Pular para o conteúdo
MUNDO

Eleições legislativas gregas: Vitória da direita e confusão à esquerda

Tiago Castelhano, do Movimento Alternativa Socialista (MAS), de Portugal

Alexis Tsipras

Tal como se previa, sobretudo depois dos resultados das últimas eleições europeias, a direita ganhou as eleições legislativas realizadas no dia 7 de julho na Grécia. Sem grandes surpresas, as tendências verificadas no final de maio refletiram-se nestas eleições.

O vencedor, Kyriakos Mitsotakis, do partido da direita tradicional, obteve 39,8% dos votos, elegendo 158 deputados, mais da metade dos 300 que ocupam lugar no parlamento grego. O Syriza conseguiu 31,5%.

Importa esclarecer que a maioria absoluta foi conseguida porque há uma lei eleitoral criada no período da Troika, em que existia uma elevada instabilidade governativa, que atribui um bônus de 50 deputados ao partido vencedor. Foi a forma que a burguesia da Grécia e da União Europeia arranjaram para tentar travar a instabilidade política.

Contudo, esta situação não nega a vitória da direita no país. Kyriakos Mitsotakis representa a quarta geração de líderes políticos da direita conservadora. O seu pai foi primeiro-ministro entre 1990 e 1993 e a sua irmã mais velha, Dora Bakoyannis, foi a primeira mulher a ocupar a presidência da câmara municipal de Atenas, entre 2003 e 2006. O seu partido, Nova Democracia (ND), tem alternado o poder com o Pasok (Partido Socialista Grego) até à vitória do Syriza, em 2015. Desde o final da ditadura, em 1974, até 2019, a Nova Democracia já teve membros seus como primeiro-ministro onze vezes, o que equivale a cerca de 20 anos no poder. Há que destacar este último aspecto para se perceber que a derrota para a esquerda foi grande.

Os partidos do centro foram muito atingidos ao longo da crise que se iniciou em 2009. O PASOK, pura e simplesmente, passou para a irrelevância política, tendo que alterar o nome para “Movimento pela Mudança” juntamente com mais dois partidos, tendo alcançado nestas eleições apenas 8%. E a ND, embora no período anterior também tenha sido ligeiramente afetada, a verdade é que conseguiu ter um aumento considerável em votos, comparativamente às eleições de setembro de 2015 (mais 725.026 votos). Na verdade, o que se verifica é que a erosão do centro que marcou os anos da Troika com o quase desaparecimento do Pasok, se reconfigurou com a ND a ficar com números próximos de 2009 e o Syriza a ocupar o espaço deixado pelo Pasok. O bipartidarismo reforçou-se nestas eleições tendo como consequência a diminuição de 8 para 5 dos partidos com presença no parlamento Grego. 

Kyriakos Mitsotakis (ND) surgiu nestas eleições com um discurso de queda dos impostos e de liberalização da economia, prometendo assim crescimento econômico, ou seja, uma velha receita que sabemos bem o que significa: mais privatizações e desemprego num país onde isto já é panaceia. A vitória da ND apoiou-se também na questão da Macedônia, que suscitou fortes sentimentos nacionalistas, e que a direita cavalgou. Outro fator que contribuiu para este resultado foi a dose cavalar de austeridade aplicada pelo governo do Syriza/Anel, quando foi eleito em 2015 prometendo o inverso.

Syriza como rosto da austeridade

O Syriza, pela mão de Alexis Tsipras, fez de tudo nestes quatro anos para cumprir com as diretrizes da UE e do FMI. O seu governo foi desastroso. Sem sectarismo, mas com realismo, há que dizer com todas as letras que foi um governo igual, na política, a um governo do Pasok (Partido Socialista Grego).

Importa lembrar que, passados 6 meses de pressão da UE e demais credores, através da ameaça de não conceder mais financiamento à Grécia e ao governo do Syriza, Alexis Tsipras marcou um referendo onde questionava o povo grego se era pelo “Sim ou Não” ao novo memorando da Troika, que continha mais austeridade. O povo grego expressou-se com um claro “Não” ao memorando (61,9%), mas Tsipras desprezou o resultado e, nessa mesma noite, começou a negociar com a UE o memorando. Começa aí, de forma mais clara, a capitulação do Syriza aos credores e o abandono às suas ideias iniciais e ao povo grego. 

