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BRASIL

Em defesa das causas perdidas: o direito de Cajueiro e a violência do mais forte

Saulo Pinto Silva, de São Luis (MA)
Divulgação / comunidade do Cajueiro

Eles alegam que reagiram pela violência da população: quando na verdade, não podemos esquecer os cartazes que carregam antes da ‘violência’

Há uma lição filosófica antiga, indicada por Henry Thoreau, que diz que o direito básico daqueles que são oprimidos é lutar contra leis injustas. O paradoxo é o próprio problema: como podemos cumprir leis injustas, quando a lei e o direito se dividem aqui? A questão dramática é que a lei se purifica na neutralidade axiológica cínica e o direito sacrossanto opõe o direito dos mais fracos ao direito dos poderosos. Como se sabe, a força define. 

O embaraço na situação da comunidade do Cajueiro – localizada na zona rural de São Luís/Ma – é que o governo Flávio Dino revela, de um lado, sua impotência (e escolha) política diante dos interesses do socialismo capitalista chinês e, por outro, a banalização da “terapia de choque” contra os oprimidos. A esquerda não pode oferecer o poder estatal autoritário-burocrático como alternativa à violência do capitalismo privado de mercado. A experiência com o “socialismo real” já fora feita e, sua tragédia subjacente, é que precisa ser pensada como um retumbante fracasso. O que a China faz hoje é combinar o que de pior há no capitalismo e no socialismo: capitalismo liberal predatório e autoritarismo violento socialista. Não é estranho que, para remover uma pequena comunidade secular de pescadores, o governo do Maranhão se valha do “choque de capitalismo” liberal com o discurso de desenvolvimento, inclusão social e a miríade de geração de empregos etc., mas também o uso da violência legal para afligir uma comunidade desarmada e sem forças proporcionais de reação. Flávio Dino aqui foi leitor de Weber ao aplicar o monopólio da violência legítima do Estado contra uma população oprimida e vulnerável. Para ser um leitor de Marx e da ideia reguladora comunista, seria necessário sabotar a ingerência da repressão ilegítima do Estado em razão do direito dos oprimidos.

A violência praticada contra a comunidade de Cajueiro não é apenas desmedida, como tem sido dito com alguma insistência, ela é truculenta e uma violência de classe. Num pêndulo entre a chantagem de stalinistas liberais chineses e uma pequena comunidade de pescadores, o governo do Maranhão não poderia titubear, ou melhor, deveria utilizar do seu poder discricionário oriundo do próprio sufrágio para proteger a comunidade vulnerável dos capangas e da empresa grileira em ofensiva contra esta população. Aqui temos supreendentemente uma renovação da soberania popular. Por mais estranho que pareça, Flávio Dino agiu aqui como um estadista neoliberal, quando toma a ideologia fatídica do “não posso fazer nada” diante dos interesses territoriais de acumulação por espoliação chinês, entregando o território, violando o direito dos oprimidos e submetendo-se politicamente aos interesses do capital chinês. É o que podemos chamar, na falta de melhor hipótese reguladora, de grilagem estatal. 

Assim, a cumplicidade está justamente no cumprimento de uma decisão judicial que, valendo-se do direito do mais forte, expropria centenas de pessoas de seu território. Alguém poderia alegar que se trata de poucas pessoas afetadas, e que os próprios acontecimentos históricos traduziriam as lembranças de ontem em esquecimento. O cumprimento da decisão judicial despolitiza o antagonismo fundamental e a tradução dele na forma do conflito justo. As lembranças da violência repressiva inculcam em esquecimento que o socialismo e comunismo são ideias reguladoras de uma vida superior, pautadas nos princípios da justiça, da igualdade, da solidariedade e da soberania popular.   

A lição que temos hoje é: quando entregamos os princípios coletivos da justiça dos oprimidos para a neutralidade cínica do direito e das leis, sobram a “normalidade” da violência legal e da repressão truculenta do direito do mais forte. Podemos discutir teorias e proposições políticas em torno de qual a melhor alternativa aos problemas que temos hoje. O que não podemos fazer é formular respostas como se fossem universais. Apenas os verdadeiros problemas são universais. Todas as respostas possíveis são particulares. O verdadeiro problema aqui no Maranhão hoje é o direito à vida e garantia da dignidade dos despossuídos, ou seja, é a luta contra a obscenidade do desigualitarismo. A inscrição da emancipação política dos oprimidos se mantém de maneira inegociável, isto é, “que ninguém será rejeitado”: um governo democrático de esquerda não pode produzir mais sofrimentos e humilhações. Em defesa das causas perdidas somente pode significar hoje, liberdade para Lula, mas também liberdade para o povo do Cajueiro. Uma liberdade particular não pode obliterar a opressão dos outros. A liberdade é uma razão universal, pois ela ou é para todos, ou não é para ninguém.    

 

*Saulo Pinto Silva é professor do Departamento de Economia da UFMA

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cajueiro