As últimas notícias preocupam. O governo, a polícia, o exército e a militância bolsonarista promoveram recentemente vários ataques violentos a quem faz oposição a Bolsonaro. Não há provas de que seja algo coordenado. Mas tudo indica que há um clima pesado na política brasileira.
Nesta sexta-feira, o ministro Sérgio Moro publicou a portaria 666, que prevê a deportação de estrangeiros considerados “perigosos”. O alvo é o jornalista Glenn Greenwald, que divulgou informações que mostram Moro em conluio com a acusação no julgamento do ex-presidente Lula. Bolsonaro ainda ameaçou o jornalista de prisão.
Não foi a única medida autoritária nos últimos dias. Nesta segunda, Bolsonaro intimidou o presidente da OAB. Na última terça-feira, militares invadiram uma reunião da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC) e fizeram filmagens. Na quinta, policiais federais interromperam uma reunião de professores que planejavam um ato contra o presidente em Manaus.
A estes fatos se somam episódios no mínimo preocupantes. No último dia 16, bolsonaristas sequestraram uma militante trans do PSOL em Guarulhos. Após várias agressões, roubaram seu celular. Na mesma semana, a revista Veja divulgou uma entrevista com um suposto terrorista que queria matar Bolsonaro. A fala do “terrorista” parece tirada de filmes e é bem mal feita. Um terrorista do mundo real jamais falaria “vamos matar esta pessoa porque ela não concorda com nossa filosofia”. Isso não é típico de terroristas. O cheiro de armação é muito forte.
As notícias alarmantes não param por aí. Bolsonaro ameaçou diretamente o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) após a divulgação de dados sobre o desmatamento da Amazônia. Ele quer censurar diretamente o órgão. Outro alvo é a Agência Nacional de Cinema (Ancine). Bolsonaro que transformá-la em um órgão de propaganda do governo. A embaixada brasileira nos Estados Unidos também pode ser aparelhada. A escolha do filho do presidente como embaixador não é apenas nepotismo. Eduardo Bolsonaro vai usar seu cargo para cumprir a agenda ideológica de Steve Bannon, líder internacional da direita radical.
O canário já morreu?
Antigamente os operários da mineração usavam canários nas minas para saber como andava a contaminação do local por monóxido de carbono. Se o pássaro morresse, era porque o local estava contaminado e os mineiros tinham que sair de lá rapidamente. Fazendo um paralelo com a situação política do Brasil: os fatos mostrados acima seriam o equivalente à morte do canário? Estamos próximos de um golpe autoritário?
Por um lado, temos que ficar alertas. Bolsonaro está há sete meses no Poder e será um risco para a democracia enquanto estiver lá. Muitos esperavam que já nos primeiros dias ele iria decretar estado de sítio, fechar o Congresso e prender opositores. Não é assim que os fascistas agem. Nem Mussolini nem Hitler fizeram isso quando entraram no governo. Os primeiros líderes fascistas governaram algum tempo sob regime democrático. As medidas autoritárias aumentavam gradativamente. Em algum momento, vinha o golpe e a ditadura era instalada. Bolsonaro pode usar o mesmo método.
Por outro lado, não podemos espalhar o pânico. Este governo ainda tem dificuldades de se organizar internamente. A própria classe dominante não tem confiança total em Bolsonaro. Quem conduziu a Reforma da Previdência foi o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, um político tradicional. Um movimento brusco agora seria muito arriscado para os donos do dinheiro. E os atos de rua do primeiro semestre mostraram que haveria resistência a um golpe. Bolsonaro ainda tem certa popularidade porque o povo espera que a situação econômica melhore e porque o presidente ainda não é o ditador que a esquerda disse que seria. Se o governo mostrar sua face autoritária, perde o apoio de quem está em cima do muro.
O medo não pode nos paralisar. Se isso acontecer, a chance de um golpe autoritário aumenta. Mas as medidas de segurança devem ser redobradas. Não estamos lidando com uma ditadura, mas também não estamos lidando com um governo normal.
Tudo indica um aumento na escalada autoritária. Medidas inconstitucionais serão cada vez mais comuns. A militância pró-governo está no modo desespero e tende a ser mais violenta. Mas hoje um golpe para a implantação de uma ditadura não é o mais provável. Ao que tudo indica, o canário ainda não morreu. Mas devemos ficar de olhos bem abertos.
Comentários