Em outubro de 2019, ocorrerão dois processos eleitorais decisivos para o continente latino-americano. Argentina e Bolívia encontram-se em situações distintas, mas, os resultados eleitorais em ambos os países marcarão um ponto de inflexão ou continuidade dos ajustes neoliberais e do ciclo de vitórias dos governos de direita na região. Veremos uma “bolsonarização” da esfera pública em outros países latino-americanos ou estamos diante dos primeiros revezes e esgotamento político da direita neoliberal?
Na Argentina, o esgotamento e a crise do “Macrismo” pode marcar o retorno ao poder do kichnerismo/Peronismo, através da fórmula presidencial, Alberto Fernandes e Cristina Kirchner, interrompendo, assim, o ciclo de vitorias da direita neoliberal no continente. Mesmo enfrentando um profundo desgaste político, produto dos ajustes neoliberais e constantes greves e mobilizações, o atual presidente, Mauricio Macri tentará a reeleição. As recentes pesquisas apontam um cenário indefinido e uma extrema polarização política e eleitoral.
O outro processo eleitoral ocorrerá na Bolívia, onde o atual presidente, Evo Morales, buscará o quarto mandato consecutivo (ganhou em 2005/52%, 2009/64% e 2014/61% dos votos). Embalado pelo crescimento econômico e a relativa estabilidade política, algo raro na História boliviana, Evo Morales, transformou-se no presidente que mais tempo ocupou o “Palácio Quemado”, atualmente “Casa Grande do Povo”, novo palácio presidencial construído por Evo. Em caso de vitória, na eleição de 20 de outubro, Evo Morales ganhará pela quarta vez consecutiva e governará até 2025, consolidando um bloco hegemônico à frente do Estado Plurinacional da Bolivia por 20 anos ininterruptos.
No entanto, o cenário eleitoral é muito distinto dos anteriores, quando ganhou com ampla maioria dos votos, obtendo mais de 2/3 dos senadores e dos deputados. A popularidade de Evo Morales e a hegemonia do Movimento ao Socialismo é resultado de muitos fatores: o crescimento econômico que praticamente triplicou o PIB do país, entre 2006 e 2019; os programas sociais implementados nos últimos 14 anos; a nacionalização de setores estratégicos da economia, a recuperação de empresas privatizadas no período neoliberal, a relativa estabilidade política que propiciou uma ampliação do apoio entre as classes médias e os trabalhadores, e, por fim, o enorme carisma e apoio que o atual presidente ainda goza entre os setores mais pobres da população boliviana, os povos indígenas e os camponeses.
Este cenário começou a mudar qualitativamente a partir de fevereiro de 2016, quando Evo Morales sofreu sua maior derrota eleitoral e política, a única desde que chegou à presidência, em janeiro de 2006. A derrota no referendo constitucional (51% a 49%) impediu o atual presidente de concorrer a uma nova reeleição. O resultado do referendo e a posterior habilitação da sua candidatura pelo TSE da Bolívia potencializaram o desgaste do governo e da liderança de Evo Morales em amplos setores da população, em particular, entre as classes médias e os trabalhadores das grandes cidades-capitais A direita tradicional, que vinha de sucessivas derrotas, encontrou no referendo, a possibilidade de retomar o poder político.
As eleições de 20 de outubro de 2019, contará com 9 candidaturas, habilitadas pelo TSE, entre elas, estão dois políticos tradicionais da direita e centro direita boliviana: Oscar Ortis e Carlos Mesa. Ambos despontam como os principais candidatos da oposição de direita à Evo Morales. O primeiro, é o principal representante da direita neoliberal que esteve no poder entre 1985 e 2003, foi presidente do senado nos primeiros anos do Governo Evo Morales. Entre 2006 e 2008, aliou-se com os setores mais reacionários da ultradireita boliviana para derrubar Evo, em uma tentativa frustrada de golpe cívico, promovido pelos governadores da oposição e grupos neofascistas.
O segundo, Carlos Mesa, vice-presidente de Gonzalo Sanches de Lozada, assumiu a presidência do país logo após a fuga desesperada de “Goni” para os EUA, durante as Jornadas revolucionarias de outubro de 2003. Manteve-se na presidência até junho de 2005, quando renunciou pela pressão dos movimentos sociais e sindicatos que defendiam a completa nacionalização dos recursos naturais, em especial do gás.
Diferente do programa representado por Oscar Ortis, cujo objetivo é rever as nacionalizações e conquistas sociais promovidas pelo governo Evo Morales, Carlos Mesa se apresenta como defensor das “nacionalizações” e dos avanços sociais. Sua campanha está centrada em 3 denúncias: a “venezualização” das instituições, o crescente “autoritarismo e personalismo” do presidente Evo Morales e a “corrupção” no aparato estatal e nos movimentos sociais. As últimas pesquisas apontam uma disputa entre Evo Morales e Carlos Mesa, com 33% e 25%, respectivamente, o que levaria a definição para o segundo turno. Oscar Ortis, aparece em terceiro lugar com 7%.
Entre os governantes da esquerda latino-americana, Evo Morales, foi sem dúvida, o que melhor resistiu à ofensiva da direita e do imperialismo norte americano. Muitos fatores favoreceram a relativa estabilidade política conquistada pelo governo Morales: o crescimento econômico, a profunda crise de representação da direita tradicional e o forte vínculo do MAS com os movimentos sociais. No entanto, o seu maior desafio ao longo destes 15 anos no governo, ocorrerá em outubro de 2019.
Depois de enfrentar nos primeiros três anos, uma forte oposição golpista, que envolvia empresários, latifundiários, governadores, comitês cívicos e o governo norte americano, Evo Morales, ampliou sua aliança com antigas desavenças e inimigos políticos, e com setores empresariais. Duas indicações simbólicas apontam este recente giro à “direita’ do presidente, a entrega do ativista e militante, Cesar Batisti, ao governo ultradireitista da Italia e a presença de Evo Morales na posse do presidente neofascista, Jair Bolsonaro. Este movimento é um recado aos grandes investidores estrangeiros e às elites políticas e econômicas internas, de que Evo Morales é o único capaz de manter a estabilidade política e o crescimento econômico.
No entanto, Evo enfrentará um cenário externo profundamente adverso: os efeitos da crise econômica internacional, a crise política e humanitária na Venezuela, comandada pelo seu principal aliado, Nicolas Maduro, a forte oposição e interferência do governo norte americano na América Latina, e a correlação de forças desfavorável no continente, que teve início com o golpe parlamentar que derrubou o governo Dilma e se consolidou com a chegada à presidência do Brasil de um autêntico representante da ultradireita. Bolsonaro ganhou a eleição com um forte discurso “anticomunista e antibolivarianista”, e tem atuado nos primeiros meses de governo para isolar, política e economicamente, os países governados pela esquerda.
A tentativa de aproximação com o governo brasileiro está relacionada com a renovação do contrato de exportação de gás boliviano para o Brasil. O contrato, constituído em 1999, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, encerra no final de 2019. O governo Bolsonaro e a Petrobrás já sinalizaram a intenção de diminuir os volumes de importação e os preços pagos pelo gás. Se estas medidas se confirmarem, terá sérias implicações para economia boliviana. Aproximadamente 20% das exportações do país andino são para o Brasil, sendo que o gás corresponde a 95% do que é exportado. A seu favor, Evo conta com os prognósticos positivos de crescimento da economia em 2019, que poderá alcançar 4,4%, segundo dados da CEPAL, muito superior a média da América Latina, de 1,3%.
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