Um ser humano está definhando numa prisão de Londres sob a artimanha judicial que várias democracias liberais desenharam contra ele: Julian Assange. Um conjunto de 28 países, que integram o grupo democrático mais sólido do planeta é acusado de cumplicidade com crimes contra a humanidade: a União Europeia. Ambos os casos atravessam a vida do advogado francês Juan Branco. Este jovem militante e polemista é um dos advogados de Julian Assange e, também, um dos dois advogados que apresentou uma queixa perante o Tribunal Penal Internacional, TPI, contra a União Europeia por ter orquestrado tanto a interceptação quanto a prisão de 40 mil imigrantes que fugiam da Líbia.
Como advogado de Julian Assange, como parte queixosa contra a Europa, como defensor dos ativistas do movimento dos coletes amarelos ou como polemista autor de ensaios de alta voltagem política, Juan Branco sabe do que fala. A sua experiência de assistente do Procurador do TPI (2010-2011) ficou plasmada em um livro onde revelou as falhas e as leviandades extraordinárias de uma Corte, criada para punir os crimes mais horrendos da história, durante os anos em que estava a cargo do argentino Luís Moreno Ocampo. O título é “A Ordem do Mundo: Crítica da Corte Penal Internacional” (em francês, L’Ordre du Monde: Critique de la Cour Pénale Internationale”).
Julian Assange, de quem você é um dos advogados de defesa, é vítima de uma vingança judicial globalizada e, ao mesmo tempo, da cumplicidade da opinião pública, com uma montagem de informações(Fake News), construída pelos chamados pensamentos dominantes ou mídia dominante.
Juan Branco: Nós estamos em uma situação muito complicada. Assange está em estado de choque. Depois de ficar preso em 20 metros quadrados, sem acesso ao ar livre, removeram-lhe (da embaixada do Equador) em 45 segundos. De repente havia toda essa violência. Chegaram e se apressaram para pô-lo em uma cadeia da segurança máxima que foi construída após o 11 de setembro de 2001 para os terroristas. Para compreender os desvios da segurança de nossas democracias liberais, essa cadeia tem um túnel que conduz diretamente à corte. Agora está lá, trancafiado na sela 23 horas por dia, desde o 11 de abril.
Tem dificuldades para se alimentar, pelo choque emocional que recebeu. Estamos perdendo esse homem. Toda sua brilhante resistência contra os mecanismos de opressão está a ponto de quebrar. Não tem acesso a qualquer coisa. Somente um advogado pode vê-lo e lhe autorizaram apenas duas visitas sociais por mês. São circunstâncias delirantes contra um homem que disse somente a verdade, que denunciou criminosos contra a humanidade. Já não é indignação, já não é choro, já não é raiva. Isto é grotesco.
No mundo estabeleceu-se uma história negativa contra ele, como se fosse o inimigo das democracias, o manipulador quando, o que fez, foi denunciar crimes.
JB: Nós criamos fantasmas que vão retornar. Um deles é Assange. Retornará sempre por muitas décadas para recordar-nos algo que nunca devemos esquecer. Assange é como Aaron Swartz, quer dizer, um daqueles denunciantes da violência que existe de maneira permanente, mas que se tornam intangíveis ou invisíveis nos meios e nas instituições de poder. De repente há os pontos de fixação que revelam tudo. Assange é um deles. Durante anos, a imprensa se referiu ao caso Assange, repetindo as coisas que o poder discursava: foi acusado de estuprador, antissemita, de ser um agente dos Russos. Mas aqueles discursos vieram das instituições do poder com o único objetivo de deslegitimar um dissidente político e não foram conferidas. Houve uma incapacidade total de nosso próprio espaço democrático para fazer esse filtro e para dizer Não. Ninguém ponderou que talvez estivesse participando de algo sem pensar, e tenha que refletir um pouco.
Já houve seis acusações, já chega, né? Nunca houve essa reflexão. A imprensa perdeu a capacidade de produzir sua própria informação e repete o que as agências fazem. É um assunto central. A tensão que foi criada em torno de Assange é a tensão que foi criada em torno da informação. E a informação é a chave de uma democracia liberal. A democracia liberal não é democrática se nós votarmos em A quando de fato se fazem votos para B. A natureza de nossos regimes políticos se define a partir daí. Então, Julian Assange é um caso essencial para verificar a realidade da natureza de nossos sistemas políticos. De repente, com sua radicalidade, Assange expõe o nível de acordo e de integração que existe hoje entre o sistema político e o sistema midiático. Nós nos acostumamos com práticas que não deveríamos aceitar. Quando alguém como Assange chega e põe em evidência todas as contradições, ocorre uma violência muito forte. Diz-se então: algo acontece aqui, será um estuprador ou um agente dos Russos. Não há nenhum pensamento [crítico], nenhuma consciência. Há uma sensação de que Assange incomoda e não entendem o porquê. Não é fácil tornar-se ciente do trabalho de conformação que se fez com Assange. É muito difícil resistir.
A Assange espera ainda um destino cruel. Cercaram-no por muitos lados.
JB: O caso da acusação sueca de estupro não nos preocupa tanto. Ele sabe que não o fez e provará. Muito mais problemático é o caso aberto nos Estados Unidos. Ele é acusado de algo que ele assume ter feito: ser jornalista e revelar informações que eram verdadeiras. Aí sim, que o confronto é mais duro. Mas já sabemos uma coisa com respeito ao ano passado, quando se pretendia que nos Estados Unidos não houvesse nenhuma perseguição contra Assange. Houve uma negação generalizada. Foi acusado de estar metido em um complô pela Suécia ou de se fazer de vítima. A evidência de sua persecução foi negada. Houve uma violência simbólica muito forte, torrentes de suspeitas porque Assange os tinha incomodado. Agora está mais claro. Paradoxalmente, nós estamos contentes de que tudo foi revelado, de que se sabe que ele é acusado dos crimes de espionagem que podem significar 175 anos de cadeia. Agora vamos ver os juízes britânicos e dizer-lhes que já não podem ignorar que não vão enviar alguém aos Estados Unidos para uma condenação de cinco anos, mas sim, para uma vida condenada. Não podem agora escapar de suas responsabilidades com essa fórmula hipócrita que, por um lado, permite respeitar o direito e, por outro, violá-lo.
Artigo publicado em junho de 2019, em Pagina 12, da Argentina, e em Correo del Orinoco, da Venezuela.
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