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LGU: O “Future-se” do governo Ratinho contra as universidades paranaenses

Reprodução

Ratinho Jr, governador do Paraná

Gilberto Calil

Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor do curso de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), integrando o Grupo de Pesquisa História e Poder. Editor da Revista História & Luta de Classes. Presidente da ADUNIOESTE e integrante da direção do ANDES-SN. Tem pesquisas sobre fascismo, hegemonia, Estado e Poder, Gramsci e Mariátegui.

O ataque às universidades públicas vem se convertendo em um dos principais objetivos do destrutivo desgoverno Bolsonaro. Sob direção do provocador e truculento ministro Weintraub, a política de destruição é evidente e se concretiza no projeto do “Future-se”, depois de reiterados cortes orçamentários e de bolsas de pesquisa. (1) A perspectiva de imposição unilateral e o explícito desrespeito à autonomia universitária assumem diversos aspectos, incluindo a nomeação de interventores para a reitoria de diversas universidades (UFGD, UFTM, Unirio). As universidades estaduais enfrentam, ainda que com especificidades, ataques semelhantes oriundos de governos de diferentes partidos, como se viu na recente greve das estaduais baianas em luta pela garantia de orçamento mínimo negado pelo governo Rui Costa (PT).

No Paraná, o ataque às universidades estaduais apresenta-se com particularidades e designações distintas, mas seu conteúdo é muito semelhante. A rigor, o governador Ratinho Júnior (PSD), um dos mais alinhados a Jair Bolsonaro, ataca o funcionalismo público em seu conjunto, quebrando sua promessa eleitoral de reposição salarial e recuperação de perdas. (2) Isto ensejou uma greve de diversas categorias do funcionalismo público em defesa da data-base e da reposição das perdas salariais de 17,04%, iniciada em 25 de junho. A APP-Sindicato, maior sindicato do estado, que reúne professores e funcionários de escolas, suspendeu a greve no dia 13 de julho, apesar da proposta indecorosa encaminhada pelo governo, de reajuste Zero em 2019, 2% em janeiro de 2020, e mais 1,5% em 2021 e 2022 (e ainda condicionados à expansão da receita) e de não ter sequer obtido o compromisso do governo de retirada de outros ataques, como a imposição de uma prova para a seleção dos professores temporários da rede pública. A suspensão da greve deixou o governo à vontade para impor esta medida, que expressa uma concepção meritocrática e arbitrária e acarreta em custos que são repassados aos professores na forma de taxas de inscrição desproporcionais (de R$ 65,00 a R$ 105,00).

Os docentes e agentes universitários das universidades estaduais entraram em greve em conjunto com outras categorias, mas permaneceram em greve, não apenas por rejeitar a indecorosa proposta, mas sobretudo pela necessidade de denunciar a proposta de destruição das universidades que se delineia na minuta da Lei Geral das Universidades.

Tornada pública no dia 3 de junho, a minuta da Lei Geral das Universidades é um afrontoso ataque à autonomia das universidades públicas paranaenses. Sob o pretexto de “equalizar” diferenças entre as sete universidades do estado, o governo propõe a imposição de critérios característicos de faculdades privadas de ensino superior (não universitárias, e portanto para as quais pesquisa, extensão e pós-graduação são inteiramente desqualificadas). A despeito de proclamações genéricas e vazias sobre a importância das universidades e da autonomia, concretamente a LGU pretende estabelecer uma drástica redução do número de professores das universidades, a partir da imposição de uma relação professor-aluno absolutamente arbitrária e que implicaria em considerar “excedentes” até 40% dos professores das universidades, além de extinguir carreiras de agentes universitários (limpeza, vigilância, serviços gerais) e impor a terceirização dos serviços.

Ao apresentar a Minuta, o governo pretendia forjar uma aparência de “debate” e a legitimação por parte das instâncias institucionais das universidades para então apresenta-la como projeto de lei. O contexto da greve, no entanto, ensejou uma ampla discussão da comunidade universitária, que permitiu que se compreendesse com clareza seu significado, e consequentemente, que fosse amplamente repudiada. 

A LGU rompe a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão que caracteriza a universidade pública, inviabiliza a pós-graduação e impõe medidas de gestão típicas em empresas privadas, visando uma “eficiência” que implica no acréscimo da carga horária letiva dos professores, inviabilizando os projetos destinados à comunidade, à realização de pesquisas e o investimento na constituição de programas de pós-graduação. Mesmo o Ensino – dimensão supostamente privilegiada na proposta – é claramente desqualificado pela LGU, com a inevitável redução do tempo destinado ao apoio didático, sem falar que é exatamente a articulação com atividades de pesquisa (incluindo os projetos de iniciação científica), de extensão e da pós-graduação que o ensino se qualifica.

O governo alega que existem diferenças entre as instituições, e pretende eliminá-las nivelando por baixo e impondo àquelas mais consolidas as condições adversas enfrentadas por docentes, agentes universitários e estudantes das universidades mais novas. A efetiva afirmação de um Sistema Estadual de Ensino Superior só se dará com a conquista de condições mínimas a todas as instituições, em termos de condições de trabalho, investimento público e garantia de custeio. Ao contrário, nos últimos anos as restrições orçamentárias se aprofundam, os docentes e agentes universitários que se aposentam não são repostos e a degradação das condições de trabalho é explícita.

Na última sexta-feira, com mais de 300 participantes, realizou-se o Seminário Estadual sobre a Lei Geral das Universidades. Na parte da manhã, seis grupos de trabalho avaliaram seu impacto no que se refere à Autonomia Universitária; sua relação com o PL 04/2019 (que propõe drásticas restrições orçamentárias aos serviços sociais e restringe os direitos do funcionalismo público por vinte anos); financiamento e tendência privatista; carreira e precarização do trabalho docente e dos agentes universitários; ensino, pesquisa, extensão e pós-graduação e políticas de assistência e permanência estudantil. Na parte da tarde, em Plenária, por unanimidade, deliberou-se pelo repúdio à proposta e publicização do manifesto produzido a partir das discussões realizadas nos grupos de trabalho. (3)

Em greve há mais de um mês, as universidades paranaenses resistem. Permanecem em greve os docentes de cinco universidades (UEM, Unioeste, UEPG, Unicentro e Unespar) e os agentes universitários de duas delas ((UEM e Unioeste). Os docentes das outras duas (UEL e UENP) suspenderam a greve a partir do dia 5.8. Até o momento, o governo Ratinho Júnior se recusa a negociar.

 

NOTAS

1 – A respeito do Future-se, recomendamos a imprescindível leitura crítica de Roberto Leher. https://esquerdaonline.com.br/2019/07/25/leia-a-analise-de-roberto-leher-da-ufrj-sobre-o-future-se/ 

2 – https://especiais.gazetadopovo.com.br/eleicoes/2018/principais-promessas-feitas-por-ratinho-jr-novo-governador-parana/

3 – O Relatório Final do Seminário apresenta uma minuciosa análise da minuta da LGU e está disponível em http://www.adunicentro.org.br/noticias/ler/2407/relat-rio-final-do-semin-rio-estadual-sobre-a-minuta-de-lei-geral-das-universidades?fbclid=IwAR275v7QHdsOK-lpQ9cLYfB9ZHT8PWPb7Ug5vuTrpF6rDxRmJp3c73uaIrc