Esta mudança, que consistiu na aceitação e aplicação do terceiro memorando de austeridade na Grécia, por parte do governo Syriza/Anel, à semelhança dos memorandos aplicados pelo Pasok e, inclusive, a Nova Democracia, fez com que a política seguida fosse de continuidade das privatizações (portos, aeroportos, caminhos de ferro, água), de cortes nas pensões, manutenção de cortes nos salários e mantendo os refugiados em campos e sem condições humanitárias. Ainda sobre os refugiados, não se poderá esquecer o acordo entre a UE e a Turquia, que estabeleceu o fecho da fronteira da Grécia com os restantes países europeus, traduzindo-se na proibição dos refugiados saírem da Grécia em direção a outros países da Europa. Estima-se que existam entre 55.000 a 65.000 refugiados “presos” na Grécia.

A política do governo de Tsipras foi particularmente chocante com os refugiados, chegando a decidir transferir os refugiados para fora de Atenas, de forma a desimpedir os terrenos do aeroporto, que era uma antiga promessa do governo Syriza aos credores (UE e FMI), que está acordada no memorando. O objetivo era alugar os terrenos a investidores privados.

Reorganização da extrema-direita

Nas últimas eleições europeias deu-se uma reorganização na extrema direita grega. Além do grupo neonazi Aurora Dourada (AD) surgiu um novo partido, a “Solução Grega” (SG). Este partido, à semelhança da ND, apoiou-se sobretudo na questão da Macedônia, que despertou a pulsão nacionalista do povo grego. A SG surgiu também como objetivo de um setor da extrema-direita grega de se afastar da má imagem que a AD foi criando ao longo dos crimes que foi cometendo, como os assassinatos e agressões de militantes de esquerda e imigrante, além de outros crimes praticados. É, na verdade, uma movimentação semelhante aos seus congêneres na Europa, como o “Rassemblement National” de Marie Le Pen, a AFD da Alemanha ou os “Democratas Suecos”, na tentativa de se tornarem mais aceitáveis aos olhos das massas.

Salienta-se como positivo o fato da AD deixar de estar presente no parlamento, pois obteve 2,7% dos votos, quando o mínimo exigido é de 3%. Contudo, a queda da AD foi em benefício da SG, que alcançou 3,7% dos votos ficando com 10 deputados no parlamento.

Esquerda não governamental dividida 

À esquerda do Syriza deu-se uma enorme dispersão dos votos e os resultados não são nada animadores. Existiram 9 candidaturas, sendo que só duas conseguiram eleger representantes. Assim, o KKE (Partido Comunista Grego) atingiu os 5,30%, elegendo 15 deputados, mantendo a mesma votação de há quatro anos; o DIEM25, de Yannis Varoufakis teve 3,44%, elegendo 9 deputados; o Partido Rumo da Liberdade, de Zoe Konstantopoulou, midiática ex-militante do Syriza e ex-presidente do parlamento grego, obteve 1,46%; o Antarsya, uma coligação de correntes revolucionárias conseguiu 0,41% e, por fim, a Unidade Popular, teve 0,28% de votos. Este último partido foi criado em Agosto de 2015 por 25 deputados, até então representantes do Syriza [2] e que romperam com o seu antigo partido, opostos ao acordo do primeiro-ministro Alexis Tsipras com a Troika. É liderado pelo antigo Ministro da Energia, Panagiotis Lafazanis. Ainda sobre a Unidade Popular importa mencionar que nas eleições legislativas de 2015, logo a seguir à sua ruptura com o Syriza, obteve 2,86% ficando a 0,14 % de entrar no parlamento helênico. Estas são as 5 principais candidaturas de esquerda que não apoiavam o Governo do Syriza.

O que fazer?

