A jovem estudante Camila Mantovani da Silva, 24, anunciou nesta semana em uma rede social que irá deixar o País, para proteger a sua vida. Ela denuncia que vem recebendo há muito tempo ameaças por telefone e mensagens no celular e pelas redes sociais. E que, de setembro para cá, a situação piorou, quando identificou homens de tocaia próximo da sua casa e pessoas armadas a seguindo na rua. Por conta disso, ela não tem endereço fixo desde setembro e, agora, decidiu deixar o país para sua segurança e a de seus familiares.
Em um trecho da mensagem ela afirma: “Perdi o direito! Perdi o direito de viver no meu próprio país! Quem defende a laicidade do Estado, é massacrado por um Estado que não é laico. Perdi o direito de viver com minha família e meus amigos, de levar meu trabalho a diante. Perdi o direito de viver minha vida como a vivo hoje. Perdi esse direito pq o fundamentalismo que governa o Brasil hoje assassina qualquer profeta que denuncie o pecado das grandes lideranças. Perdi meus direitos pq um Brasil governado por evangélicos é um Brasil anti povo, anti direitos, anti pluralidade que é tão importante pra assegurar a democracia! Estou indo embora do país em exílio depois de esgotar todas as minhas possibilidades de ficar aqui e permanecer viva. Lutei o quanto pude pra não ter que sair, mas me colocaram no limite.”
Estudante da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ), Camila faz parte da Igreja Batista do Caminho, no Rio de Janeiro, e do Coletivo Esperançar. Ela atua em apoio à mulheres vítimas da violência machista e é uma das articuladoras da Frente Evangélica Pela Legalização do Aborto. A frente começou em 2017, depois que algumas mulheres evangélicas se depararam com argumentos fundamentalistas e religiosos contrários a ADPF 42 (Ação de Descumprimento de Preceito) que pede a descriminalização do aborto no Brasil e está sendo julgado no Superior Tribunal Federal (STF).
Também em sua conta na internet, ele fala sobre o surgimento da frente, que surge “quando mulheres de diferentes igrejas decidem que os fundamentalistas não falariam por nós. Não seguiriam nesse plano genocida em nosso nome! Essa frente é composta por meninas extremamente corajosas e eu to falando delas pra que todo mundo saiba que eu só faço o que eu faço pq eu faço coletivamente. Eu só sou pq elas escolherem ser comigo! (…) São essas mulheres que me inspiram e me ensinam todo dia a ser e a fazer resistência. São elas que recebem apavoradas junto comigo as ameaças de morte de quem diz defender a vida. Somos nós intercedendo uma pela outra. (…)
Se tem alguém pró-vida, somos nós! A gente cria essa frente pq nosso lado é o lado das mulheres pretas e pobres. A gente cria essa frente pq a gente é contra essa lógica de encarceramento, é contra esse avanço violento do Estado penal que é racista, que é genocida, que é patriarcal. Nossos corpos vocalizam hoje pro mundo o que milhares de outras mulheres não puderam vocalizar. É em memória de tantas que morreram, com cytotec falso, com cabo de mamona perfurando o útero, com uma sonda, que tiverem seus corpos carbonizados por clínicas clandestinas que lucram com a criminalização, é pelas mulheres cristãs que se sentem abandonadas por Deus, é por todas as outras que são abandonadas pelo Estado, é por elas e em memória delas que a gente segue!”
Em entrevista ao RJ TV, a deputada Renata Souza (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, denunciou o caso e informou que encaminhou documentos e fotos sobre o caso para investigação do Ministério Público e da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância.
Os custos para a mudança de país estão sendo viabilizados pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristas do Brasil (Conic), que divulgou uma nota, junto com o Fórum Ecumênico ACT Brasil (FEACT), condenando o uso da religião para a violência: “A fé cristã não pode ser instrumentalizada para subjugar as pessoas, nem para dominar territórios, impondo medo às pessoas. A fé cristã não pode ser associada com armas e nem com o crime organizado.” A nota também denuncia que outras mulheres evangélicas, que atuam em defesa dos direitos femininos, estão sofrendo ameaças.
Assim como outras mulheres que tem deixado o País – como a professora Débora Diniz, da UnB, e da filósofa Márcia Tiburi – e o ex-deputado Jean Wyllys (PSOL), Camila não vê o exílio como o fim das suas atividades políticas e de sua resistência. “Estou indo, mas continuo a denuncia da barbárie que esse país se tornou sendo um país tão evangélico! (…) Aqui ou em qualquer lugar eu sigo pela vida das mulheres, pelo respeito a diversidade, pela garantia da democracia, contra o fundamentalismo religioso! Da Luta, não me retiro”
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