A indicação de Abraham Weintraub demonstra a fraqueza da oposição liberal a Bolsonaro

Pedro Lhullier Rosa
Antonio Cruz/Agência Brasil

O presidente Jair Bolsonaro dá posse ao novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, em cerimônia no Palácio do Planalto.

Uma semana após desmentir como “fake news” o anúncio de Eliane Cantanhêde da demissão do Ministro da Educação Ricardo Vélez Rodriguez, o presidente anunciou, nesta segunda (8), que o colombiano não faria mais parte do governo. Entra em seu lugar Abraham Weintraub, economista que, junto com seu irmão, foi encarregado da Previdência na equipe de transição de Bolsonaro – tendo antes integrado a pré-campanha mal fadada de Luciano Huck como conselheiro econômico.

Comparando com os demais ministros e integrantes do governo, Weintraub tem uma carreira acadêmica notável pela existência. É mestre em Administração na área de Finanças pela FGV e professor no curso de Ciências Atuariais na Unifesp. Segundo seu currículo oficial citado em artigo da Folha de São Paulo, foi diretor estatutário do Banco Votorantim, CEO da Votorantim Corretora no Brasil e da Votorantim Securities nos Estados Unidos e na Inglaterra. Ao contrário de Vélez – duramente criticado pela oposição por conta disso – Weintraub não aparenta ser incompetente.

No entanto, é inegável que tê-lo ocupando o cargo é um desastre para o país. Assim como seu antecessor, ele é discípulo das ideias de Olavo de Carvalho, crente em conspirações que dizem que “o crack foi introduzido no Brasil de caso pensado” ou que o país “faz parte do espaço vital de uma estratégia clara para a tomada do poder por grupos totalitários socialistas e comunistas” através do chamado “marxismo cultural”. A fonte das informações? “Está na internet!”. Na Unifesp, perseguiu estudantes que criticaram seu apoio a Bolsonaro, acumulando processos administrativos por conta disso. E além de tudo, este cargo de professor universitário é o máximo que pode reivindicar de experiência na área da educação; não tem formação ou trabalho na área, não conhece o campo e não tem um entendimento minimamente factível quanto aos problemas da educação no Brasil.

O amplo campo da oposição a Jair Bolsonaro chega, assim, a um impasse. Ao contrário do caos que foi o MEC de Vélez, Weintraub provavelmente conseguirá dar ao Ministério uma noção básica de ordem e fazê-lo funcionar. Se tudo o que a oposição queria era a indicação de alguém capaz de gerir um órgão público – de estabelecer “metas” e “projetos” – é provável que não tenha de quê reclamar sob o novo ministro. E como economista, ele segue a mesma racionalidade liberal que críticos do governo como Luciano Huck e FHC. Simpatizante do primeiro e admiradora confessa do segundo (o chamando, em publicação no Facebook deletada, de um dos seus “maiores ídolos acadêmicos e políticos”), a deputada Tábata Amaral tem despontado como figura da oposição desde sua fala contra o ministro Vélez, em que cobra “planejamento estratégico” para tocar a pasta do Ministério enquanto critica a “cortina de fumaça” do debate ideológico. Sua crítica não é ao projeto que o governo Bolsonaro quer implementar – é à falta de estratégia para a implementação deste ou de qualquer projeto. Eleita em primeiro mandato pelo PDT, simboliza um setor da oposição que, apoiado pela grande mídia e por um contingente cada vez maior de empresários, banqueiros, e grandes proprietários, critica o presidente pelo seu fracasso em entregar os prometidos índices econômicos, eficiência da máquina pública e aprovação da reforma da previdência; coloca questões de direitos – humanos, sociais, trabalhistas – como secundárias e, acima de tudo, “ideológicas”.

