Com a eleição de Bolsonaro à Presidência da República, a esquerda passou a repensar a sua oposição a esse desgoverno, resultando nas tais famosas frases “Seremos resistência” e “Ninguém solta a mão de ninguém”. Tais mensagens supracitadas nos fizeram refletir sobre o respeito, afeto e vivência que temos diariamente com as nossas companheiras e companheiros de luta e, também, como focar em nos fortalecer – em acolhimento, reconhecimento e conhecimento – será a nossa maior demonstração de resistência a esse governo que não nos representa, não nos serve.
A criação do Grupo de Estudos Marielle Franco
Com tal análise de conjuntura, as militantes do Afronte Pará se propuseram a construir o Grupo de Estudos Marielle Franco, ou GEMF, com o objetivo de debater, estudar, reconhecer e construir conhecimentos que nos fortalecem enquanto oposição a um sistema que foi criado para explorar e oprimir 99% da população mundial, visto que 1% detém uma concentração de riquezas totalmente desproporcionais. Ademais, uma das propostas do grupo de estudos é ser itinerante, para que possamos ocupar todos os lugares e alcançar o máximo de vozes, sobretudo as historicamente silenciadas. Além disso, o grupo de estudos foi nomeado por Marielle Franco por ela ter sido, e ainda é nas nossas mentes, a maior representação do feminismo para os 99%: mulher, negra, favelada, mãe, mãe de adolescente, com uma companheira, com o debate da bissexualidade, defensora dos direitos humanos e funkeira. Marielle Franco representa a maior resistência ao governo Bolsonaro e a maior representação de luta para nós.
O lançamento do grupo: Quem pode falar?
O lançamento do grupo ocorreu no dia 09 de abril, na Universidade Estadual do Pará (UEPA) no campus de ciências sociais e educação de Belém. Lançamos o grupo com um debate sobre o texto “Quem pode falar?” da Grada Kilomba, um texto referente ao privilégio de alguns lugares de falas predominarem no ambiente acadêmico enquanto outros são silenciados – e essas falas têm um específico gênero, cor, sexualidade e localidade –, gerando o processo de epistemicídio, destruição de formas de conhecimento e culturas que não são assimiladas pela cultura do Ocidente branco. O debate foi mediado pela Dr. Prof. Adriane Lima, pesquisadora em feminismo decolonial e interseccional, educadora popular, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas “Eneida de Morais” (GEPEM) e, também, militante da Resistência. O debate gerou muitas trocas de conhecimento, solidariedade e afeto, pois o campus de ciências sociais e educação da UEPA é fortemente marcado por mulheres no ensino superior, porém as bibliografias e referenciais teóricos da graduação e pós-graduação continuam sendo masculinas e brancas.
O silenciamento das mulheres amazônidas na arte
O segundo encontro organizado pelo grupo ocorreu no dia 04 de junho, na Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal do Pará (UFPA), com o tema “O silenciamento das Mulheres Amazônidas na Arte”. Tal tema foi enfoque por conta da polêmica ocorrida com o Festival de arte “Street River” – evento anual que reúne artistas da arte urbana do Brasil e do mundo para uma espécie de residência artística na Ilha do Combu, resultando em grafite, pintadas nas fachadas das casas ribeirinhas, formando o que é reconhecido pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), desde 2016, como “a primeira galeria de arte fluvial do país” – em torno da proposta deste ano, intitulada como a “Primeira Edição do Street River GRLPWR. Um recorte do Artivismo Feminino dentro do StreetArt Nacional”. Porém, com a divulgação da lista de artistas convidadas, veio a descrença no discurso que vendia o evento, pois apenas uma delas era paraense, Naiara Jinkss. As demais são Rafa Mon (RJ), Mag Magrela (SP), Lidia Viber (RJ), Criola (BH) e Clara Valente (BH). Tal organização do evento gerou várias notas de repúdio e sentimento de revolta por parte das artistas paraenses, pois além de serem invisibilizadas por serem mulheres no meio artístico ainda são silenciadas por serem amazônidas.
O encontro foi composto por Andresa Carvalho, graduanda em arte visual e arte educadora, Débora Oliveira, artista visual e gestora cultural, e, por fim, Naiara Jinkss, fotógrafa e educadora social. O debate foi focado nos processos de discriminação das mulheres amazônidas na cena artística paraense e no desenvolvimento da colonialidade que é encontrada nos projetos e festivais de artes no Pará.
Somos sementes de Marielle Franco
Por fim, o Grupo de Estudos Marielle Franco (GEMF) segue organizando seus encontros itinerantes, com intuito de continuar promovendo essa troca de afeto, vivências, acolhimento, conhecimento e reconhecimento. Afinal, somos sementes de Marielle Franco, e nunca deixaremos de resistir em um governo que nos quer silenciadas, e mais precisamente mortas. Marielle presente, hoje e sempre.
* Beatriz Carneiro André graduanda de direito na Universidade Federal do Pará (UFPA), militante do Afronte Pará e coordenadora do Grupo de Estudos Marielle Franco (GEMF).
Comentários