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MUNDO

Trump volta à carga e retoma guerra comercial com a China

Trump suspéndeu trégua e anunciou o aumento de tarifas a produtos chineses de 10% a 25%. A China reagiu, anunciando tarifas de 25%.

Mario Conte, de Florianópolis, SC
Nikei Asian Review

Estados Unidos e China travam guerra comercial

Mais uma vez o presidente dos EUA dá os primeiros disparos na guerra comercial com a China. Na sexta-feira, 10 de maio, ele suspendeu a trégua conquistada em dezembro do ano passado, durante a cúpula do G20, e anunciou o aumento de tarifas a produtos chineses de 10% a 25%. O montante em importações chinesas aos EUA tarifadas atinge cerca de 200 bilhões de dólares (uma soma em torno de R$ 800 bilhões).

O twitter de Donald Trump, na íntegra, dizia: “Por dez meses, a China pagou tarifas de 25% para os Estados Unidos sobre US$ 50 bilhões em produtos de alta tecnologia e 10% sobre US$ 200 bilhões referentes a outros bens e produtos. Esses pagamentos são parcialmente responsáveis por nossos excelentes resultados econômicos. A tarifa de 10% será elevada para 25% na sexta-feira”

Mais de cinco mil produtos serão afetados, sendo 2.493 produtos com a tarifa de 25%; 1.078 com a tarifa de 20%; 974 com tarifa de 10%; e ainda 595 itens sofrerão a tarifa de 5%. Segundo o próprio Trump, restam ainda 325 bilhões de dólares em produtos não tarifados, aos quais pretende aplicar uma alíquota de 25%. Trump afirma que tem fôlego para uma longa batalha contra os chineses. Em suas próprias palavras: “As tarifas tornarão nosso país muito forte, não mais fraco. Basta sentar e assistir!”

A China já anunciou sua resposta com ameaça de aumento de tarifas de até 25% em produtos que somam 60 bilhões de dólares, a partir do primeiro dia de junho deste ano. O comunicado oficial do Ministério das Finanças Chinês se deu já na segunda-feira, dia 1 de maio. A diferença considerável entre os valores tributados se deve ao fato que a China importa um volume muito menor de produtos norte-americanos.

O impacto do anúncio na economia brasileira elevou o dólar à cotação de R$ 4,00. Nas bolsas do mundo o anúncio de Trump tampouco teve impacto positivo. Já na segunda-feira, dia 06 de maio, as bolsas da União Européia (UE), caíram mais de 2% e a bolsa chinesa teve queda de mais de 5%, sua maior queda diária desde 2016. A cotação de cerca de mil empresas despencaram o limite máximo permitido de 10% no dia.

Ainda através de seu Twiter, Trump escreveu que caso a China coloque em vigor as novas tarifas “as coisas apenas ficariam piores”. No mesmo tuíte afirmou que a China vinha “tirando vantagem” dos EUA nos últimos anos porque “nossos (dos EUA) presidentes não fizeram seu trabalho”. E elevou o tom em relação ao presidente chinês Xi Jimping, ao afirmar “(…) abertamente ao presidente Xi Jinping e a todos os meus muitos amigos na China que ela será grandemente prejudicada se não fizer um acordo, porque as empresas serão forçadas a deixá-la por outros países”. Trump aposta que empresas se evadirão do território chinês, buscando vantagens comerciais em outros países próximos, como o Vietnã ou Taiwan. Eis aqui como ele espera impedir o plano Chinês de tornarem-se a maior economia do mundo até 2030.

Mas o fato é que a elevação de tarifas dos EUA não afeta embarques que tenham partido da China antes do dia 10 de maio, o que, na prática, confere a ambos mais algumas semanas para que tentem fechar um acordo comercial sem que o custo da elevação de tarifas seja imediatamente repassado aos produtos, embora não exista agenda confirmada para novas rodadas de negociações, além da cúpula do G20, em Osaka (Japão) em junho, que inicialmente não previa a pauta da guerra comercial, que deve se impor pelo grande impacto na economia mundial.

Christiane Lagarde, a diretora gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) afirmou que boatos e tuítes não são favoráveis a um acordo e que a guerra comercial entre a China e os EUA representa uma ameaça à economia mundial, cuja recuperação se encontra ameaçada com os índices de crescimento permanentemente revistos pela instituição. Em janeiro deste ano, durante o Fórum de Davos, o FMI já havia revisto mais uma vez a expectativa de crescimento da economia mundial, acusando como principal fato de impacto no crescimento a guerra comercial dos EUA e China. O FMI ainda anunciava que caso a guerra comercial fosse retomada, haveria impacto negativo que levaria a nova revisão da previsão para baixo. Em declaração aos seus clientes, o Bank of America Merrill Lynch alertou ainda em 10 de maio que uma guerra no comércio entre os dois países pode lançar a economia mundial em uma recessão.