Apesar de Weintraub não ser uma solução miraculosa para o governo, que sofre, como um todo, de falhas de articulação, incompetência, e brigas internas – sendo a sua própria indicação um possível ponto focal de revolta para os militares – ele demonstra que Bolsonaro está aprendendo a sintetizar seu programa com as críticas do campo liberal. Assim como a própria deputada Tábata, o ministro diz não ser “de esquerda nem de direita”. Tendo experiência em altos cargos executivos no setor privado, é certo que tem noção das “boas práticas” de gestão. Nos seus trabalhos sobre o neoliberalismo, a cientista política Wendy Brown (2015) critica o conceito recorrente de “boas práticas” pelo seu papel na formação de um receituário específico de gestão empresarial – estabelecendo e quantificando metas de eficiência, projeções de consumidores, divisões hierárquicas, etc. – que é aplicado a toda forma de órgão executivo, desconsiderando tanto a mira programática e política quando o funcionamento prático da organização em favor de uma única variável enganosa de eficácia econômica. Assim como a reforma da previdência, as “boas práticas” unem Weintraub, e portanto o governo Bolsonaro, com o campo da oposição simbolizado por Tábata Amaral, que integra centralmente o antigo empregador do ministro, Luciano Huck.

Esta convergência não significa, evidentemente, que os liberais vão se posicionar no lado da situação em um futuro próximo. A “cortina de fumaça” do “debate ideológico” que faz o governo Bolsonaro é grotesca demais para ignorar, pisando sobre indígenas, habitantes das favelas e periferias, vítimas de tortura, vítimas de estupro, vítimas de violência policial, vítimas de violência no campo, a comunidade LGBT, mulheres, negros e negras, quilombolas, e imigrantes, tanto estrangeiros no Brasil quanto brasileiros no exterior. Em uma perspectiva liberal, o desrespeito do presidente com os setores vulneráveis, além da sua erosão das instituições democráticas, desprestigia o país, escandaliza parceiros externos e afasta investidores. Mas com a mudança de rumo que representa Weintraub, essa parcela da oposição logo perderá a carta das “boas práticas”.

A crítica a Bolsonaro não pode mais ser pela sua incompetência ou ineficiência em aplicar seus projetos; deve se virar para os projetos em si. No caso do MEC, não vai mais fazer sentido criticar sua paralisia com a alternativa sendo uma educação que “funciona” – em um modelo neoliberal, empresarial, e pronta para responder a cortes de gastos ainda inconstitucionais com medidas de terceirização ou “redução de estrutura”. O contraponto tem que ser o debate ideológico: deve-se contrapor à ideia de “educação para uma elite”, livre de reflexão crítica e carregada de devoção cega e hipócrita aos símbolos nacionais, um programa popular e emancipatório, que seja aplicado pensando a sociedade brasileira, seus problemas e suas especificidades.

 

Referências

BROWN, Wendy. Benchmarking and Best Practices. In: BROWN, Wendy. Undoing the Demos: Neoliberalism’s Stealth Revolution. Nova York: Zone Books, 2015. p. 135-142. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/doispontos/article/downloadSuppFile/48108/25893

Deputada Tábata Amaral questiona o ministro Ricardo Vélez. Brasília: TV Câmara, 2019. (6 min.), son., color. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=47Iuy4C0pew>. Acesso em: 09 abr. 2019.

Nem de esquerda e nem direita: conheça Tabata Amaral. Reportagem de Paulo Beraldo; Bruna de Alencar. Fotografia de Bruna de Alencar. São Paulo, 2019. Son., color. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=UKROG7pT148>. Acesso em: 09 abr. 2019.

Veja só quem também admira a Tábata:. São Paulo: Tábata Amaral Ubatuba, 2018. Son., color. Originalmente nos stories do perfil de Instagram @lucianohuck. Disponível em: <https://www.facebook.com/tabataamaralubatuba/videos/luciano-huck-tamb%C3%A9m-%C3%A9-tabata/327658164457233/>. Acesso em: 09 abr. 2019.