A perda de Lúcio Bellentani

Equipe IIEP

Perdemos nessa madrugada o camarada Lúcio por complicações de saúde. Morava em Jacareí, SP. Era militante do Partido Comunista Brasileiro em 1972 e o principal quadro operário na organização clandestina do Partido na Volkswagen, em São Bernardo do Campo. A empresa, em cooperação direta com o terrorismo de Estado, organizou a prisão dos militantes dentro da fábrica, em seus postos de trabalho.

Em 2015, por iniciativa política do Fórum dos Trabalhadores por Verdade, Justiça e Reparação, o IIEP elaborou a representação ao Ministério Público Federal, composta de pesquisa documental e fundamentação jurídica baseada nos princípios da Justiça de Transição e na experiência internacional de casos semelhantes. A representação foi assinada por todas as dez Centrais Sindicais brasileiras, presidentes de Comissões da Verdade, juristas, militantes de direitos humanos, trabalhadores atingidos pela Volks e pelo IIEP.

Desde o início do Caso Volks, Lúcio foi incansável militante. Ia onde fosse necessário para testemunhar e pedir reparação pelos crimes cometidos pela Volks e outras empresas.  Fizemos várias exibições da película ‘Cúmplices? A Volkswagen e a ditadura militar brasileira’ . Foram muitos debates, entrevistas (por sorte, disponíveis na internet) e reuniões junto com os Ministérios Públicos Federal, Estadual e do Trabalho para as oitivas das testemunhas contra a Volks e da busca e uma solução para o caso que não deixasse a empresa impune. Recentemente, dia 04 de junho, participamos do programa Bom Para Todos, da TVT, sobre o Caso Volks2.

Lúcio teve um longo percurso como militante, passando no movimento sindical pela Oposição Metalúrgica de São Paulo, quando trabalhou na fábrica da Ford, na Móoca, onde foi presidente da Comissão de Fábrica. Em 87, encabeçou uma chapa de oposição nas eleições do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Depois, foi dirigente da Forca Sindical.

Estava afastado das atividades políticas públicas quando foi contatado para depor à Comissão Nacional da Verdade. A partir daí, foi retomando as atividades públicas. Jogou um papel insubstituível no testemunho contra a Volkswagen por ser, dos presos de 1972, o único que estava vivo para depor. Posteriormente, em outubro de 2017, foi localizado Heinrich Plagge, que foi ouvido pelo Ministério Público em São José do Rio Preto. Por incrível que pareça, esses dois militantes, Lucio e Heinrich, só voltaram a se encontrar, desde 72, em outubro de 2017.

Lúcio ficou sequestrado no DOPS em SP durante 47 dias e Plagge, durante quatro meses***. Foram torturados e submetidos a acareação com outros trabalhadores da Volks e de outras empresas. O comportamento dos dois diante das torturas, do isolamento da família e do impedimento de acesso aos advogados, não quebrou a sua fibra militante. Cumpriram anos de prisão, tiveram suas vidas pessoais e familiares arrasadas. Quase 50 anos depois, foram acusadores chave ao relatarem as prisões dentro da fábrica, feitas em conjunto pelo Dops e pela segurança da empresa, sob supervisão direta do Coronel Adhemar Rudge.

Plagge faleceu no dia 6 de março de 2018. Nessa data, em sua homenagem, foi criada a Associação Heinrich Plagge, que reúne os trabalhadores e trabalhadoras vitimados pela Volkswagen.

Lucio foi fundador e era presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados do Brasil (SINAB), filiado à Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB).

As cerimônias de despedida do companheiro Lucio ocorrerão em Jacareí.

* Filme produzido pela DW, canal de TV público alemão. Está disponível com legendas em: https://m.youtube.com/watch?v=1iWmAmvNMNg&t=1213s

** Vídeo do programa Bom Para Todos: https://youtu.be/Z8nitaNtEw0

*** Matéria sobre a prisão de Plagge, produzida pelo jornalista Gabriel Baldocchi, da Isto é Dinheiro: https://youtu.be/xTTrchnAusg