Uma guerra de versões e propaganda traveste a própria guerra comercial

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Geng Shuang, e o representante de Comércio dos EUA, Robert Lighthizer vem trocando acusações na imprensa. Enquanto o representante dos EUA afirma que a China voltou atrás em todos os compromissos do acordo, que possui sete capítulos e cerca de 150 páginas, a China afirma que um acordo surgirá através de um “processo de negociação” e que a “a China não negociará com uma arma apontada para a sua cabeça”, em referência às novas tarifas dos EUA.

Um dos aspectos centrais da divergência é a transferência de tecnologia e propriedade intelectual exigida pela China em sua legislação, com os EUA acusando a China de pirataria e a China acusando os EUA de tentar interferir em sua soberania. Se Trump aposta por sua vez ter condições de sustentar a guerra comercial por longo tempo, a China aposta no seu desgaste antes das eleições presidenciais de novembro de 2020, uma vez que as tarifas de setembro do ano passado (também 25% em 200 bilhões em produtos chineses) impactaram a balança comercial americana já em outubro do mesmo ano com um aumento do déficit. A China também aproveitou a trégua do ano passado para estimular a economia com crédito ao setor privado, visando se fortalecer e minimizar o impacto das esperadas novas taxas dos EUA. Ainda que a economia chinesa como um todo apresente sinais de desaceleração, a previsão ainda é de crescimento entre 6 e 6,5%, projetados impactos da guerra comercial. A previsão de crescimento do déficit orçamentário com os subsídios, cortes de impostos como o IVA (impostos sobre produtos) e os créditos ao setor privado, é que cresça em torno de 0,2% este ano, atingindo cerca de 2,8% do PIB.  Já os Estados Unidos também enfrentam uma desaceleração e ainda que apresente um dos menores índices de desemprego das últimas décadas, os mesmos empregos não garantem uma renda que permita a manutenção do padrão de vida do trabalhador americano nos mesmos níveis do século XX. Pesquisas demonstram que desde a década de 40 do século passado o crescimento do número de filhos que ganham salários menores que seus pais aos 30 e 40 anos de idade, corroendo a ideologia do sonho americano de prosperidade e recompensa por trabalho e empenho pessoal.

Segundo o economista-chefe do Banco Central chinês, Ma Jun, o impacto da guerra comercial seria de três décimos de ponto percentual de crescimento do PIB, “algo que está dentro do limite controlável”. A China ainda fortaleceu seus laços comerciais com outros países viando o longo prazo e sua iniciativa conhecida como “Nova Rota da seda” envolve cerca de 130 países do mundo.

Em março deste ano o déficit dos EUA com a China bateu um recorde ao atingir 419,2 bilhões de dólares (1,65 trilhão de reais). No ano de 2017 ficou em 375,5 bilhões (1,48 trilhão de reais). Soma que representa quase metade dos 891 bilhões do déficit comercial total dos EUA.

Embora os valores nominais totais tributados em produtos dos EUA pela China sejam menores, os setores da economia americana atingidos representam tanto a base eleitoral de Trump (produtores de soja do meio oeste), quanto os setores de tecnologia produzidos em estados onde ele não tem maioria, como motos Harley Davidson. A China ainda pode desvalorizar o yuan e vender parte da dívida norte-americana como recursos, mas deve manter essa margem para não afetar negativamente sua própria economia.

A principal tática da China segue sendo conseguir uma trégua com os EUA no longo prazo, afastando as chances eleitorais de Trump, com seu desgaste político a partir do impacto na economia norte-americana da guerra comercial. Trump compreende essa tática e ao mesmo tempo em que publicou muitos tuítes para justificar a guerra comercial com a China, tentou desprestigiar o principal pré-candidato democrata, Joe Binden, que já afirmou em declarações que a China não é inimiga, e que um acordo entre os países é possível.

Quanto disso tudo consiste em elevação retórica para melhor posicionar cada país no tabuleiro das trocas comerciais, e quanto é o esforço de interromper o projeto chinês de superar os EUA como primeira economia do mundo e afetar seu projeto hegemônico, permanece ainda incerto, mas deve se definir nos próximos meses, quando as medidas de ambos os lados começarem a impactar as economias dos dois países, gerando as ondas de choque na economia mundial que tanto preocupam os analistas econômicos. A elevação de gastos militares impactando o total de investimento mundial em “defesa” pelos dois países corrobora que não se trata de mera fanfarronice inconseqüente, mas uma disputa de fôlego pela melhor posição na economia do mundo.

Já faz mais de cem dias que Trump cruzou seu Rubicão, ao lançar a batalha tarifária tendo a China como alvo central e a cada dia torna-se mais difícil uma saída conciliadora com a China. Para Trump, os EUA e, consequentemente, o mundo, a sorte está lançada.

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Guerra comercial