papel aguenta, mas o resto é resto.

Jean Wyllys foi o mais combativo deputado a defender a causa dos LGBTs publicamente no Congresso, bem como foi de uma coragem infinita ao assumir sua condição de homossexual num país politicamente atrasado como o nosso e em meio às centenas de deputados homofóbicos na Câmara. Nos últimos tempos, ele e sua família foram por várias vezes ameaçados de morte e Jean foi obrigado a andar dia e noite por muitos anos com uma escolta policial armada para defender a sua vida. Em janeiro desse ano, reeleito, viu-se obrigado a se autoexilar e renunciar ao mandato. O nome de Jean Wyllys ficará eternamente marcado em nossa história por sua abnegada e corajosa atuação pela causa LGBT.

No entanto, como demonstrou Waldo, ele se equivocou redondamente no episódio de Israel. Waldo, filho de judeus, fez certo em polemizar publicamente com Jean? Ou deveria se calar pois Jean era um membro socialista do PSOL?

As discussões entre nós, socialistas, devem ter hora e data para serem feitas? Penso que não. A omissão significaria compartilhamento do conteúdo.Lembremo-nos que essa polêmica Waldo/Jean Wyllys se efetuou em pleno processo de impeachment, ou seja, do golpe que acabaria derrubando o governo legal de Dilma.

Por falar em Jean Wyllys, num livro por ele lançado recentemente “O que será: a história de um defensor dos direitos humanos no Brasil” há um relato crítico ao PSOL extremamente positivo e contundente sobre a campanha de Freixo à prefeitura do Rio em 2016. Pode-se ler nas páginas 139/140:

Fiquei incomodado com a maneira como meu partido me tratou no segundo turno da disputa pela prefeitura do Rio de Janeiro em 2016. Marcelo Freixo, do PSOL, e Marcelo Crivella, do PRB, chegaram à etapa final da eleição. Crivella é bispo licenciado da Igreja Universal, fundamentalista religioso e evocou temas morais para detonar Freixo. Algo absolutamente esperado de um reacionário como ele. Surpresa para mim foi meu partido me deixar de fora da campanha e silenciar sobre temas polêmicos na tentativa de conquistar votos conservadores do eleitorado… não tive um segundo para falar [naTV]….

Posteriormente às eleições, ganhas por Crivella, numa reunião de avaliação [do PSOL], fiz um desabafo: “ A divisão de classes ainda é uma questão, mas ela vem junto com a luta pelos direitos das mulheres, dos negros e dos LGBTS, justamente as batalhas que travo. Não acredito em uma esquerda que é capaz de deixar pessoas para trás porque prefere ganhar as eleições. Não continuo mais nem um minuto aqui. Peguei meus pertences e fui embora”.

Excelente conclusão de Jean Wyllys. Mas, alguém poderia argumentar que agora, 2019, não é hora de polemizar contra Freixo e o PSOL do Rio de Janeiro. Afinal, Freixo será o nosso candidato a prefeito em 2020 e o PSOL tem chances de ganhar essas eleições.

Caros leitores, amigos e companheiros, termino esse texto sugerindo ao estimado companheiro Freixo que diga exatamente como Chico Alencar disse no episódio citado anteriormente: “portanto errei, mas tropeço é para a gente levantar a poeira e dar volta por cima, prosseguir na caminhada”.

Marcado como:
marcelo freixo