Na última sexta-feira, dia 07, foi realizado o despejo de moradores do Edifício Amaral Peixoto, localizado no Centro de Niterói (RJ). O motivo alegado pela Promotoria de Justiça foi as “precárias condições de segurança e de habitação” uma vez que o local apresentava “graves problemas na rede elétrica”, embora os moradores denunciassem a ausência da apresentação de um laudo que realmente comprovasse a necessidade da saída deles para a realização dos reparos.
Os problemas na estrutura do “Prédio da Caixa”, como é conhecido, foram utilizados pela Justiça para justificar o despejo. Mas o verdadeiro objetivo não é salvar vidas, mas expulsar aquelas pessoas dali. O que se pretende é a higienização da área, facilitando os interesses da especulação imobiliária na região Central. Esta política higienista apoia-se ainda na imagem negativa que se construiu em torno ao prédio nos últimos anos de um andar, no passado, como área de prostituição e por denúncias da atuação de criminosos, agindo para controlar os apartamentos. E também é a expressão do racismo e do preconceito das classes médias contra a pobreza.
Durante as últimas semanas realizaram protestos, conseguiram uma audiência pública na Câmara Municipal e tentaram de todas as formas sensibilizar os poderes. A Prefeitura, que poderia ter intervido judicialmente para evitar o despejo, não o fez. Os vereadores, em sua ampla maioria, permaneceram surdos ao problema. A imprensa parecia fechada com o discurso de legitimação do despejo. Ao final, tudo indicava que os interesses do capital e dos poderes convergiam para a retirada do conjunto de moradores, “indesejáveis”, do centro da cidade.
O despejo
Muitos moradores vivem ali há 40 anos e têm suas vidas completamente ligadas ao prédio. Muitos são proprietários, outros são locatários e há ainda ocupantes, inclusive alguns que deixaram a situação de rua por conta disso. “As pessoas falam que o prédio é sujo e feio, mas é o melhor lugar que já morei”, conta um desses ocupantes.
Um grupo permaneceu em seus apartamentos mesmo depois de a água e depois a luz terem sido cortadas, uma atitude desumana. Na véspera, os moradores permaneciam na frente do prédio, crianças brincavam, e um grupo conversava com advogados dos mandatos do PSOL e representantes da OAB, que corriam para entrar com um pedido de recurso no plantão judiciário.
Na manhã do dia 07, por volta das 05h30, quem passava pelas ruas do centro de Niterói espantou-se com o enorme operativo de guerra, com dezenas de carros da Polícia Militar e Civil e com o apoio da Prefeitura, com a Guarda Municipal. O que seria uma retirada pacífica e negociada transformou-se em uma ação truculenta.
VÍDEOS – Veja a operação policial montada para o despejo (PSOL Niterói)
Moradora fala sobre a história e a situação do prédio, antes do despejo (EOL)
A retirada dos moradores do prédio foi feita com a entrada de agentes em cada andar, que foram derrubando as portas das residências, uma a uma, mesmo com gente dentro ou não. As cenas foram de desespero: crianças gritando, idosos com enorme dificuldade em caminhar (alguns tiveram que ser carregados), mulheres revoltadas e tentando proteger seus filhos. Uma senhora chegou a ameaçar tacar fogo em suas roupas, de tanto desespero e revolta com a brutalidade.
Alguns moradores ainda conseguiram descer com parte de suas coisas, mas muitos não tinham como carregar móveis escada abaixo. Poucas horas depois, a Justiça expediu uma ordem para interromper a retirada e imediatamente os policiais começaram a lacrar a entrada, com tijolos. Um muro da vergonha foi erguido na entrada do prédio, impedindo que as famílias pudessem voltar a seus apartamentos. Muitos nem sequer puderam buscar seus bens pessoais, roupas e até mesmo remédios.
E o mais surpreendente. Não havia nenhuma operação pública montada para acolher as pessoas que não tivessem para onde ir, já que o cadastramento de aluguel social não havia atingido todos. O Estado só foi na porta de muitas destas pessoas para derrubá-las, com os policiais.
Nas semanas anteriores, moradores que tentaram se mudar para a casa de parentes em outras cidades, como São Gonçalo e Duque de Caxias, tiveram dificuldades, pois o caminhão disponibilizado pela prefeitura só estava levando as mudanças até os limites da cidade.
Ao final do despejo, um grupo de cerca de 40 pessoas permanecia nas escadarias da Câmara dos Vereadores, cansados após um dia de violência, e sem ter onde ir. Assistentes sociais da Prefeitura não sabiam informar para onde poderiam ir aquelas famílias. Tampouco haviam colchões e cobertores reservados para suportar aquela noite fria. O grupo acabou indo para uma quadra de esportes, da APAE, e dormiu no chão, em cobertores doados por pastorais da Igreja Católica.
Solidariedade
Imediatamente uma rede de solidariedade militante começou a ganhar força na cidade. Entidades como a Comissão de Direitos Humanos da OAB, a Associação dos Docentes da UFF (Aduff) e o Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (SEPE) de Niterói imediatamente levaram doações. No sábado, durante todo o dia, não paravam de chegar pessoas levando mantimentos.
A luta dos moradores contou durante todo o tempo com o apoio de partidos políticos da esquerda, como o PSOL (inclusive com seus vereadores Renatinho e Paulo Eduardo Gomes, e deputados, como Flavio Serafini) e o PCB, que prestaram a assistência jurídica e de solidariedade na tentativa de impedir o despejo. Atuaram ainda advogados do mandato do deputado estadual Waldeck Carneiro (PT), do Coletivo Mariana Criola e das Comissões de Direitos Humanos da OAB Niterói, OAB estadual e da Câmara. Além do Fórum de Luta pela Moradia de Niterói, do Nephu, entre outras entidades.
O MTST cumpriu um papel protagonista na ajuda imediata das famílias desde o despejo, em especial na organização dos moradores na quadra da Associação de Moradores do Morro do Arroz, onde desde domingo, 10, estão alojadas. A presença, apoiando as reuniões diárias, a divisão de tarefas coletivas e o dia a dia do grupo, reforçou a confiança dos moradores em suas forças. Fortalecidos, o grupo já atrair outros moradores para o caminho da luta, em busca do direito à moradia.
Os moradores e movimentos iriam realizar uma caminhada nesta segunda-feira, 10, para mostrar que resistem. Eles cobram da Prefeitura de Niterói uma solução para o prédio, a vistoria do CREA, e exigem uma política imediata de moradia e aluguel social para todos aqueles moradores. Por outro lado, é preciso reforçar a coleta de roupas, água mineral, produtos de higiene, além de brinquedos para as crianças e remédios para os idosos.
Todo apoio às famílias desalojadas do “prédio da Caixa”! Moradia é um direito!
* Roberto Mansilla é professor de história da rede municipal do RJ e militante da Resistência/PSOL.
** Colaborou Gustavo Sixel.
Texto atualizado em 11/06
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