A experiência do Syriza e os seus resultados foram desastrosos para a classe trabalhadora grega e também para a europeia. A ascensão e vitória eleitoral do Syriza gerou esperança em toda a esquerda e trabalhadores europeus, surgindo como uma alternativa ao plano de austeridade europeu.  Ao desperdiçar essa oportunidade histórica, o Syriza abriu espaço para que a extrema-direita – Salvini, Le Pen, Alternativa pela Alemanha ou Nigel Farage – se posicione como a única “alternativa” à decadência da UE. 

Na Grécia foi a direita tradicional e corrupta (ND) que voltou ao poder. É preocupante observar que, à esquerda do Syriza, não existe qualquer projeto com credibilidade aos olhos dos trabalhadores e que tenha mobilizado a classe trabalhadora grega. Aliás, apesar do governo de conciliação de classes do Syriza, ou seja, um governo composto por partidos representantes dos trabalhadores (Syriza) e partidos Burgueses (ANEL), a verdade é que este ainda permanece com uma votação quase intacta em relação às eleições de Setembro de 2015, tendo perdido apenas 145.346 votos. À sua esquerda, ninguém foi capaz de capitalizar verdadeiramente o desgaste destes quatro anos de austeridade. Isto significa que o DIEM25, de Yanis Varoufakis, com cerca de 195.000 votos foi o único que capitalizou grande parte desse desgaste (embora muitos dos votos que obteve também tenham vindo da ex-ala esquerda do Syriza, a Unidade Popular, que passou de 155.320 votos em Setembro de 2015 para apenas 15.930 em 2019). 

Atendendo aos números verifica-se que, apesar do descontentamento e da desilusão do povo grego com o governo e Alexis Tsipras, a verdade é que muitas trabalhadoras e trabalhadores, por falta de uma opção viável e mobilizadora à esquerda, continuaram a votar no Syriza, mesmo depois de tudo o que fez. Esta situação deve fazer a esquerda anticapitalista grega e também a mundial refletirem. 

Não basta dizer que perante a possibilidade da volta da direita ao poder, a esquerda não governamental foi prejudicada pelo voto útil no Syriza. Não que isso não seja verdade, mas a questão é por que razão os trabalhadores veem como útil voltar a votar no Syriza quando este fez um governo à semelhança dos mesmos de sempre? Não será porque à sua esquerda não se vislumbrou uma alternativa à direita e ao anterior Governo do Syriza/Anel? Perante o cenário de um governo de conciliação de classes, que aplicou níveis cavalares de austeridade, o descontentamento com esse governo não poderia deslocar-se para a sua esquerda? O que falhou?

Algumas reflexões terão de ser feitas. Por exemplo, qual a necessidade para a classe trabalhadora grega de haver nove candidaturas de esquerda? Não que não existam divergências entre as esquerdas, que são bastante diversas, mas não existiria possibilidade de haver convergências nas ruas e nas eleições entre estas forças? Mesmo que não fosse possível entre todas, devido a possíveis incompatibilidades programáticas, não seria benéfico nos últimos 4 anos ter havido um entendimento/frente para lutar entre a grande parte das forças de esquerda com o intuito de fazer as massas se mobilizarem? Será que dessa forma agora seria possível vislumbrar um terceiro pólo que se opusesse à direita (ND) e ao tipo de governo do Syriza? Ou a classe trabalhadora e a esquerda anticapitalista estão condenadas, desde 1917, a fracassar perante governos de conciliação de classes?

A esquerda revolucionária e anticapitalista deve refletir e retirar lições de todo o processo grego. Não basta dizer que o Syriza traiu, é preciso também demonstrar à classe trabalhadora que há uma outra esquerda que está estrategicamente comprometida com os seus interesses, que para vencer não pode capitular aos interesses da classe dominante, ou seja, dos ricos e banqueiros mas, ao mesmo tempo, que não se integre à passividade do sectarismo. Uma outra esquerda que sabe que, para alterar realmente a vida da classe trabalhadora e do planeta, é necessária uma revolução socialista, mas que para lá chegar é necessário firmeza nos princípios, mas também flexibilidade tática para que possa ser ouvida. 

Marcado como:
grécia / syriza