O debate entre o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e a deputada estadual de São Paulo Janaina Paschoal (PSL) gerou uma polêmica na esquerda. Afinal, Janaina foi uma das apoiadoras mais importantes de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. Alguns disseram que seria uma estratégia inteligente para “sair da bolha” e dialogar com quem pensa diferente. Outros disseram que foi um absurdo, porque Janaina é fascista e com o fascismo não se discute. Isto nos leva a uma questão muito importante: vale pena conversar com quem defende Bolsonaro?
Em primeiro lugar, é importante diferenciar quem votou em Bolsonaro e aquele pessoal que até hoje vai às ruas para defender o governo. São dois públicos muito diferentes. De um lado temos 57 milhões de pessoas que elegeram o atual presidente. Do outro, umas 100 mil pessoas foram às ruas nos atos pró-Bolsonaro deste ano.
Com o “povão”, é dialogo e paciência
A maioria dos 57 milhões que votaram em Bolsonaro ainda têm expectativas quanto ao governo. O desemprego ainda é alto, mas isto ainda não gera desgaste no presidente. Afinal, ele está em seu primeiro ano de mandato. Seu governo é visto como algo novo. Os problemas econômicos são vistos como culpa dos governos anteriores.
A maior preocupação do brasileiro médio não é a batalha ideológica na internet. As pessoas se incomodam com as besteiras do presidente e talvez se preocupem com suas medidas autoritárias. Mas em qualquer época, o povo está mais preocupado com comida na mesa, boleto pago, filho na escola e segurança na rua de casa. Essas são as maiores preocupações dos 57 milhões que votaram em Bolsonaro e também dos 47 milhões que votaram em Haddad em 2018. Se a esquerda se esquecer disso, vai perder o debate.
A paciência da população está começando a acabar. Podemos ver isso entre os caminhoneiros, que votaram no atual presidente mas quase fizeram greve neste ano. É muito difícil o trabalhador médio continuar defendendo um governo que piora suas condições de vida. Isso fake news de whatsapp nenhuma consegue fazer.
É bom lembrar que a maioria das pessoas votaram em Bolsonaro porque foram influenciadas por lideranças que estão próximas delas, porque o PT realmente cometeu muitos erros e na ideia de muitos merecia um “castigo”, porque a imagem de Bolsonaro de “nova política” colou, porque nenhum candidato conservador tradicional conseguiu emplacar em 2018. Ou seja, são pessoas que podem concordar com parte das ideias do presidente, mas não com todas. E é aí que devemos conversar.
Se a pessoa ainda defende a redução da maioridade penal mas já acha um absurdo o presidente nomear o filho como embaixador, devemos começar a conversa sobre a nomeação do filho. Isso cria pontes. Após ganhar a empatia da pessoa podemos discutir, com paciência, a redução da maioridade penal.
Vamos lá. 54% da população rejeita a política educacional de Bolsonaro, 62% discorda da nomeação do filho do presidente para embaixador e 66% é contra a ideia de que o cidadão deve se armar. Se 55% dos eleitores votaram em Bolsonaro em 2018, logicamente tem gente que votou no atual presidente, talvez ainda tenha esperanças nele, mas já discorda de algumas de suas ideias. É nessa brecha que devemos entrar. Além disso, devemos falar daquilo que atinge o cotidiano das pessoas. O cidadão médio está mais preocupado com a fila do SUS do que com a fala de Bolsonaro sobre “fazer cocô dia sim e dia não”.
Com a “torcida organizada” é diferente
O termo “Bolsominion” foi cunhado para definir aquela pessoa que defende Bolsonaro de maneira fanática. É aquele que até hoje nos atos a favor do presidente e gasta boa parte de seu tempo defendendo o governo nas redes sociais.
Na maioria dos casos, se trata de uma pessoa que, ou têm privilégios, ou é muito preconceituosa ou é um fanático religioso. A base sólida do atual governo está nas pessoas de renda mais alta e naquelas que são influenciadas pelo fundamentalismo religioso. Entre esses, existem os mais exaltados, aqueles que não são apenas apoiadores, mas militantes do bolsonarismo.
Com estes, realmente não há diálogo, apenas combate. Eles não apoiam o governo porque querem o melhor para o país. Eles apoiam o governo porque querem o melhor para eles e para quem é parecido com eles. Se o desemprego está alto, se a miséria aumenta, se Bolsonaro é corrupto, isso não interessa a estas pessoas. Não há argumento que as faça mudar de ideia. Apenas com uma derrota do bolsonarismo elas podem ser silenciadas.
Portanto, perder tempo discutindo com um fanático é um risco à saúde mental e às vezes à integridade física. A única exceção é quando é possível desmoralizar esta pessoa perante os outros. Aí talvez compense ir ao embate verbal com alguém assim. Não se trata de debater com a pessoa, mas com quem está observando a discussão. Mesmo assim, esta tática deve ser avaliada com cuidado.
Muita calma nessa hora
Devemos saber diferenciar a pessoa que apenas tem esperanças de que o governo melhore a vida delas da pessoa fanatizada. Isso exige sensibilidade. Diferenciar um conservador médio de um reacionário incorrigível. Uma pessoa temente a Deus de um fundamentalista religioso. Alguém que tem esperanças de vencer na vida de um defensor da meritocracia.
As pessoas, na maioria dos casos, podem mudar de opinião. Com paciência, humildade e sensibilidade, é possível e é nossa obrigação conversar com a maioria dos 57 milhões que votaram no atual presidente.
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