Não é um erro. Nem é “cortina de fumaça para distrair as pessoas enquanto coisa mais importante é aprovada no Congresso”. Quando Bolsonaro dá declarações como chamar os nordestinos de “paraíbas”, ele está reforçando os preconceitos responsáveis pelo fato de um terço da população ainda apoia-lo. É uma estratégia política.
Esta estratégia é comum nas organizações de direita. Um caso recente é de um vídeo do MBL associando a morte de uma criança ao fato das assassinas serem supostamente “feministas”. A verdade é que elas nunca foram militantes feministas e uma delas se dizia pastora evangélica, inclusive matando a criança inspirada no “Deus do Velho Testamento”. O objetivo do MBL nesse caso é usar o preconceito de boa parte da população para associar o feminismo ao crime.
Algumas pessoas não conferem se uma notícia é verdadeira porque ela confirma seus preconceitos. E alguns grupos de direita aparentemente têm dados sobre quem é mais influenciável. Apenas as pessoas com maior propensão ao preconceito recebem essas mensagens.
Quem desenvolveu essa técnica foi Steve Bannon, um dos articuladores da campanha do presidente americano Donald Trump em 2016. Ele soube identificar o perfil psicológico de cada eleitor por meio de dados coletados nas redes sociais e mandar mensagens personalizadas para quem era mais influenciável ao discurso preconceituoso. Bannon tem relações íntimas com a família Bolsonaro.
O método de Bannon foi muito usado recentemente para caluniar os estudantes que saíram às ruas contra os cortes nas universidades federais. As matérias denunciando que “as universidades viraram prostíbulos” foram disseminadas aos milhões. Esse tipo de ação com certeza será repetido contra qualquer movimentação contra o governo.
O preconceito não surge da ignorância. A ignorância é que surge do preconceito. Este é o fenômeno do analfabetismo voluntário
Uma parte da população brasileira tem em seus preconceitos uma forma de ver o mundo. Somos um país que passou por mais de 300 anos de escravidão. Lógico que o racismo ainda tem profundas raízes em nossa sociedade. E uma sociedade escravocrata também é patriarcal. O machismo e a LGBTfobia estão enraizados no nosso inconsciente coletivo.
E existe quem ganha com o preconceito. Quando uma parte da classe trabalhadora é descriminada, isto facilita sua exploração. Nordestinos, negros, mulheres e LGBTs ganham menos e tem os trabalhos mais precários. O preconceito é parte de nosso sistema econômico, não é apenas um fenômeno “cultural”.
Uma parcela de nossa população espera ter benefícios com esses preconceitos. Em alguns casos são privilégios reais, mas muitas vezes são imaginários. Apenas expectativas de privilégios. E aí, para defender essa chance de sucesso individual, vale tudo, inclusive não enxergar a realidade.
Vamos dar um exemplo. Não importa os podres expostos sobre o ex-Juiz Sérgio Moro. Não importa o quanto se mostre que a prisão de Lula foi irregular. Para uma parte da população, Sérgio Moro é “cidadão de bem”, é “doutor”, estudou nos Estados Unidos, tem diploma de Direito, é limpinho e cheiroso. Já Lula é um “paraíba” “cachaceiro” “que não estudou” e que “deu bolsa família aos pobres para eles não trabalharem”. Não importa o que os fatos mostram. Apenas o “perfil” de quem está de cada lado.
Para várias pessoas, despejar as frustrações nos “paraíbas”, “viados” e “feministas” diminui a sensação de fracasso. Acreditar que é um “cidadão de bem” ajuda a pessoa a se sentir melhor, é um meio de não se “misturar com a gentalha”. Existe uma dependência emocional com o preconceito. Se desfazer dele seria se desfazer do sistema de valores que dá à pessoa a sensação de que ela é especial.
Não é falta de inteligência. É falta de empatia e caráter. É uma formação cultural construída em 500 anos de escravidão e patriarcado no Brasil. O analfabetismo voluntário é um problema que não vai ser revolvido apenas com leitura de livros. É necessário derrota-lo politicamente.
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