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BRASIL

Mobilizações do 15M e o ‘Lula Livre’: falsa contradição entre reivindicações materiais e liberdades democráticas

Juary Chadas, de Natal, RN
Rodrigo Pilha

As grandes mobilizações ocorridas na última semana reacenderam inúmeros debates: a questão das bandeiras dos partidos, dos métodos mais adequados para a mobilização, a hierarquia das reivindicações e, como não poderia deixar de ser, sobre a liberdade de Lula. Se pode ou não pode chamar “Lula Livre” nos protestos.

Há um setor da esquerda, identificado com um petismo acrítico, que tenta, no curso das mobilizações, estabelecer a palavra de ordem “Lula Livre” como um dos centros (se não o) das reivindicações levantadas pelo movimento.

Isto, evidentemente, é um erro político. A luta pela liberdade Lula – embora justa e importante, falarei disso em seguida – não é o que centralmente mobiliza (nem unifica) o movimento de massas. Esta é uma constatação factual, não é uma simples análise: basta verificar que, desde a sua prisão, nunca ocorreram mobilizações multitudinárias pela sua libertação. Ao passo que o acúmulo de contradições e o mal estar gerado pelos violentos ataques do governo Bolsonaro à educação superior desatou uma insatisfação generalizada e praticamente unificou o movimento ao redor da defesa das universidades.

É nítido, portanto, que tentar impor o “Lula Livre” acima dessas reivindicações que atualmente possuem grande potencial mobilizador, é um grave equívoco.

Contudo, dizer que é um equívoco não significa dizer que a defesa dessa consigna deve ser combatida, como parte da esquerda – que ainda não consegue ter uma leitura coerente da situação política – tem feito.

Porque o erro de hierarquizar o movimento pelo “Lula Livre” é um erro tático. A caracterização de que “não importa se a prisão de Lula é parte de uma situação reacionária”, ou que “defender a liberdade de Lula é o mesmo que defendê-lo politicamente” é também um erro, só que estratégico.

Enquanto o erro tático de tentar colocar o “Lula Livre” à frente de qualquer reivindicação, pode ser enfrentado impondo por meio da realidade incontornável do peso das demais reivindicações no momento, achar que tanto faz como tanto fez Lula estar preso ou não conduz a problemas mais sérios.

Se a prisão de Lula é uma manobra política, com o objetivo de retirá-lo de qualquer possibilidade de disputa que venha recolocar na ordem do dia uma proposta conciliatória para o capitalismo brasileiro (neste momento específico, rejeitada pela burguesia), esta manobra política deve ser sim denunciada.

Porque nada impede que o expediente jurídico-institucional que impuseram a Lula – que até pouco tempo atrás vivia em matrimônio com a burguesia brasileira e defendendo muito bem seus interesses – seja utiliza com outros (por motivos diferentes evidentemente) indesejados. A não denúncia disso na verdade esconde, com fraseologia de esquerda, uma capitulação ao judiciário – e no momento de sua maior bonapartização e regressão democrática.

Num mesmo sentido, achar que defender a liberdade de Lula é o mesmo que defendê-lo politicamente (ou até pior, inocentá-lo de antemão das denúncias), pressupõe mais equívocos estratégicos. Se todas as vezes que denunciar uma ação orquestrada da burguesia contra um sujeito ou organização política significar adesão às suas idéias, simplesmente nós socialistas só podemos defender os nossos, com atestado de “bolchevismo”. Ou seja, vai se capitular à burguesia com freqüência, porque ela não utiliza de expedientes escusos apenas contra nós.

O momento no Brasil é o de articular todas as demais lutas justas: contra a reforma da previdência, contra a escola sem partido, em defesa das liberdades democráticas e também pela liberdade de Lula, evidentemente, hierarquizando pela luta que mais mobiliza no momento (a defesa das universidades).

A esquerda que se nega aceitar que o Lula Livre possa ser chamado por quem defende essa consigna, mesmo secundariamente (como deve ser) no rol de reivindicações, o faz não porque “não acha isso importante” ou porque “não mobiliza”, mas porque está presa a uma disjuntiva: ou, na prática, entendem que as liberdades democráticas não estão ameaçadas; ou acham que devem – diante da sua incapacidade – terceirizar à burguesia e suas instituições a tarefa de derrotar seus adversários políticos de quem discordam estrategicamente.

Marcado como:
Lula livre